Conheci Edson Arantes do Nascimento quando tinha sete ou oito anos, pela mão do meu avô. Perto de casa, um cinema exibia "Fuga para a Vitória", um dos mais deliciosos e idiossincráticos filmes de John Huston.
Para o meu avô, Pelé era o segundo maior jogador da história do futebol. O primeiro, claro, era Eusébio. Pelo menos, ele dizia isso em público. Privadamente, eu sei que a história era outra. Mas divago.
Então fomos. Naquele tempo, os cinemas eram arcas de Noé, gigantescos e com fauna diversa, onde era possível fumar do princípio ao fim. O público, esse, comentava a história em voz alta, dava indicações aos atores —e, se gostasse, aplaudia.
Foi ali, por entre a bruma do vício, que Pelé me apareceu pela primeira vez, na pele de Luis Fernandez, um nativo de Trinidad e Tobago, prisioneiro de um campo de concentração nazista em plena França —e um gênio do futebol. Faz sentido?
Nenhum. Mas que interessa? O que interessa é a força da história: um grupo de prisioneiros aliados aceita o desafio de jogar uma partida de futebol contra um time alemão. Para os nazistas, o jogo é um excelente ato de propaganda, uma forma de mostrarem seu lado humano e tolerante.
Para os aliados, é uma oportunidade para fugirem, no intervalo do jogo, através de um túnel escavado por baixo do estádio.
O jogo começa. Pelé deslumbra. A Alemanha, mais forte, vai vencendo. Chega o intervalo. Que fazer? Fugir, conforme o plano?
Ou ficar, jogar e derrotar os nazistas?
A equipe se divide. Pelé não se conforma. "Se fugirmos agora", diz ele, "perdemos mais que um jogo." Palavras proféticas, que ainda hoje ressoam na minha memória infantil.
O time volta para o gramado, Pelé supera a sua lesão e faz um gol de bicicleta, arrancando aplausos do próprio oficial nazista. No cinema, escusado será dizer, todo mundo aplaudia também.
Aos sete ou oito anos, "Fuga para a Vitória" não era apenas um filme sobre futebol. Era uma primeira introdução à nobreza de espírito: aquela qualidade humana que nos eleva acima do horror.
E, no centro do palco, Pelé. Quando o técnico John Colby (inesquecível Michael Caine) pede aos jogadores que não corram demasiado, caso contrário não vão aguentar os 90 minutos, Pelé se levanta e explica como vai jogar: sem amarras e sem temor. No fundo, sem comprometer a sua liberdade.
Na hora da morte, cada um terá o seu Pelé. O meu é cinéfilo, humilhando com seu talento a sinistra sombra da suástica.
Espero que o meu avô, que partiu primeiro, não se esqueça de lhe agradecer lá em cima por aquela sessão de matiné. Tenho a certeza que até o Eusébio vai compreender.
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