A gente já sabe. Quando somos convidados para as 20h chegamos às 21h30 já pensando na hora de voltar. Quando falamos "certeza" significa "pode ser". "Sim" quer dizer "não sei". E "talvez" é um eufemismo de "provavelmente não". Às vezes assumimos o "não", mas sempre encontramos um culpado: a chuva, o chefe, a esposa, o sistema, o trânsito.
Não é que estamos mentindo, é que na hora baixa um impulso genuíno e até acreditamos que sim, que decididamente vamos, porque sempre vale a pena. Mas logo somos vencidos por uma indolência e a vontade de não se comprometer fala mais alto.
Nunca fugimos tanto de vínculos. São tantas as escolhas, tantos os direitos, tantas as opções, que a ideia de assumir compromissos, e até mesmo de experimentar conexões reais, é apavorante. Se antes vivíamos em torno de um núcleo menor, hoje lidamos com um grupo gigantesco de pessoas. No entanto, estamos mais sozinhos.
A pandemia nos fez descobrir novas preguiças, que perpetuamos para mascarar nossos medos existenciais. O corpo fica pesado, a mente apática, o que nos faz preferir o sofrimento de estar sozinhos, continuar a ser o que somos, ao sofrimento de estar na companhia de pessoas.
Mergulhamos, então, em relações controladas, escudadas pelo vidro blindado e inorgânico das telas à prova de encontros reais — com cheiro, cor e pele — fingindo acreditar na sensação de estar acompanhados. Não dá trabalho, não requer entrega e ficamos livres para decidir o que e quando. Essa é a pior das solidões; a pior das liberdades.
O dilema do porco-espinho de Schopenhauer está mais atual do que nunca. Não conseguimos nos aquecer estando perto dos outros, temos medo de nos ferir com os seus espinhos. A proximidade demasiada nos incomoda, porque os espinhos, os nossos e os dos outros, estão cada vez maiores. E seguimos falando "não" para nós mesmos, através do "talvez" que falamos aos outros.
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