sexta-feira, 31 de maio de 2013

Dois grandes se foram em uma semana,por Ignácio de Loyola Brandão - O Estado de S.Paulo


Enquanto ia para a missa do dr. Ruy, como todos o chamavam, pensava na notícia que tinha acabado de ler, a morte de Roberto Civita. A mídia brasileira perdeu duas figuras máximas em sete dias. Trabalhei com Roberto, que tinha um ano menos do que eu. Nunca trabalhei com o dr. Ruy, apesar da vontade. Cada Mesquita teve seu papel, sua importância na imprensa, porém o dr. Ruy acabou sendo um mito, principalmente para nós jovens.
Por ser Mesquita, um clã que comandava o jornal mais poderoso do País, fundar o Jornal da Tarde, afrontar a censura e a ditadura militar, defender seus funcionários, mostrou sua coragem e o lado em que estava. Dezenas de artigos de pessoas que conviveram com o dr. Ruy revelaram facetas as mais diversas. Até Xico Graziano mostrou o homem ligado à terra.
Para nós, de fora, o dr. Ruy era inacessível, inalcançável. Criavam-se histórias em torno dele. Lembro-me que nas vezes em que tentei entrar para o Jornal da Tarde, vinham barreiras, sublinhadas pelo comentário: "Você foi da Última Hora, jornal que defendeu Getúlio e Jango, não vai entrar aqui". Depois, eram raras as matérias sobre livros meus; quase nada.
Indagava, me respondiam: "O dr. Ruy te acha comunista". Eu, comunista? Se estar perto de Luís Carlos Prestes uma vez na vida, na casa do Aldo Lins e Silva, me fazia comunista, então...
Os anos passaram, fiz minha vida. Aliás, estou fazendo, dia a dia. Certa vez, precisei fazer uma reportagem sobre o Hotel Hyatt para a revista Vogue, que eu dirigia. Fui almoçar no restaurante francês Eau French Grill (na época não tinha esse aposto, french grill). Sentei-me, olhei para os lados, havia pouca gente. Vizinho à minha mesa estava o dr. Ruy Mesquita e dona Laura Maria. Levantei-me, me aproximei, eles ainda tomavam a água, esperavam ser atendidos, detesto incomodar. Apresentei-me, dr. Ruy estendeu a mão: "Permita-me não levantar". Sorriu, cumprimentei dona Laura. "Sei quem você é", disse ele. "Quando entrou, disse à minha mulher quem você é, ela te lê". E ela: "É a primeira coisa que busco, às sextas-feiras". Dr. Ruy: "É um prazer tê-lo entre nós".
Mil imagens passaram pela minha cabeça ante o sorriso cordial, amistoso. Onde tinham nascido todas aquelas coisas a respeito dele? As histórias que se criam em torno de certos personagens. Quem cria e por que razão? Ali mudou a impressão que eu tinha de um dr. Ruy irascível com adversários. Imaginem, eu adversário dele? Ousadia. Aquele foi meu único encontro com esse personagem de nossa cidade, da nossa história, da trajetória da imprensa. Um momento simples, quase prosaico, mas feliz para mim. O "outro" dr. Ruy, afável, cordial. Como os que trabalharam com ele mostraram em variados artigos ao longo da semana passada.
Quanto a Roberto Civita, tivemos convivência próxima por muitos anos. Na Abril, uns o chamavam de Robert, anos atrás, por ter recém-chegado dos Estados Unidos onde fez universidade. Outros por doutor Roberto. Comecei na Rua João Adolfo, na revista Claudia, mas só vi Roberto pela primeira vez na Marginal do Tietê, para onde nos mudamos em 1968. Ele ficava no sexto andar, na cúpula, reduto dos Vips, ao lado de VC. Descia ao quarto andar onde estavam as femininas e era risonho e afetuoso, o oposto de seu irmão que, hoje posso confessar, quase todos jornalistas detestavam.
Certa vez, numa convenção em Serra Negra, reunidos comercial, diretores e redatores chefes (o termo editora ainda não se usava), ele surpreendeu nos dando um conselho: "Façam tudo para ocupar o cargo do seu superior". Realista, mostrava que se devia usar talento e competência para fazer melhor do que o outro. Ele fez a Abril crescer e diversificar depois da morte do pai. Era um homem inquieto, exigente, duro às vezes. Lembro-me que o arquivo da Abril, chamado de Dedoc, era menina de seus olhos; ele sabia que ali estava gente de esquerda, gente brava, resistente. Sabia que por meio do Dedoc documentos sobre a ditadura, as torturas nas prisões, as mortes, chegavam e escoavam para o estrangeiro por canais jamais revelados, indo para a mídia internacional. Com documentos ali recebidos escrevi capítulos do meu romance Zero.
Uma vez, ao saber que eu tinha pedido demissão da Claudia para ir fazer a revista Planeta com Luis Carta, ele me chamou à sua sala: "Quanto a mais estão te pagando?". Respondi: "Dois mil cruzeiros a menos do que ganho aqui". Ficou assombrado: "Então, por que vai?". E eu: "Para mudar, fazer uma coisa nova, excitante. Para sair da burocracia que emperra, das muitas assinaturas em requisições, dos muitos chefes acima de mim, dos muitos memorandos que recebo a cada numero que sai". Roberto me olhou, estendeu a mão: "Obrigado. Tem labirintos que se criam com o crescimento. Preciso ver muita coisa, antes que outros partam. Faça sua vida, a porta está aberta".
Décadas mais tarde, já na Marginal do Rio Pinheiros, quando foram comemorados não me lembro se os 60 anos do Roberto, fui convidado ao almoço e me pediram para falar. Um dos raros de fora chamados. Sei que gostava de mim. Só nos veremos agora do outro lado, se há um outro lado.

E agora, ministro? - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 31/05

Diante do PIB decepcionante do primeiro trimestre e da perspectiva de desilusões mais ou menos equivalentes nos próximos, o governo Dilma não vai ficar como está.

São duas opções: ou faz mais do mesmo ou muda tudo. Ambas incluem riscos e poucos resultados imediatos, pelo menos até as vésperas das eleições presidenciais de 2014.

Na entrevista que deu logo após a divulgação do PIB, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, indicou que há mudanças em curso. Em vez de turbinar o consumo, como fez até recentemente, a ênfase da política econômica vai para o investimento.

É um reconhecimento, ainda que tardio, de que a política econômica partira do diagnóstico errado, de que o problema era o baixo consumo. A estratégia até então determinava que, uma vez estimulado o consumo, a produção (e o investimento) iria atrás, como cachorro de mendigo.

A conversão do governo ainda não convenceu. A ideia de que o investimento ficara em segundo plano até aqui não combina com a louvação oficial ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É bom lembrar que a então candidata Dilma Rousseff foi apresentada ao eleitorado como "mãe do PAC", num clima em que o investimento já fora escolhido como alavanca do desenvolvimento econômico. De todo modo, vai sendo reconhecido que o PAC é pouco.

Dos 18% da renda aplicados hoje em investimento, o governo detém fatia pouco superior a 1 ponto porcentual. O resto sai do setor privado. No entanto, o empresário não vem se deixando seduzir pelas convocações da presidente para liberar seu espírito animal. Ele não sente firmeza na condução da economia.

Uma opção do tipo mais do mesmo consistiria em aprofundar o regime de altas despesas públicas destinadas a transferências de renda para determinados segmentos da população, apresentada sempre como política anticíclica, embora na prática produza mais distorções do que soluções. Continuaria, também, a propiciar reajustes salariais acima da produtividade do trabalho e as tais desonerações que custam caro e não passam de paliativo. É a receita que, na atual conjuntura nacional e internacional, conduz à repetição de pibinhos, de inflação em alta e de aumento do rombo das contas externas. Em compensação, enquanto mantiver a ilusão populista, é a política que, em princípio, garante votos.

A opção por mudança de rumos consistiria em reduzir substancialmente as despesas públicas para que o governo pudesse garantir vigoroso superávit primário (sobra da arrecadação para pagamento da dívida). O fator abriria espaço para a redução dos juros, o que todos querem, e para o barateamento do crédito. De quebra, permitiria maior desvalorização do real (alta do dólar) para fortalecimento da indústria - sem produzir a inflação que alimenta a desconfiança e a retração do setor privado. É claro, esse conjunto de políticas exigiria adiamento da instalação do Estado do bem-estar social, com o qual a sociedade parece contar.

Embora em algumas ocasiões diga o contrário, o governo parece mais disposto a seguir a primeira opção, para só aplicar a terapia de choque em um possível segundo mandato de Dilma. O maior risco é de que as condições da economia se deteriorem muito rapidamente e a reputação política da presidente chegue às vésperas das eleições com sérias avarias.

Belo Monte para de novo

O Estado de S.Paulo
Não bastassem os inúmeros obstáculos que enfrentou antes de seu início e continua a enfrentar, o que vem elevando seu custo, a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, foi escolhida como refém preferencial de índios que se opõem a esta e a outras usinas ainda em estudo. As frequentes interrupções das obras, por ações dos indígenas ou por greves, impõem custos adicionais e deixam dúvidas sobre o cumprimento do cronograma, que prevê o início da geração em fevereiro de 2015.
Entre 140 e 170 indígenas conseguiram, pela segunda vez no mês de maio, paralisar o trabalho de cerca de 4 mil operários do Sítio Belo Monte, um dos três canteiros da usina. A ocupação retardará o andamento das obras e poderá adiar sua conclusão, o que imporá perdas para o grupo de empreiteiras contratado para sua execução, para o consórcio que está pagando as obras e será responsável pela operação de Belo Monte e para o País. É do interesse geral que, uma vez iniciada, uma obra desse porte seja concluída com a presteza possível, para gerar os benefícios que dela se esperam.
O governo afirma que Belo Monte será a terceira maior usina hidrelétrica do mundo (atrás de Três Gargantas, na China, e de Itaipu). Sua potência instalada, que deverá ser de 11.233 MW, justifica essa classificação, mas somente uma parte desse total (4.500 MW) será utilizada com regularidade.
Problemas políticos, técnicos, financeiros, ambientais e trabalhistas têm dificultado a construção da usina. A ocupação de canteiros por índios tornou mais difícil o cumprimento do cronograma pelo Consórcio Construtor de Belo Monte, que considera a situação tensa e já alertou o governo para o risco de conflitos entre trabalhadores e indígenas.
As duas ocupações de Belo Monte em maio foram feitas por índios que vivem numa reserva localizada em Jacareacanga. Eles tiveram de viajar cerca de 800 quilômetros até o local onde a usina está sendo construída. Eles são contra a usina de Belo Monte e exigem que o governo suspenda os estudos para a construção de um complexo hidrelétrico no Rio Tapajós. Dizem que só deixarão o canteiro depois de negociar com um membro do governo federal.
Durante a ocupação realizada no início de maio, a Justiça Federal determinou à Polícia Federal que apurasse "a possível participação de não índios na manifestação". O consórcio construtor obteve, na ocasião, decisão do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região determinando a reintegração de posse do canteiro, com o uso de força policial, se necessário. A desocupação foi pacífica. O consórcio afirma que a decisão da Justiça continua em vigor.
Somando-se as interrupções dos trabalhos por ocupações de canteiros e greves, já são mais de 90 dias de paralisação. As empreiteiras calculam que cada dia de paralisação implica perdas de R$ 10 milhões. Benefícios concedidos aos trabalhadores em negociações para encerrar greves igualmente impõem custos adicionais. Tanto o consórcio construtor como o Grupo Norte Energia, que o contratou e será responsável pela operação de Belo Monte, afirmam que o ritmo das obras se intensificará no segundo semestre, quando o número de trabalhadores deverá subir dos atuais 23 mil para 28 mil, o que poderá aumentar a tensão na área de relações trabalhistas.
Não é de estranhar, por isso, que, orçada pelo governo inicialmente em R$ 16 bilhões, a usina tenha sido leiloada por um valor acima de R$ 19 bilhões. Já no fim do ano passado, seu custo tinha sido revisto para R$ 28,9 bilhões. Há tempos, o consórcio construtor negocia com a Norte Energia um reajuste de R$ 1 bilhão.
Será basicamente o setor público que arcará com o encarecimento da obra, uma das principais peças do Programa de Aceleração do Crescimento. A iniciativa privada pouco se interessou pelo empreendimento, que só saiu do papel com a participação de estatais e de fundos de pensão de estatais nos dois consórcios que disputaram a obra em 2010. Além disso, sua execução conta com pesados financiamentos públicos.

A China retorna ao pódio - JOÃO MELLÃO NETO


O Estado de S.Paulo - 31/05

Na antiga China, uma mulher desolada praguejava contra seu infeliz destino. "Por que chora?", perguntou-lhe um viajante.

"Ah, senhor, é o malvado do tigre. Ele devorou meu pai, meus irmãos e em breve vai voltar para me devorar"

"E por que a senhora não se muda para a cidade?"

"E eu sou louca? Lá existe o governo!"

Através do século 20 a História provou que ela tinha razão. Durante esse período o tigre, embora assumindo numerosas caras, manteve sua natureza: foi sempre voraz e impiedoso.

Em 1949, quando Mao Tsé-tung assumiu o poder, houve quem acreditasse que uma nova e gloriosa era se iniciava na China. Havia ao menos uma promessa dúbia dos novos governantes: o comunismo, que eles estavam em via de implantar, seria, finalmente, o fim da "exploração do homem pelo homem". Logo ficou evidente que era isso mesmo. Apenas se cuidou de inverter os termos da equação. Ou seja, na nova fórmula, o homem continuou a explorar o homem e quanto ao tigre, ficou ainda mais voraz que antes.

Num relato histórico sucinto, primeiro se providenciou a execução em massa dos simpatizantes e colaboradores do antigo regime. Depois, uma a uma, sucessivamente, surgiram as palavras de ordem da nova China. Foi aí que o novo tigre arreganhou os dentes e mostrou a que veio. Segundo Mao, a China só se poderia tornar uma nação civilizada se promovesse uma industrialização acelerada e coletivizasse o campo. Para alcançar a primeira meta, chamada de "O Grande Salto Adiante", ele conclamou cada chinês a deixar a agricultura em segundo plano e passar a produzir aço em seu quintal. Ora, aço não se produz assim, de maneira artesanal. Entre 1958 e 1960 a China, além de não lograr produzir aço algum, passou por uma grande fome, já que os braços disponíveis para a lavoura estavam todos ocupados na "siderurgia". Foi necessário que de 20 milhões a 30 milhões de pessoas morressem de fome para que os dirigentes chineses admitissem que haviam errado.

Embora nada fosse divulgado, Mao viveu um período de ostracismo imposto pela cúpula do PC chinês. Mas não tardaria a voltar ao proscênio. Em 1966 insurgiu-se contra as elites do funcionalismo público e os intelectuais, que, segundo ele, conspiravam contra os ideais originais da revolução. Para obter êxito contou com a mobilização da Guarda Vermelha, composta fundamentalmente por adolescentes radicais, em especial estudantes, camponeses e militares. Estavam todos solidamente unidos para enfrentar os que, supostamente, ameaçavam os ideais revolucionários. Como reza uma antiga lição da História, todo mundo está disposto a verter sangue pela pátria desde que não saiba precisamente por quê.

Não há indicações exatas sobre o número de vítimas da Revolução Cultural. Mas entre elas estavam, com certeza, todos os membros das elites estudadas da China. A terra do mandarins, reconhecida em todo o mundo pela excelência de seu funcionalismo público, subitamente deixou a meritocracia de lado. E pagaria alto preço por isso.

De repente não havia mais quem tivesse cultura e capacidade para dirigir a nação. Os poucos que sobreviveram aos campos de reeducação estavam velhos e desgastados demais para fazê-lo. Foi nesse cenário desolador que Deng Xiaoping, uma das vítimas da Revolução Cultural, chegou ao poder, em 1976.

Deng logo tratou de promover uma abertura econômica em grande escala. Ciente dos potenciais da China em relação às demais nações, percebeu que nada poderia ser feito sem que o tigre fosse enjaulado em definitivo. Sua intuição estava certa. Já há mais de dez anos a economia chinesa é a que mais se desenvolve no mundo.

O que muitos ocidentais se perguntam é quando e como a China se tornará uma nação democrática. A resposta mais provável é que isso nunca acontecerá. Os chineses reverenciam sua burocracia sem nenhum tipo de questionamento. Eles sabem que seus altos funcionários públicos só estão onde se encontram porque demonstraram publicamente possuir méritos para tanto. Mostram até certo ceticismo quanto à democracia. Como pode haver um mínimo de previsibilidade em nações cujos governos se alternam, digamos, a cada quatro anos? Outra questão muito frequente se refere à capacitação dos governantes: quem pode garantir que aqueles que discursam melhor são os que melhor administram?

No mais, cabe lembrar que o país tem um passado glorioso e um futuro mais promissor ainda. A monumental Muralha da China teve grande parte de sua construção iniciada dois séculos antes da vinda de Cristo. Sua extensão é de 8.851 km e tem, em média, 7 metros de altura e 7,5 metros de largura.

Quando os chineses decidiram singrar os mares, eles o fizeram com a grandiosidade que sempre os caracterizou. Sob o comando do almirante Zheng He, na dinastia Ming, criaram uma gigantesca esquadra de 300 navios, cada um com 120 metros de comprimento. Suas tripulações, somadas, passavam de 28 mil homens. Para ter um termo de comparação basta recordar que a nau capitânia de Colombo tinha 27 metros e sua tripulação não excedia 40 homens. Considere-se, também, que as expedições chinesas ocorreram quase um século antes das portuguesas e espanholas.

Que ninguém se sinta surpreso com o recente crescimento econômico chinês. O fato é que a China está apenas retomando o papel que sempre lhe coube

Os chineses eram tão ciosos de sua força que o imperador Manchu assim respondeu a uma carta do rei Jorge III da Inglaterra propondo a abertura do comércio entre as duas nações: "Possuímos de tudo. E nenhum valor dou às coisas estranhas ou engenhosas. Nada tenho a fazer com os produtos manufaturados de vosso país. É por isso que recuso o seu pedido". Isso se deu em 1792.

A Inglaterra, então, passou a traficar ópio para os chineses. Algo que o imperador Manchu jamais cogitou de produzir.

Arquivo morto, por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo


Assim como anunciou no início do mandato que desistia de patrocinar reformas pendentes, a presidente Dilma Rousseff tende agora a abrir mão de enfrentar temas complexos no Congresso, a respeito dos quais existam divergências difíceis de serem contornadas pelo governo.
Nessa gaveta já dorme em berço esplêndido o novo marco regulatório da mídia. Devido a interesses divergentes dos meios de comunicação com os quais o Planalto não quer entrar em conflito e à insistência de setores do PT em aproveitar o ensejo para tentar instituir o tal do controle social sobre sagrado direito dos cidadãos ao livre acesso a informações.
Na direção do mesmo escaninho do esquecimento - ainda que temporário - caminham o código de mineração, a proposta de mudanças na cobrança do ICMS e quaisquer outras que representem conflitos de interesses a serem acomodados e, no limite, arbitrados pelo Palácio do Planalto.
Algo que poderia ser visto como tática de sobrevivência em governo de maioria parlamentar apertada, no caso de uma base partidária que em tese domina mais de 80% do Congresso o recuo no enfrentamento de temas importantes traz outras informações: revela incapacidade de construir consensos em torno de assuntos de interesse nacional, impossibilidade de conciliar discordâncias e inaptidão para arbitrar soluções.
Governos, notadamente aqueles com altos índices de aprovação popular, preferem navegar a bordo da segurança da convergência por gravidade. Mas nem sempre isso é possível.
A unanimidade é um conforto, quanto a isso estamos de acordo, não obstante o conhecido fundamento de Nelson Rodrigues a respeito da concordância geral e irrestrita.
Não deixa, entretanto, de render prejuízos: denota tibieza de propósitos, carência de convicções e, sobretudo, atravanca o progresso.
Conta e risco. Se confirmada a candidatura presidencial do senador Aécio Neves, em 2014 será a primeira vez em que o governador Geraldo Alckmin concorrerá (à reeleição) sem a presença de um candidato paulista na disputa para a Presidência. Fator importante - senão determinante - para "puxar" votos na eleição estadual.
Pedra no caminho. A recente explicitação das divergências entre o governador de São Paulo e Afif Domingos - dublê de vice do PSDB e ministro do PT - tem o aval, para não dizer o incentivo, do ex-prefeito Gilberto Kassab.
O pivô é um programa de desburocratização que Afif elaborou para o Estado e fracassou por falta de interesse do governador. O mesmo projeto foi apresentado na semana passada ao prefeito petista Fernando Haddad, que se disporia a tocar o plano.
A ideia é contrapor a ação de Haddad à omissão de Alckmin. Onde entra Kassab, comandante do PSD, partido de Afif? Na condição de sócio-atleta do clube dos inimigos do governador, empenhados em criar dificuldades à sua reeleição.
Direto ao ponto. Não há, como se sabe, consenso no Supremo Tribunal Federal sobre o cabimento dos embargos infringentes que visam a tentar alterar as penas dos condenados que receberam ao menos quatro votos pela absolvição.
Entre os que concordam que sejam aceitos, argumenta-se que não haverá na prática uma reabertura do julgamento, mas apenas a discussão sobre pontos específicos do dissenso. Ademais, não alterariam as condenações, mas o regime de cumprimento das penas.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O ambiente exige respeito - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 30/05

Por que o empresário da construção civil não constroi mais prédios se os juros estão baixos e há estímulo ao comprador? Ele até quer fazer mais, mas é tomado por uma ponta de dúvida: essas regras, essas circunstâncias valem até quando?


"Confiança, o senhor sabe, não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia, é o quente da pessoa" (Guimarães Rosa)

Quando estimam o crescimento da economia, os economistas estão, claro, imaginando o futuro. Mas com boa matemática. Vem tudo encadeado. Uma área plantada de tantos hectares, mais um determinado consumo de sementes, deve levar a uma safra de tantas toneladas de grãos. Acrescente-se aí um ganho de produtividade pelo uso de novos equipamentos já encomendados e uma previsão de bons preços internacionais, o que anima o produtor a plantar, e a safra pode acrescentar tantos pontos ao Produto Interno Bruto do próximo ano.

Do mesmo modo, com carros. Estímulos do governo, juros baixos, renda da população, capacidade instalada da indústria mais ganhos esperados com novas fábricas e máquinas - soma-se isso tudo, dá uma determinada produção e consumo de automóveis, o que equivale a tantos pontos do PIB.

Ou a Copa. Observa-se a lista de obras - incluindo estádios, aeroportos, transportes em geral, novos hóteis, telecomunicações, etc - coloca-se no calendário e, pronto, mais um pedaço de PIB. Sabe-se que um avanço determinado na construção civil deve dar um ganho de tanto no PIB.

Mas por que, então, os erros são tão frequentes, para menos e para mais? Primeiro, porque são milhares de hipóteses a serem formuladas, um exercício passível de falhas mesmo com os melhores e maiores computadores. Segundo, porque nem sempre é possível recolher todas as informações necessárias. E terceiro porque, bem, porque estamos lidando com pessoas.

Ok, os juros estão baratos, os preços estão melhorando, vai se colocar mais etanol na gasolina - de modo que está na hora de investir na reforma do canavial e da usina. Será mesmo? - vacila o agricultor lá na sua subjetividade. E se o governo, tocado por pessoas, como se sabe, mudar tudo de novo na política do álcool/açúcar?

O resultado é menos investimento. Segue-se toda a sequência, e dá menos PIB.

Considerem a Copa. Os investimentos em curso já são menores do que os estimados anteriormente porque muita coisa atrasou e muitas outras foram deixadas de lado.

Ou as telecomunicações. Para atender as necessidades da Copa - desde a transmissão dos jogos em HD, com dezenas de câmeras, até os torcedores nos estádios mandando milhares de fotos - é preciso instalar novos equipamentos, entre os quais mais de dez mil torres para celulares. Mas em muitas cidades do país, muita gente ainda acha que essas torres podem dar câncer. Vai daí, menos PIB.

Como se pode perceber, é difícil medir, mas o ambiente, o jeitão da coisa, o grau de confiança das pessoas, onde quer que estejam, determinam o crescimento de um país. Daí as falhas de previsão, que podem ser para mais ou para menos.

Para tomar um exemplo clássico: olhando pela matemática, pelos fundamentos econômicos e pela capacidade de gestão do governo brasileiro, a idéia de construir Brasília, tirar uma cidade do nada e colocá-la no meio do nada, parecia um completo delírio. Mas saiu, sabe-se lá como. Sabe-se, porém, que a força motriz foi o clima de extrema confiança dos anos JK. Pode-se até dizer, hoje, que era uma confiança desmedida, fora de proposito. Mas foi assim que funcionou.

Hoje, parece ser o contrário. As pessoas do governo Dilma estão inconformadas. Com tanto estímulo ao consumo e ao investimento, presenteados pelo governo, como é que o país não cresce? A presidente já chegou a dizer que não estaria satisfeita com crescimento menor que 4,5% anual. Hoje, tenta salvar dois e alguma coisa - e não está fácil.

É o ambiente, o jeitão da coisa, a falta de confiança. Por que o empresário da construção civil não constroi mais prédios se os juros estão baixos e há estímulo ao comprador? Ele até quer fazer mais, mas é tomado por uma ponta de dúvida: essas regras, essas circunstâncias valem até quando?

O investidor privado que precisa construir um porto gostou das novas regras do setor, que favorecem isso. Mas também fica com uma ponta de dúvida: as novas regras prejudicaram o investidor privado que já havia investido em portos públicos. Podem mudar de novo, não é mesmo? E reparem que estamos falando de investimentos de 30 anos.

E o dólar? O governo segurou, puxou até R$ 2,10, deixou cair, está subindo de novo. E os juros? Entraram na propaganda como em queda, mas estão subindo de novo.

Os economistas ressaltam sempre a importância de um ambiente regulatório consistente, claro e seguro. É tudo que não temos. Aí fica muito na dependência de decisões pessoais. E aí ....

Indústria Ferroviária Nacional pede condições de igualdade em licitação em São Paulo



Nota da ABIFER – 65 trens CPTM


Indústria Ferroviária Nacional pede condições de igualdade em licitação em São Paulo 

Ao conduzir, em condições desiguais, a concorrência internacional para a maior compra de trens da história para a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) – 65 trens, num total de 520 carros - o governo de São Paulo coloca em risco a sobrevivência da indústria metroferroviária nacional. As consequências podem ser muito graves: perda de 40 mil empregos (10 mil diretos e 30 mil indiretos), correspondentes a 50% do total da indústria ferroviária, renúncia fiscal de todo imposto recolhido pelas fabricantes com plantas no Estado e interrupção da transferência de tecnologia para nosso País. 

HISTÓRICO 

Na primeira licitação, o edital previu o fornecimento dos trens por um preço inexequível. As empresas comprovaram as necessidades de mudança ao governo e, para demonstrar a inviabilidade do preço, somente dois fabricantes nacionais apresentaram proposta. 
Na segunda tentativa, o governo adotou outra postura: condições iguais para nacionais e estrangeiras. Nada mais desigual, pois, como a Secretaria de Transportes Metropolitanos tem imunidade tributária, as estrangeiras terão a oportunidade, mais uma vez, de colocar seus trens no País com isenção de todos os impostos locais, inclusive o imposto de importação, além de contar com incentivos fiscais em seus países. 

Os mesmos benefícios de isenções, entretanto, não valem para as fabricantes nacionais, que, devido ao custo Brasil, são obrigadas a incorporar em seus preços altos tributos, além de outros custos já conhecidos por todos. Ou seja, o governo paulista está indo no caminho contrário ao que o governo federal tem feito com as indústrias automobilística e naval, por exemplo, que vêm crescendo com a política de incentivos. 


PLEITO 

O que a indústria nacional pleiteia neste momento é uma nova licitação com igualdade de condições na concorrência, já que investiu em capacidade instalada no País, física e técnica, já fornece usualmente seus produtos para a própria CPTM e o Metrô, gerando emprego e renda no País, além de contar com expertise local. A indústria nacional pede isonomia de competição a fim de atingir o melhor custo x benefício às iniciativas pública e privada, e à população. 

Dentro da situação criada, muitas empresas nacionais não tiveram condições de apresentar suas propostas. Após tentar recurso administrativo, não acatado, uma das empresas nacionais recorreu à Justiça para solicitar alteração no processo licitatório. O desembargador Venício Salles, do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liminar “para franquear às agravantes a entrega de dois envelopes contendo as propostas, considerando os termos do edital, e uma segunda, com a consideração dos favores fiscais conferidos às empresas estrangeiras para nivelar a situação entre concorrentes nacionais e internacionais”. 

No último dia 20 de maio, os envelopes foram entregues à Comissão de Licitação, que em função desse mandado de segurança achou por bem, porém contrariamente à decisão do juiz, recebê-los, rubricar, fazer uma ata e convocar as empresas no futuro, situação que desapontou a indústria ferroviária brasileira e, de se esperar, a própria Justiça. 

Espera-se, contudo, que o bom senso do Estado prevaleça e que sejam preservados os empregos dos brasileiros, o incentivo ao crescimento da indústria nacional e a valorização dos bens locais.

Fonte: ABIFER
Publicada em:: 29/05/2013

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Agora, a tempestividade, por CELSO MING - O Estado de S.Paulo


Os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúnem hoje para rever os juros, bem menos confiantes do que estavam no início deste ano.
Em meados de 2012, o Banco Central via a inflação como surto passageiro provocado pelo choque de oferta de grãos (quebra de safras), devido à seca no Meio-Oeste dos Estados Unidos, grande produtor mundial. Seus comunicados avisavam que a inflação deveria recuar espontaneamente para a meta (4,5% ao ano), "ainda que de forma não linear".
Aos poucos, o Banco Central passou a admitir que o choque de oferta não era tudo. A inflação apresentava-se forte e espalhada, turbinada por novos fatores, não apenas os externos, mas, também, uma demanda interna superior à capacidade de oferta da economia, sobretudo no setor de serviços. Esse quadro, por sua vez, era consequência tanto de despesas excessivas do setor público ("política fiscal expansionista") como do forte aquecimento do mercado de trabalho, que puxou a renda e os custos de produção. Nas entrevistas, o presidente do Banco Central assumia então que "não estava confortável" com a virulência da inflação. Mesmo depois de ter se prontificado a voltar a puxar para cima os juros básicos (Selic), os comunicados limitavam-se a afirmar que o Banco Central continuaria vigilante em relação ao comportamento da inflação e conduziria sua política "com cautela". Essa expressão foi entendida como senha de que a autoridade monetária seguia agindo com o breque de mão puxado.
Dia 21, no entanto, em depoimento no Congresso, Alexandre Tombini evitou repetir que agiria "com cautela" e sacou do repertório semântico do Banco Central outra expressão: a de que para combater a inflação fará o que for necessário, "de forma tempestiva".
As mudanças de posição têm a ver com o novo foco da política de despesas do governo Dilma, que rompeu o acordo com o Banco Central e já não se compromete a executar o Orçamento da União com austeridade suficiente para garantir sobras de arrecadação (superávit primário) de 3,1% ao ano. No final de 2012, já houve aquele passe de mágica contábil que escamoteou as metas fiscais previamente combinadas. E, na semana passada, o ministro Guido Mantega avisou que o governo fará descontos nos cálculos que, na prática, derrubarão o superávit primário para apenas 2,3% do PIB, novo número que também não passa firmeza, porque pode ser menor.
Como a política fiscal já não faz a sua parte, a necessidade de controlar a inflação passa a depender mais do aperto da política monetária (alta de juros), o que, de quebra, levou o Banco Central a permitir que o câmbio se valorizasse em termos reais - na medida em que a inflação concorre para baixar o preço do real em dólares.
Mesmo depois de prejudicado em sua capacidade de gerenciar as expectativas, não há opção para o Banco Central senão a de seguir aumentando os juros. Falta saber se a tal tempestividade se limitará a repetir, ainda que por mais tempo, aumentos dosados de juros de 0,25 ponto porcentual, como o de abril, ou se implicará um reforço para 0,50 ponto porcentual ao ano, que teria a vantagem de apressar o ajuste.

Falta lógica do governo na logística, por Arnaldo Jardim

Semana passada, como presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional, promovi em Brasília um encontro da frente, de empresários e executivos do setor de infraestrutura e de transportes com o diretor presidente da Empresa de Planejamento de Logística (EPL) Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira.
Figueiredo falou sobre o Programa de Investimentos em Logística, abordou o Plano Nacional de Logística Integrada e respondeu a questionamentos sobre os gargalos e desafios da logística nacional, além de apresentar ideias gerais de como o governo pretende tratar a questão logística, com destaque para a necessidade de formação de uma “carteira de projetos”, da agilização nos licenciamentos ambientais e dos investimentos que deverão ser feitos no setor de infraestrutura . Tudo sob a responsabilidade formal e executiva da EPL.
Não há razão para duvidar do empenho e das intenções de Figueiredo para por nos trilhos, com bom destino, o trem da logística nacional. A não ser pela forma errática e a falta de lógica com que o governo tem tratado a questão.  A Lei 12.404, de quatro de maio de 2011, autorizou a criação da Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A. (ETAV) e dispôs sobre a autorização para garantia do financiamento do Trem de Alta Velocidade (TAV) no trecho entre o Rio de Janeiro (RJ) e Campinas (SP).
Mais de um ano depois, com o decreto nº 7.755, de 14 de junho de 2012, o governo criou a ETAV, especificou seu capital social e indicou outras providências. Mas em seguida, por meio da Medida Provisória nº 576, de 15 de agosto de 2012, alterou as leis 10.233, de cinco de junho de 2001, e 12.404, modificando a denominação da ETAV para EPL e ampliando suas competências.
Nesse tempo todo, perdemos velocidade e precisaremos administrar junto com o nó da logística a encrenca do TAV, que nem saiu das boas intenções ou das concorrências.
Há tempos cobramos mais investimento do governo para destravar esse nó, sugerindo que as melhores opções para alcançar esse objetivo passam pelas PPPs (Parcerias Público-Privadas) e concessões. Mas essencialmente insistimos que o governo precisa estabelecer políticas públicas de longo prazo para que se possa planejar investimentos, incorporar as iniciativas mais consistentes do passado (como a construção efetiva de ferrovias e hidrovias) e promover a eficiência e eficácia da gestão pública.
A Associação Brasileira de logística (Abralog) aponta que no Brasil um produto leva 15 dias em média para ir da fábrica até a loja, no varejo ou até o porto do lado atlântico para ser exportado quando o ideal seria que entre aquela origem e esses destinos não se gastasse mais do que dez dias. O porte do prejuízo expresso entre o tamanho dos Pais apregoado pelo governo e o tumulto provocado pela precaríssima infraestrutura nacional mede-se pela incapacidade de planejamento do Estado e pela absoluta incapacidade do próprio governo de atuar sobre as instituições que comanda sem uma caixa de maquilagem debaixo do braço. Foi assim que quando analisamos a Medida Provisória que constituiu a EPL _ fui a favor! _ propus que ficasse vinculada ao Ministério do Planejamento ou à Casa Civil a ela também se vinculassem sem a Secretaria Especial dos Portos e o Departamento de Aviação Civil gerando assim sua efetiva capacidade de integração.
Com míseros 30 mil quilômetros de trilhos, o Brasil está na rabeira dos emergentes com os quais vive se comparando. A Índia tem 63 mil quilômetros de ferrovias enquanto a China põe seus trens a rodar em 77 mil quilômetros de trilhos e a Rússia em outros 87 mil quilômetros. No bloco dos países continentais, os ricos Estados Unidos riscam seu território com 220 mil quilômetros de caminhos de aço. E se você acha que o problema está apenas na extensão dos caminhos, verá que a rota da má burocracia – sob a qual viceja a corrupção – borra maquilagens e corrompe boas intenções.
No final de semana passado, a Folha de S. Paulo publicou matéria informando que “um comandante de um navio de bandeira estrangeira que chegue ao Brasil precisa entregar 190 informações para as autoridades do governo brasileiro, e que às vezes, a mesma informação segue em documentos diferentes para a Receita, a Marinha, a Anvisa e a Polícia Federal”.
Apesar do caos logístico para entrar e sair dos portos, a burocracia ainda é o principal problema dos portos brasileiros, segundo pesquisa feita pelo Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain). Nenhum desses problemas, porém, foi abordado na MP dos Portos, aprovada depois de uma acirrada batalha política no Congresso Nacional.
Em julho passado, o Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral (FDC), revelou que as empresas instaladas no Brasil perdem cerca de US$ 80 bilhões ao ano por causa da falta de investimentos públicos no setor de logística – portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. O valor equivale a uns 4% do Produto Interno Bruto (PIB) ou o mesmo que o País precisa investir anualmente, nos próximos dez anos, para eliminar os gargalos do setor.
O caos que envolveu portos e estradas nacionais com a recente retomada das grandes safras agrícolas brasileiras demonstra a crônica falta de planejamento logístico público ou privado. Mas esconde a ausência permanente de condições de armazenamento, de distribuição interna adequada, de comunicações, de estruturas intermodais e de legislação fiscal inteligente. Como o governo tem sido pontual, segmentado e restrito à troca imediata de apoios ou à imposição de práticas gerenciais para resolver emergências, a logística passou longe da MP dos portos cujo manejo requer abordagem integrada com rodovias, ferrovias, armazenagem e burocracia hoje espalhada por quase quatro dezenas de ministérios.
A rodovia Anchieta (SP), principal acesso ao porto de Santos (SP), o maior da América Latina, é quase a mesma desde que sua primeira pista foi inaugurada em 1947. A única estrada para os caminhões carregarem mercadorias à boca dos navios. Já a Imigrantes, sob a égide do regime de Concessões, já teve uma nova via inaugurado e tem “salvado a lavoura”! Faltam projetos, planejamento e sobra demora na execução das obras. A China construiu dois mil km de ferrovia em região montanhosa, em três anos e meio. Aqui, a ampliação do corredor ferroviário Norte e Sul – com 2,2 mil km que pretende integrar a Transnordestina e a Ferronorte – aguardada com esperança e torcida desde 2010. Perdeu o prazo de entrega  até entre os mais otimistas e graduados gestores governamentais.
Os gastos dos empresários com transporte encostam-se nos 12% do PIB. Na China e na África do Sul, são de 8% do PIB e 9% PIB, respectivamente. E espera-se que caiam para perto de 7% do PIB. E aqui, que possam explodir para 20% do PIB, nos próximos anos. Se o Brasil crescer com o tamanho dos repetitivos discursos governamentais, não haverá caminho confiável para o comércio interno e externo se desenvolver sem caminhos confiáveis para a economia fazer circular matérias primas, insumos e mercadorias a tempo, a hora e a custos competitivos.


Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP e presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional

terça-feira, 28 de maio de 2013

'Amor ao tijolo' na China e no Brasil - RODRIGO ZEIDAN


ESTADÃO - 28/05

Andando às margens do Rio Huangpu, em Xangai, China, o que se vê é uma cena futurista de arranha-céus e edificações. Porém, ninguém imagina que metade desses apartamentos esteja vazia. Eles são comprados por investidores e especuladores e mantidos desocupados. Na China, estima-se que haja de 16 milhões a 65 milhões de imóveis residenciais vazios. Cerca de 50% dos apartamentos em Xangai e 60% em Pequim estão nessa situação, enquanto há uma crônica falta de imóveis para dezenas de milhões de trabalhadores de baixa renda.

Não há tecnicamente uma bolha imobiliária na China ou no Brasil. Mas é inegável: o rápido desenvolvimento dos últimos anos alterou a dinâmica do mercado imobiliário desses países.

A relação das pessoas com o imóvel é semelhante nos dois países. Há um "amor ao tijolo", ou seja, o desejo de adquirir imóveis para compor o patrimônio familiar. Para explicar isso, basta um olhar pela História. As crises sucessivas nesses países revelaram que poucos ativos mantiveram seu valor, à exceção dos imóveis.

Na China, os imóveis vazios resultam de três fatores: a inexistência de impostos sobre propriedade, como o nosso IPTU; o baixo valor do aluguel; e a preferência por imóveis nunca habitados. Grande parte dos compradores chineses não gosta de imóveis já usados. Um apartamento "intacto" tem um prêmio de 50% ou mais. Além disso, não existem muitos custos de manutenção para manter o imóvel desocupado. Lá não há condomínio ou IPTU, por exemplo. E os custos de compra e venda dos imóveis são baixos, assim como as rendas provenientes do aluguel. Somando tudo, é melhor deixar o apartamento vazio. E lucrar na venda.

Segundo dados do Global Property Guide, os custos das transações imobiliárias no Brasil chegam a 11,5% do valor do imóvel e a renda de aluguel, a 5,71% do valor do imóvel ao ano. Na China esses valores são de meros 5,26% e 2,66%.

No Brasil, os mercados financeiros são mais sofisticados que os da China e as alternativas de investimento, mais variadas. Ainda assim, a poupança familiar continua voltada para a compra de imóveis para moradia e também como parte estratégica do patrimônio familiar. Aqui não existem imóveis vazios, em razão dos elevados custos de transação e manutenção. Por outro lado, o crescimento da demanda imobiliária - resultado da fascinação dos brasileiros com a casa própria, do crescimento econômico, do aumento de crédito e da diminuição das taxas de juros - levou à valorização estratosférica dos imóveis. O metro quadrado no Rio de Janeiro e em São Paulo se equipara, e até supera, em muitos casos, ao de Nova York e de Londres.

Tanto no Brasil quanto na China existe a preocupação com o impacto de uma crise imobiliária sobre o resto da economia. Segundo a consultoria GK Dragonomics, a construção civil residencial representa, sozinha, 6% do crescente Produto Interno Bruto (PIB) chinês - mesmo porcentual do Brasil, mas considerando-se aqui o setor da construção civil como um todo.

Nos dois mercados, vários agentes esperam por uma crise ou, pelo menos, uma forte correção de preços dos imóveis. Não há bolha imobiliária nesses países, como houve no Japão nos anos 90 ou nos Estados Unidos em 2007/2008, porém uma desvalorização imobiliária pode afetar consideravelmente as economias brasileira e chinesa. Em ambos os países os imóveis urbanos são escassos - na China estão vazios e no Brasil, caros demais. Não há perspectiva de mudança de tendência no curto prazo, mas o desenvolvimento de ambos os países depende do fortalecimento do mercado imobiliário para abrigar uma crescente e exigente população urbana.

Justiça retém aluguéis de juiz do Fisco

Juíza determina que Élcio Fiori, suspeito de enriquecimento ilícito, deposite todo mês o valor da locação dos imóveis avaliados em R$ 30 mi

28 de maio de 2013 | 2h 05

Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo
A Justiça de São Paulo ordenou ao agente fiscal de Rendas Élcio Fiori Henriques, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda, que deposite mensalmente todo o montante relativo aos aluguéis dos imóveis que compõem seu patrimônio - 19 salas comerciais e apartamentos de alto padrão que ele adquiriu em apenas 30 meses, de março de 2010 a outubro de 2012, ao preço de R$ 30,75 milhões, em valores de mercado.
A determinação é da juíza Simone Rodrigues Casoretti, da 9.ª Vara da Fazenda Pública da Capital que, no início de maio, já havia decretado o bloqueio de todos os bens de Fiori, sob suspeita do Ministério Público Estadual por lavagem de dinheiro e corrupção. Ele teria enriquecido ilicitamente no período em que ocupou cadeira de juiz titular do TIT, entre 2008 e 2012 - em dezembro passado, assumiu função de assistente fiscal e suplente de juiz do tribunal administrativo.
Estima-se em cerca de R$ 200 mil mensais a quantia global que os imóveis rendem ao juiz do TIT a título de locação. A juíza mandou que Fiori apresente em cinco dias a quitação de condomínio, impostos e demais despesas incidentes sobre os bens, sob pena de multa diária de R$ 100 mil a contar da intimação. A medida é extensiva a duas empresas de Fiori, a JSK Serviços e Investimentos e a KSK Participações.
Perfil. Os investigadores traçam um perfil de Fiori, juiz emblemático, ora apontado como um homem hostil, até "agressivo", com disposição incomum para negócios milionários no mercado imobiliário. Gosta de luxos e aprecia lugares paradisíacos. Outros relatos classificam de "brilhante" seu currículo, bacharel em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Aos 30 anos, desde 2006 ele exerce a carreira de fiscal de Rendas. Com 23 anos passou em 22.º lugar no concurso que disputou com 30 mil candidatos. Na ocasião, a um jornal de concursos públicos, ele deu a receita para ser aprovado: organização e fôlego. "Eu tentei, ao máximo, cortar as minhas atividades, mas não dá para abrir mão de tudo."
Na dissertação de mestrado escreveu sobre "O regime jurídico do gasto tributário no direito brasileiro". Trecho de sua lavra. "Os benefícios fiscais produzem efeitos financeiros similares aos das despesas públicas, mais especificamente as subvenções, na medida em que ambos são instrumentos utilizados para transferir ao particular beneficiado recursos financeiros que a priori pertenceriam ao Estado."
A investigação revela uma outra face de Fiori. "A prepotência do juiz do TIT corresponde à sua audácia e rápida ascensão ao espaço fechado dos milionários, sem que se possa justificar o meteórico enriquecimento."
Afirma ter amigos influentes, na Justiça e na polícia. Também diz ter boas relações na política. Alardeia proximidade com o deputado estadual Bruno Covas (PSDB), secretário do Meio Ambiente do governo Geraldo Alckmin e secretário-geral da sigla.
"Eu o conheço, mas não somos amigos", disse Covas. "Não estudamos juntos. Quantos anos ele tem? Tenho 33, não dava para ter estudado com ele. Quem fez São Francisco com ele foi um funcionário meu."
O tucano narra que, em 2009, exercia o mandato de deputado estadual. Nessa época, Fiori frequentou a Assembleia. O governo enviou ao Legislativo projeto relativo à estrutura e competências dos órgãos de julgamento do TIT. "Nas audiências públicas ele (Fiori) ia lá."
A avaliação dos investigadores é que Fiori agia com volúpia extraordinária para ampliar seu patrimônio sem se preocupar com vestígios. Tanto que, em outra demanda judicial, rechaçou de forma veemente que tivesse sócio. Em ação na 18.ª Vara Cível, movida por uma empresa de investimentos que pleiteia parte dos lucros sobre vendas, o juiz sustentou que ele e suas empresas (JSK e KSK) são "titulares exclusivos dos valores e patrimônio investidos, não necessitam de um sócio que declaradamente não investe nada". Fiori afirma que a empresa que o aciona "era mera prestadora de serviços de gestão e consultoria financeira", que "jamais existiu vínculo societário entre as partes" e que os autores da ação "pretendem locupletar-se às custas do patrimônio e investimento alheio".
Bem-nascido. "Élcio Fiori é um servidor público bem-nascido", afirma seu advogado, Ricardo Sayeg. Segundo Sayeg, Fiori mantém paralelamente "uma atividade que não é incompatível" com a carreira de fiscal, a mesma profissão do pai, Élcio de Abreu Henriques.
Criminalista com ampla experiência em causas sobre lavagem de dinheiro, Sayeg prepara sua estratégia. Ele refuta acusação, de uma servidora da Fazenda, segundo a qual um juiz foi afastado do TIT porque deu "uma mala com R$ 1 milhão" para Fiori. "Esse depoimento é ridículo", avalia Sayeg. "Quem ia levar uma mala com tanto dinheiro dentro do TIT? Isso é delírio persecutório. Ela deu detalhes? A cor da pasta?"

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Repórteres da Rede Globo Nordeste usam iPhone para enviar notícias, do Mobile TIme



Fernando Paiva

O iPhone virou instrumento de trabalho para os repórteres da Rede Globo Nordeste. A empresa adotou um aplicativo chamado publiQ, que serve de interface para envio de notícias da rua para a redação. O app permite a gravação e envio de vídeos, áudios, fotos ou textos direto para o sistema de publicação da TV, onde editores acompanham o conteúdo que chega e escolhem o que pode ser aproveitado para o site do G1 Pernambuco ou para o noticiário televisivo. A solução foi desenvolvida pela brasileira i2 Mobile Solutions e está sendo usada por cerca de 30 repórteres da afiliada da Rede Globo.
"Como atendíamos a empresas de comunicação há alguns anos, percebemos a dificuldade delas na transição para a mobilidade", comenta Luciano Ayres, sócio-diretor da i2. "A proposta é dar mais agilidade à publicação de conteúdo. Agora a redação pode ser alimentada de qualquer lugar", explica o executivo. Os repórteres da Globo Nordeste têm usado o publiQ principalmente para notícias de trânsito, que são aproveitadas no portal G1 Pernambuco.
O app é distribuído para os repórteres através de uma loja corporativa de aplicativos da i2. Ou seja, não está disponível para download na App Store aberta aos consumidores em geral. Porém, a pedido de um novo cliente, será disponibilizada em breve uma versão para que os próprios leitores/telespectadores gerem conteúdo e enviem para a redação. Uma versão para Android também está em desenvolvimento.
O publiQ pode ser integrado a sistemas legados de publicação. A ideia é não gerar qualquer impacto de TI, evitando mudanças que poderiam sofrer resistência por parte dos profissionais.
Expansão
A Rede Globo Nordeste é a primeira cliente, tendo iniciado a utilização há três meses. Mas em breve outra emissora de TV em atividade no Nordeste adotará o publiQ. Há também negociações em curso com um portal de Internet. A projeção de Ayres é ter entre 30 e 40 grandes grupos de comunicação usando a solução até o fim do ano, somando cerca de 3 mil repórteres.
O executivo acredita que na maioria dos casos os jornalistas serão estimulados a usar seus smartphones pessoais, sem a necessidade de o veículo de comunicação adquirir aparelhos corporativos. "Antigamente os funcionários tinham acesso a uma nova tecnologia quando sua empresa a provinha, agora isso se inverteu: a empresa é apresentada à tecnologia pelos seus funcionários", comentou, referindo-se particularmente à mobilidade.

Pega na mentira

Veja também:
link O que o rumor revela
Newton Bignotto, professor de Filosofia Política na Universidade Federal de Minas Gerais - Divulgação
Divulgação
Newton Bignotto, professor de Filosofia Política na Universidade Federal de Minas Gerais
Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa soltou o verbo na universidade dias atrás: “Temos partidos de mentirinha. Diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. E tampouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou ideológica. Querem o poder pelo poder”. E disse alguma mentira?

No paralelo, o estilo “mentirinha” – fábula, farsa, ficção, lorota, tró-ló-ló e afins – pipocou noutras páginas nessa semana: os ruidosos rumores sobre o fim do Bolsa Família, atribuídos por outrem a intriga da oposição; o grampo na conversa do jornalista venezuelano Mario Silva, amigo do finado Hugo Chávez, sobre um possível golpe no país – no fim, o jornalista não negou que a voz fosse sua, mas culpou Mossad e CIA pela “falsificação” do diálogo; a morte do imigrante checheno Ibragim Todashev, suspeito de envolvimento no atentado em Boston, durante interrogatório no FBI – que diz que o suspeito estava armado no bureau. E por aí vão as tantas labirínticas questões da verdade e da mentira na arena política. Nessas curvas, o ceticismo. Afinal, no que dá para acreditar?

“É inegável que uma certa dose de ceticismo combina bem com a vida nas democracias. De fato, estamos mais céticos. E isso não é uma especificidade brasileira. O fenômeno ocorre em várias democracias atuais”, diz Newton Bignotto, professor de filosofia política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Mas se não pudermos acreditar em nada, isso leva ao desespero ou a uma visão apocalíptica da realidade. Desconfiar de tudo e de todos acaba tornando impossível a vida política”, pondera o autor de As Aventuras da Virtude (2010) e Maquiavel (2003). Pós-doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, é um dos organizadores de Dimensões Políticas da Justiça (2013). A seguir, a entrevista.

No Brasil, a política é realmente um jogo com partidos ‘de mentirinha’?
Todos ficamos incomodados com a maneira como os partidos políticos brasileiros se formam e se comportam. Mesmo partidos que já tiveram um perfil ideológico mais nítido, como o PT e o PSDB, hoje parecem ter perdido o eixo e disputam o poder como se não se importassem com a afirmação de suas diferenças. Outros partidos parecem existir somente para disputar eleições e ocupar espaços nas esferas de poder. Mas é preciso tomar cuidado para não trocar a análise da vida política brasileira concreta por aquilo que deveria ser idealmente. Em primeiro lugar, mesmo que semelhantes, há diferenças entre os partidos, as quais impactam na vida de milhões de brasileiros quando são transformadas em políticas públicas. Nesse sentido, não são exatamente “de mentirinha”. Em segundo lugar, é preciso ver que os partidos existentes refletem a sociedade em muitos de seus aspectos. A existência de partidos sem perfil ideológico definido se deve também ao grau de despolitização de franjas importantes da população. Por outro lado, pequenas formações partidárias defendem ferozmente os interesses de grupos particulares. Veja, por exemplo, a resistência de certas formações políticas a temas como o casamento gay. Assim, não podemos falar de acaso, ou de algo anedótico. Essa é a posição de uma parte da população brasileira e alguns partidos refletem isso de forma muito explícita. Talvez esse não seja o melhor dos mundos, mas se quisermos compreender o Brasil, ou mesmo mudá-lo, teremos de olhar para esse tecido político dividido e corrompido. Essa é a matéria da política brasileira e, em alguma medida, podemos dizer, sua verdade. 

Outra ‘mentira’ foi o fim do Bolsa Família. Como uma sociedade pode acreditar em rumores até agora não rastreados?
Boatos fazem parte da vida pública desde a Antiguidade. Na Roma antiga, era comum a pichação de muros com afirmações referentes a personagens importantes da cidade, o que impactava diretamente a vida política. Um rumor é um acontecimento político. Só se espalha porque toca num ponto sensível da sociedade. A questão central não é a veracidade ou a falsidade, mas o impacto que o boato causa na cena pública. E o que ele revela. No fundo, identificar a origem do boato não é tão importante quanto descobrir o que ele esconde. O rumor sobre a suspensão do Bolsa família revela não apenas a importância para grandes parcelas da população, mas as resistências que o programa suscita em alguns atores políticos. O boato provocou um efeito real – o pânico, no caso – e uma disputa em torno de uma prática política e de uma visão da realidade brasileira. 

Hannah Arendt diz que a política envolve, essencialmente, a produção e a dispersão de narrativas ‘convincentes’.  Mentir está na essência da política?

Arendt não quer dizer que a mentira “define” a política – isto é, sua essência –, e sim que a disputa entre verdadeiro e falso na arena pública não é um problema de lógica. Concerne aos fatos, mas também à percepção desses fatos. Por isso, a política é o terreno onde competem narrativas. A realidade não desaparece pelo simples fato de que construímos discursos sobre ela. Criar um discurso é uma maneira de interferir no real. O uso intensivo da propaganda pelos regimes totalitários mostra isso perfeitamente. Por isso, a defesa de um regime de liberdades não pode ser apenas uma defesa da coerência lógica de seus princípios. É preciso partir desse ponto para propor a um país uma narrativa sobre sua história e seus desafios capaz de sustentar uma escolha pela liberdade. A verdade é matéria para uma luta de natureza política. A mentira não vai desaparecer da cena pública por ser eticamente condenável. Terá de ser combatida. Esse combate se dá com as mesmas armas que nos levam a construir discursos que queremos verdadeiros sobre nosso tempo. 

Immanuel Kant também se debruçou sobre a mentira. As ideias do filósofo ainda valem para os dias atuais?
No texto Sobre um Pretenso Direito de Mentir por Amor à Humanidade, Kant investiga se há casos nos quais podemos mentir por razões “humanitárias”. Sem entrar nos detalhes, podemos dizer que o filósofo nega que se possa mentir e continuar fiel a seus princípios e à razão. Dizer a verdade é uma obrigação moral absoluta, que não pode ser quebrada. Essa posição radical contra toda forma de mentira foi muito influente em seu tempo e continua a ser discutida por pensadores atuais. 

O sr. é um estudioso de Maquiavel. Que ideias o italiano traz sobre a ‘verdade’? 
Maquiavel se preocupa em fundar um saber sobre a política na “verdade efetiva das coisas”. Assim se distancia de toda filosofia política que quer pensar o real a partir de modelos abstratos – que pretendem nos ensinar a viver, mas são incapazes de dizer como vivemos de fato. Essa guinada realista não o conduziu, no entanto, a acreditar que haja uma verdade na política que possa ser expressa de forma absoluta. O problema é que, no cenário da política, não podemos nos guiar por ideais irrealizáveis, por “utopias” diríamos hoje. Isso pode nos conduzir a simplesmente destruir as bases sobre as quais se funda um poder. Ao mesmo tempo, é preciso notar que o real é composto por vários elementos, entre os quais o simbólico e o imaginário ocupam lugares de destaque. Por isso, a política é tão fascinante e tão difícil de entender. Para além da posição realista, Maquiavel nos legou uma compreensão da complexidade da cena pública, que pode ser um bom remédio para os dogmatismos e as ideologias totalitárias. 

Os bastidores venezuelanos também marcaram a semana. Teorias da conspiração entram no jogo político? 
Essas teorias são parte da realidade política, porque constroem um discurso que se pretende verdadeiro. Assim fazem ao sugerir explicações que parecem mais profundas do que as que muitas vezes podem ser formuladas por cientistas sociais, filósofos ou jornalistas. Operam calcadas na ideia de que toda realidade pode ser explicada por uma lógica que apenas alguns são capazes de conhecer. Teorias da conspiração não são propriamente teorias políticas, mas seu uso no combate político é muito real. O essencial é que, ao veicular a ideia de que há uma causa escondida para tudo, essas teorias negam que ações políticas sejam frutos da liberdade dos homens e que por isso podem ser contingenciais. Como só alguns conhecem as verdadeiras articulações do real, apenas eles podem reivindicar o poder.  

Na política americana, o FBI deu ‘frágeis’ justificativas para a morte de um suspeito. 
Não tenho como saber o que aconteceu nos Estados Unidos, mas é possível observar que a morte do suspeito desencadeou uma disputa sobre seu significado que só é possível numa sociedade democrática. Se essa disputa caminhar é um sinal de que as instituições ainda garantem os valores essenciais da república. Se forem varridas para debaixo do tapete é um sinal de que não se trata apenas de um problema de credibilidade, mas de garantias constitucionais. E isso pode ser muito grave.  

Como diz o filósofo Oswaldo Porchat, ainda é preciso ser cético?
Porchat deu uma grande contribuição para a filosofia, com sua visão renovada do ceticismo. Em sua versão antiga, o ceticismo põe em dúvida a possibilidade de que proposições possam conter toda a verdade sobre uma coisa. Assim, elimina a ideia de que o papel da filosofia é explicitar a verdade em todas suas formas. Muitos céticos insistem não apenas sobre o fato de que o ceticismo introduz um elemento importante para a compreensão das ciências como processo de busca da verdade, mas altera nossa forma de olhar o cotidiano. Uma das consequências pode ser o afastamento da vida pública e o desenvolvimento de uma certa apatia, que seria adequada às sociedades atuais. É possível, no entanto, pensar o ceticismo como uma vacina contra todas as formas de dogmatismo. Nesse caso, continuamos a participar da vida pública sem, no entanto, acreditar deter a verdade sobre elas. Valores como tolerância e respeito às diferenças passam a nos orientar em um mundo no qual não é possível ter certezas absolutas. Talvez não possamos falar propriamente de uma filosofia política cética, mas é inegável que uma certa dose de ceticismo combine bem com a vida nas democracias. De fato, estamos mais céticos. E isso não é uma especificidade brasileira. O fenômeno ocorre em várias democracias atuais.

Com instituições tão abaladas, como uma sociedade resiste e não se desmantela? Quer dizer, em que ou em quem se pode confiar? 
Realizamos no Centro de Referência do Interesse Público (Crip-UFMG) pesquisas de opinião sobre a corrupção. Ali constatamos que a população pensa que as instituições políticas são corrompidas, mas é possível confiar em amigos e familiares. Isso mostra que há uma certa consciência da população brasileira de que a corrupção é um fenômeno importante de nossas vidas, mas não é absoluto. De fato, se não pudermos acreditar em nada, isso leva ao desespero ou a uma visão apocalíptica da realidade. Para vivermos em uma república, é preciso algum grau de confiança nas pessoas e mesmo nas instituições. Por isso, a corrupção é tão ameaçadora para um Estado de Direito. Desconfiar de tudo e de todos acaba tornando impossível a vida política, no lugar de propor um entendimento correto do que se passa e de como lutar contra as ameaças muito reais que corroem nossas vidas em comum.  

É possível manter relações sociais sem mentiras? Tipo ‘supersinceridade’?
É diferente ao se tratar da vida privada ou da vida pública. Não que a sinceridade não seja um valor nas duas esferas. Mas não pode ser vivida da mesma maneira em uma relação amorosa e em uma relação política. Na dimensão particular, é preciso lembrar que o desejo de ser absolutamente sincero e transparente esbarra no fato de que nem sempre somos transparentes para nós mesmos. Ora, na esfera pública, nem sempre a transparência é o melhor caminho para se preservar outros valores como a liberdade individual ou o direito à privacidade. Transformar a sinceridade em valor absoluto pode acabar comprometendo a sobrevivência das instituições democráticas. Ser totalmente “sincero”, por exemplo, sobre os meios de defesa de um país pode colocá-lo em risco diante de seus inimigos. Se tudo tiver de ser transparente, acaba a separação entre vida privada e vida pública e, como já mostrou Arendt, acaba também a política como expressão da liberdade. 

E rompantes de franqueza, como mostrou o ministro Joaquim Barbosa, são levados a sério? No fim, que bem faz a verdade? 

As palavras do ministro devem ser levadas a sério não por indicarem uma crise passageira entre os poderes da república brasileira, mas por mostrarem uma dimensão essencial da política contemporânea. Recentemente participei da organização do livro Dimensões Políticas da Justiça. Nele, pesquisadores procuram debater as diversas faces do conturbado relacionamento entre Justiça e política. O eixo desse trabalho é a ideia de que não se pode separar essas duas esferas da vida pública, sob pena de se deixar de lado um aspecto essencial da realidade atual. Talvez o fato mais importante seja a invasão da política pela lógica do Judiciário. Conflitos políticos são tratados como disputas jurídicas e perdem sua especificidade, alterando as regras que os guiam. Assim, quando o Congresso recorre repetidamente ao Judiciário para resolver suas querelas, abre mão de suas regras de embate para adotar aquela de um outro poder. Ora, o que Montesquieu já mostrou é que não buscamos o equilíbrio entre os poderes por uma razão moral, mas porque os poderes tendem a devorar os espaços dos outros. Por isso, precisam ser equilibrados para não levarem à perda do eixo de sustentação da vida republicana. No caso brasileiro, a judicialização da política implica o enfraquecimento do Poder Legislativo. Do outro lado, implica a politização do Poder Judiciário. Esse confronto é revelador de um processo muito mais amplo e profundo – e não apenas o sinal de uma crise envolvendo personalidades do momento.