sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Hélio Schwartsman - Zebrofilia, FSP

 A melhor fase da Copa, a da profusão de jogos que frequentemente opõem seleções campeãs às de países fora do mapa futebolístico, acabou. Não teremos mais muitas oportunidades de ver uma Arábia Saudita derrotando a Argentina, entre outras zebras. O fenômeno interessante a analisar aqui é por que, quando o escrete de nossa preferência não joga, invariavelmente nos pegamos torcendo pelo selecionado mais fraco.

A ilustração de Annette Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 6 de novembro de 2022, mostra, sob o céu azul, uma equipe de canoagem formada por quatro remadores de diferentes etnias que deslizam sobre uma lagoa azul esverdeada, cercada por montanhas verdes. Os quatro homens alternam os lados em que mantêm seus remos; primeiro e o terceiro, do lado direito, enquanto o segundo e quarto, do esquerdo. Todos vestem uniformes pretos: calção e camiseta regata. A canoa é vermelha e os remos são cinzas.
Annette Schwartsman /Folhapress

Há precedentes bíblicos para a predileção. Pensem em Davi e Golias. E há evidências empíricas de que essa preferência se manifesta em campos tão distintos como negócios, política, artes e, é claro, esportes. A coisa é tão saliente que podemos classificá-la como um viés cognitivo. Em inglês, ele leva o nome de "underdog effect" (efeito azarão ou efeito zebra).

Num experimento dos anos 90, J. Frazier e E. Snyder, mostraram que 80% dos estudantes testados preferiam, entre dois times hipotéticos, torcer pelo que tinha menos chance de conquistar o campeonato. Mas, quando informados de que o azarão vencera as primeiras três partidas de uma melhor de sete, metade deles virou casaca e passou a apoiar o favorito.

Há várias explicações para o fenômeno. Por uma delas, temos prazer intrínseco no "Schadenfreude", a alegria em ver terceiros, em especial os poderosos, quebrando a cara. Um outro viés, a falácia do mundo justo (a ideia de que o Universo busca sempre o equilíbrio), complementa essa explicação. Numa linha mais individualista, pode-se dizer que, quando não temos um claro envolvimento emocional, procuramos maximizar nosso prazer. E resultados inesperados tendem a ser mais hedônicos do que os já precificados.
Basicamente, adoramos ser surpreendidos por narrativas em que o mais fraco vence o mais forte. Isso, é claro, desde que não tenhamos envolvimento direto. Se tivermos, vale o meu pirão primeiro.

PS – Dou dez dias de férias ao leitor.

PUBLICIDADE

Nenhum comentário: