terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Errei sobre o impeachment, DEMÉTRIO MAGNOLI, FSP

Demétrio Magnoli

Escrevi aqui, em março de 2016, uma coluna intitulada "Impeachment, urgente!". Era uma mudança da opinião contrária ao impedimento de Dilma Rousseff que expressei desde o início de 2015 —e, claramente, um erro de avaliação política.

Cercada de aliados, a presidente afastada Dilma Rousseff fala à imprensa no Palácio da Alvorada, em Brasília, depois da votação do Senado que confirmou seu impeachment por 61 votos contra 20 - Pedro Ladeira - 31.ago.16/Folhapress

Passei a encarar o impeachment como necessidade "urgente" pelas reações de Rousseff e da direção petista ao processo judicial contra Lula. Gilberto Carvalho, prócer do PT, acenava com uma ameaça explícita de "venezuelanização", a militância petista promovia um cerco a um fórum de São Paulo e a presidente manobrava para elevar Lula à condição de ministro, a fim de tirá-lo da jurisdição de Sergio Moro. O Planalto transformava-se num santuário destinado a proteger o ex-presidente do sistema judicial. A democracia, concluí, precisava cortar pela raiz a deriva autoritária.

A acusação formal que provocou a queda de Rousseff era verdadeira: as "pedaladas" violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas, como escrevi em fevereiro de 2015 (na coluna "A hora e a história"), o desvio não valia um remédio tão extremo.

As "pedaladas fiscais" refletiam uma política econômica desastrosa, que acabou fabricando a depressão de 2014-16, a segunda mais profunda da história brasileira, atrás apenas do cataclismo do início da década de 1930. Argumentava-se, entre os defensores do impeachment, que a obra dilmista terminaria num outro tipo de "venezuelanização": o colapso da economia. A demissão do ministro da Fazenda Joaquim Levy, em dezembro de 2015, sob bombardeio implacável do PT, conferia peso ao argumento.

Nunca comprei aquele diagnóstico. Na Venezuela, o chavismo controlava o poder inteiro: Executivo, Legislativo e Judiciário. No Brasil, o PT não comandava uma maioria ideológica no Congresso e o STF conservava sua independência (mas, para desespero de Lula, nem sempre a indispensável isenção política). A folia econômica impunha sofrimento, mas seria interrompida antes da catástrofe.

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Contudo, o que fazer diante de uma presidente e um partido dispostos a confrontar o sistema de justiça?

Hoje se sabe, via Vaza Jato, que Moro e seu Partido dos Procuradores guiavam-se por um projeto de poder. Na época, isso era desconhecido —mas a corrupção desenfreada na Petrobras não o era. Mesmo assim, o certo teria sido seguir criticando a saída do impeachment.

O STF tinha a prerrogativa de afastar o foro privilegiado de um Lula alçado ao ministério —e certamente a utilizaria. As sentenças agourentas de Gilberto Carvalho e as manifestações mais tresloucadas da militância petista não colocavam em risco a estabilidade institucional. O país podia suportar mais dois anos de desgoverno, até o veredicto das urnas.

O impeachment trouxe consequências funestas. Numa ponta, fortaleceu os conspiradores da Lava Jato que, com o auxílio de um STF rendido, encarceraram Lula e destruíram tanto o PSDB quanto o governo Temer. Moro et caterva abriram as portas para a ascensão de Bolsonaro. Na outra, interrompeu o processo de aprendizado nacional sobre o populismo econômico. A queda da presidente propiciou ao lulismo um álibi narrativo capaz de ocultar, ao menos parcialmente, o fracasso de suas doutrinas —que, tudo indica, voltarão a assombrar o país.

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