sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Ilusão de controle, FSP

Brexit alimenta a narrativa de que britânicos decidirão seu futuro sem a interferência de estrangeiros

Às 23h desta sexta-feira (31/1), o Reino Unido se separa oficialmente da União Europeia (UE), pondo fim a uma novela que se estendeu por mais de três anos.
No plano econômico, o divórcio é um tiro no pé. Os britânicos estão abrindo mão de acesso privilegiado a um mercado de mais de 500 milhões de pessoas e criando “ex nihilo” sérias dificuldades para suas empresas. A aventura custará ao Reino Unido entre dois e oito pontos do PIB até 2034, segundo estimativa do próprio governo.
Se é tão ruim assim, por que os britânicos decidiram sair? Europeístas até podiam afirmar que os eleitores foram enganados no plebiscito de 2016, no qual a campanha pelo brexit abusou das fake news. Mas não vejo como insistir neste argumento após a vitória de Boris Johnson em dezembro. O brexit foi o tema dominante na eleição, que teve lugar após anos de debates. A matéria estava madura para ir a voto.
Minha hipótese para explicar o fenômeno é o desejo de controle. Seres humanos somos obcecados por nos sentir no controle. Há um experimento bem maluco da psicologia em que voluntários são colocados diante de luzes que piscam num padrão aleatório e instruídos a apertar um botão, que não faz rigorosamente nada —embora as cobaias não saibam disso. Em pouco tempo, a maioria jura que controla as luzes.
Esse viés, creio, alimenta a narrativa de que, com o brexit, os britânicos decidirão seu futuro sem a interferência de estrangeiros e voltarão a ter domínio sobre suas fronteiras. É pura ilusão, porque o eleitor só tem controle de fato sobre o seu próprio voto, cujo peso é irrisório em qualquer pleito maior que o para síndico de prédio. Sob essa perspectiva, não faz tanta diferença se as políticas são definidas em Londres ou em Bruxelas.
Curiosamente, essa ilusão de controle é um dos elementos de legitimação da democracia, ao criar a sensação de que cada voto conta.
 

Governo Bolsonaro vive verão de fraturas e frituras de ministros, FSP

Um quarto da cúpula da gestão Bolsonaro foi frita neste verão de desesperança

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Generais-ministros com salas próximas à de Jair Bolsonaro, amigos sem cargo do presidente e a filhocracia ajudam a preencher noticiário fraco do recesso político com frituras de ministros. A mumunha envolve quase um quarto do ministério.
Nem tudo é mera fofoca; a intriga não brota da cabeça dos jornalistas. Tem ministro e assessor graduado que telefona para espalhar o óleo quente. A gente não pode fingir que não ouviu ou não leu a mensagem.
Onyx Lorenzoni acaba de entrar nessa roda do infortúnio. Ministros que trabalham no Planalto querem que o chefe da Casa Civil volte oficialmente à sua irrelevância de costume na Câmara dos Deputados. Seu ministério já é uma casca vazia.
É apenas o caso mais recente de fritura, motivado pela demissão, readmissão e redemissão de um sub de Onyx, aquele que brincava no play dos Bolsonarinhos e viajou de aviãozinho para a Índia.
Note-se de passagem que é mais um “aliado de primeira hora” de Bolsonaro que vai ficando por último na apreciação presidencial (vide o caso dos escorraçados Magno Malta, Santos Cruz e Gustavo Bebianno).
A cadeira de Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional) é disputada desde fins do ano passado. Tentam passar-lhe a rasteira antes da volta dos trabalhos no Congresso. Aliados parlamentares de Bolsonaro acham que o cargo tem de ser “político” (deles).
Abraham Weintraub, aboletado no Ministério da Educação, não cai por birra de Bolsonaro e pela resistência da seita do orvalho de cavalo. Está desmoralizado a ponto de ser escarnecido com desprezo, em público, por dois dias seguidos, por Rodrigo Maia, presidente da Câmara e premiê informal da República das Reformas do Brasil.
“Desastre”, caso “grave”, “atrapalha o futuro” do Brasil e de milhões de crianças, disse Maia sobre o ministro, com razão.
Autoridades não têm mais pudor de chutar cachorro vivo. Não há mais pudor em geral, muito por inspiração da Nova República da Boca Suja.  
Embora a palavra “desmoralizado” tenha sido desmoralizada no Brasil desta nova era desavergonhada, bárbara e cafajeste, o inepto Weintraub estaria na rua se fosse pelo gosto de ministros-generais. Mas a seita e seus sacerdotes da filhocracia querem controlar o processo. Se Weintraub cair, querem outro perturbado para chamar de seu.
Ricardo Salles, ministro do Mau Ambiente, deve ser tutelado pelo ainda misterioso Conselho da Amazônia, a ser presidido pelo vice-general Hamilton Mourão. Além de a equipe econômica passar carão ambiental lá fora, até para o dinheiro grosso do mundo o Brasil estava ficando grosso demais com essa história de rapar a floresta e trucidar indígenas.
Como também se recorda, amigos e filhos de Bolsonaro tentaram fritar Sérgio Moro e, ao menos, arrancar-lhe a Polícia Federal. Bolsonaro caiu na conversa e criou uma crise do nada com seu ministro da Justiça. A primeira família saiu queimada, pois a falange lavajatista dos apoiadores do presidente fez a ameaça velada, embora ainda remota, de virar concorrente ou oposição.
Por fim, por ora, lembre-se que caiu também aquela criatura da Cultura, que saiu do armário fantasiada de nazista. A sucessão de vexames fez até a gente esquecer do ministro do Turismo, aquele enrolado no laranjal da campanha do ex-partido bolsonarista, o PSL, mais um largado pelo presidente.
Tem gente graduada em ministérios “econômicos” e do Planalto que acha o governo disfuncional além da conta. Parte do ruído vem daí.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).