quinta-feira, 3 de julho de 2025

Ruy Castro - Invertebrados e acoelhados, FSP

 Na invasão do STF em Brasília no 8/1, o mecânico Fábio de Oliveira foi filmado aboletando-se na poltrona do ministro Alexandre de Moraes. "Cadeira do Xandão, aqui, ó! Aqui, ó, vagabundo! Aqui é o povo que manda!", zurrou. Ouve-se a voz de seu irmão Erlon, que gravava o vídeo: "Cadeira do Xandão agora é do meu irmão Fábio! Nós tomou a cadeira do Xandão, aí, ó!". Diante da pena de 17 anos de prisão a que o voto de Moraes há dias o condenou, Fábio balbuciou: "Era uma brincadeira. A gente não sabia que seria transmitido ao vivo".

Também de 17 anos de grade foi a pena proposta por Moraes para o empresário Pedro Kurunczi, acusado de "viabilizar materialmente a participação de dezenas de pessoas nos atos de violência" ao fretar quatro ônibus que levaram 153 fanáticos a Brasília naquele dia. Há um áudio em que Kurunczi anuncia à filha sua ação para que "essas eleições sejam anuladas" e afirma que está "esperando a hora de invadir o Congresso". Confrontado com esses fatos, a versão do réu é a de que "fez apenas uma tomada de preços para fretar quatro ônibus".

Todos os julgados até agora pelo STF, inclusive os do primeiro escalão bolsonarista —ministros, assessores próximos, comandantes militares—, negaram sua participação nos atos e maquinações golpistas, apesar da farta documentação produzida até por eles próprios em celulares, computadores e papel. Tentando salvar a pele, acusam-se uns aos outros de mentirosos e pedem desculpas a Moraes por tê-lo ofendido. Um deles, olha só, o próprio Bolsonaro: "Desculpa aí, é o meu jeito, me excedi" —e ainda chamou seus seguidores de "malucos".

Que corja de invertebrados, não? Quem acredita em ideias e se dispõe a lutar por elas precisa ser responsável por suas ações. Os que chamaram os militares para a luta armada em 1969 perderam a parada e pagaram por isso nos porões da ditadura —muitos com a tortura, outros com a vida. Não se acoelharam.

Talvez os bolsonaristas estejam descobrindo que não vale a pena pagar por Bolsonaro.

Quase 95% dos cuidadores de pessoas com demência no Brasil são mulheres, diz estudo, FSP

 Laiz Menezes

São Paulo

Quase 95% dos cuidadores de pessoas com demência no Brasil são mulheres, muitas delas sobrecarregadas, sem preparação adequada ou remuneração, afirma novo estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Segundo a pesquisa, cerca de metade precisou abandonar o trabalho para assumir os cuidados com familiares.

Realizado com 381 participantes entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2023, o estudo mostra que 93,6% dos cuidadores são mulheres, com idade média de 48,8 anos. Quase todas (94,9%) realizam o trabalho sem remuneração e 42,8% deixaram seus empregos para se dedicar integralmente ao cuidado.

Os dados revelam ainda que 85% relataram exaustão emocional, 78% cansaço físico constante e 62,5% disseram que o cuidado impactou negativamente sua vida pessoal. Mais de 46% se sentem despreparados para exercer a função.

É o caso de Roseneide de Jesus, 66, gari em Simão Dias, no interior de Sergipe. Separada do ex-marido há 20 anos, ela voltou a morar com ele neste ano, depois que o quadro de Alzheimer se agravou. "Ele saía de casa à noite achando que era de dia. Foi quando percebi que ele não podia mais ficar sozinho", conta.

A imagem mostra as mãos de uma pessoa idosa descansando sobre as pernas. As mãos são enrugadas e uma delas segura um bastão de madeira. A pessoa está vestindo uma blusa cinza e as calças são de tom claro. Um anel de ouro e um anel com pedra são visíveis em uma das mãos.
Solidão na velhice aumenta em 31% o risco de desenvolver demência - Pixabay

A decisão de assumir os cuidados com o ex, o aposentado José Fernando Rocha, 77, veio depois que a filha do casal, que também ajudava, teve uma gravidez de risco. Desde do ano passado, vive uma rotina exaustiva, se divide entre o trabalho de gari, que dura cerca de duas horas por dia, e a função de cuidadora.

"Quando a gente fala de cuidador, muita gente imagina que é alguém contratado, profissional. Mas o foco do nosso estudo é o cuidador informal, que é o familiar. Ele se descobre cuidador no meio de um processo difícil, quando percebe que não tem outra alternativa", afirma o autor principal do estudo, neurologista Alan Cronemberger Andrade, professor na Faculdade de Medicina da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Roseneide, por exemplo, precisa improvisar. Administra os medicamentos do ex-marido escondidos na comida ou disfarçados como xaropes para gripe. "Ele diz que está emagrecendo por causa do remédio e se recusa a tomar. Às vezes tenho que enganar."

diagnóstico de Alzheimer aconteceu em 2024, após episódios de confusão durante corridas de táxi, quando ele ainda trabalhava como taxista. "Ele não lembrava o nome das ruas, não conseguia dar troco. Foi aí que a gente percebeu que alguma coisa estava errada."

"Ele conversa com o espelho, diz que tem gente presa atrás da parede, já quebrou a parede tentando libertar o 'homem do espelho'. Não dorme. Passa a noite andando pela casa, falando sozinho, esperando por alguém que nunca chega. Acorda achando que está no ponto de táxi, pronto para trabalhar", diz.

Ela também relata também episódios de agressividade. "Ele me xinga, fala palavrão alto, às vezes os vizinhos acham que a gente está brigando. Mas eu fico quieta, deixo ele falar. Depois olho para ele e só consigo sentir dó. Ele não sabe mais quem é."

Apesar do esforço, ela rejeita a ideia de internação. "Já falaram disso, mas eu não penso. Ele foi um bom pai, um bom marido. Nos separamos por bobagem, porque eu quis voltar para Curitiba, minha cidade natal. Mas ele não merece ser largado pela família. Só penso em cuidar dele até o fim."

Segundo o estudo da Unifesp, 87% dos cuidadores trabalham sozinhos e apontam como principais necessidades o apoio financeiro (36,3%) e o compartilhamento das responsabilidades (33,1%).

Walter Lima, professor da Unifesp e também autor do estudo, reforça o impacto desse papel na vida das cuidadoras. "Geralmente são mulheres que deixam seus trabalhos ou estudos porque são obrigadas a assumir esse cuidado. Isso muda o destino de uma vida. Elas abdicam da própria trajetória sem nenhuma ajuda", afirma.

Além da sobrecarga emocional, Lima destaca as exigências físicas da tarefa. "Tem que carregar, dar banho, trocar fralda. E isso somado à complexidade da doença e à falta de preparo", diz.

Roseneide desistiu de planos, viagens ou mesmo descanso. Planeja reformar uma casa simples nos arredores de Simão Dias para viver com o ex-marido em um ambiente mais perto da natureza.

"Ele gosta de mexer na terra, de plantar. Se isso acalma ele, vou tentar. Comprei mudas de frutas, quero fazer um cantinho para ele. Não penso mais em mim, penso em como manter ele tranquilo, com alguma dignidade."

Dados do Ministério da Saúde divulgados em 2024 apontam que cerca de 8,5% da população com 60 anos ou mais convivem com demência, o que representa um número aproximado de 1,8 milhão de casos. Até 2050, a projeção é que 5,7 milhões de pessoas recebam o diagnóstico no país.

Para Andrade, o papel do cuidador informal precisa ser valorizado, mas ele alerta que pacientes com demência também estão sujeitos à violência doméstica quando não são cuidados por alguém com preparo ou paciência. Isso porque, ao não compreender que comportamentos agressivos ou confusos fazem parte da doença, o cuidador pode reagir com agressividade.

Além disso, há riscos para a saúde do idoso. "Se o cuidador não entende a doença, pode administrar mal medicamentos, negligenciar comorbidades típicas da idade, como hipertensão ou diabetes. É um risco enorme para o paciente", diz.

No Brasil, faltam iniciativas públicas para acolher idosos com Alzheimer durante o dia e permitir que suas famílias trabalhem e descansem. O país conta com apenas 183 centros-dia, espaços públicos onde os pacientes fazem sessões de música e fisioterapia, oficinas de estímulo cognitivo e refeições balanceadas, segundo estimativa feita pela Folha com base no Censo da Assistência Social de 2023. A maioria não tem foco em pessoas com demência.

O presidente Lula sancionou em junho de 2024 a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer, com diretrizes gerais de suporte aos pacientes e apoio aos cuidadores, mas o governo ainda não publicou um plano nacional de enfrentamento da doença.

Aquele filho, antes tão familiar, começa a se tornar um estrangeiro na adolescência, Daniela Teperman, FSP

 Daniela Teperman

Psicanalista, doutora em Psicanálise e Educação pela FEUSP. É autora do livro 'Família, parentalidade e época: um estudo psicanalítico' (Fapesp/Escuta) e coorganizadora da Coleção 'Parentalidade & Psicanálise' (Autêntica, 5 volumes, 2020).

A adolescência inaugura uma fase em que o jovem é convocado a responder, a assumir uma posição no laço social. Para isso conta com as experiências que foi reunindo ao longo da infância, mas elas são insuficientes para dar conta do que se passa em seu corpo e para antecipar um saber-como-fazer em termos de suas experimentações sexuais.

Para fortalecer-se diante de tantas experiências de primeiras vezes, os adolescentes precisam fazer um trabalho de musculação, como diz a psicanalista Diana Corso. Assim como investem na academia em um corpo musculoso e "definido", é necessário que invistam também em uma musculação do próprio discurso, que exercitem e experienciem falar o que pensam, argumentar, posicionar-se para além do campo familiar. Esse exercício de fortalecimento contribui para aumento da confiança em si mesmos.

Se na adolescência o jovem precisa fazer uma travessia, sem garantias do que vai encontrar do outro lado, arriscando-se em águas desconhecidas, ele pode contar neste percurso com alguns respiros: a família, os professores, o conhecimento, as amizades, a possibilidade de antecipar um futuro projeto.

Vivemos uma época em que sustentar um projeto de futuro para as novas gerações torna-se cada vez mais desafiador. Por isso, a possibilidade de os adolescentes se projetarem no futuro ultrapassa o âmbito familiar e dos adultos próximos —é uma questão que diz respeito a toda a sociedade.