sábado, 31 de outubro de 2020

Hélio Schwartsman 'Je suis Samuel Paty'. FSP

 30.out.2020 às 21h19

Estou com Emmanuel Macron. O Ocidente não pode desistir de princípios como a liberdade de expressão só porque certas palavras e desenhos ferem suscetibilidades religiosas. A liberdade de expressão faz parte do pacote de inovações, primeiro cognitivas e depois institucionais, que colocaram a Europa na rota da ciência, da prosperidade e da tolerância.

Uma das coisas que mais me chocou quando do atentado contra o semanário satírico francês Charlie Hebdo, em 2015, que deixou 12 mortos, foi que várias vozes respeitáveis da sociedade civil condenaram o ataque, mas fizeram questão de acrescentar que o estilo excessivamente irreverente e provocativo da publicação havia chamado a tragédia para si.

A nova crise, que já contabiliza um saldo de dois atentados, o assassinato do professor Samuel Paty e o ataque a uma Igreja Católica em Nice, mostra os limites do raciocínio contemporizador. O professor Paty não tinha a intenção de provocar ninguém. Ele estava apenas explicando o conceito de liberdade de expressão. Antes de exibir as charges retratando o profeta Maomé, alertou os alunos muçulmanos para o potencial ofensivo dos desenhos e os convidou a deixar a sala, se quisessem. Tal cuidado não o impediu de ser decapitado por radicais islâmicos.

O problema, portanto, não está na atitude daqueles que criticam religiões, mas no fato de certos grupos não aceitarem o mais básico dos princípios do pacto civilizatório, segundo o qual diferenças são resolvidas sem recurso à violência física.

Ninguém pede que os muçulmanos aplaudam as charges. Eles têm todo o direito de criticá-las e os seus autores. Podem xingá-los. Podem até, como estão fazendo, promover boicotes a produtos franceses, mas não podem matar uma pessoa porque não gostam do que ela diz ou desenha. Quer dizer, até podem, como mataram, mas, ao fazê-lo, saem do pacto civilizatório para tornar-se terroristas.

Sim ou não para mesas nas ruas? A ardida picada de uma pesquisa enganosa,Alexandra Forbes, FSP

 

Projeto Ocupa Rua permite que estabelecimentos comerciais do centro de São Paulo construam extensões dos negócios na rua

A primeira vez em que eu duvidei de pesquisas de opinião foi quando assisti, estupefata, à vitória do Donald Trump em 2016.

Quase todo mundo achava que a Hillary Clinton ganharia a Presidência —eu, inclusive— porque era o que previam os números publicados nos jornais e citados na tevê e nas mídias sociais.

Como a própria Associação Americana para a Pesquisa da Opinião Pública (AAPOR) admitiu em um comunicado à época, "as pesquisas claramente erraram". O New York Times, minha principal fonte de notícias dos Estados Unidos, fez vários mea-culpas buscando explicar porque suas pesquisas previram tão mal o resultado das eleições.

Os números publicados em quase toda a mídia durante a campanha passavam a mensagem "já ganhamos" a Clintou e seus apoiadores —e o erro de cálculo lhes custou a eleição.

Pagamos o preço dessa derrapagem todos os dias em que Trump desgoverna seu país e faz barbeiragens que respingam e repercutem pelo mundo, inclusive no Brasil.

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Doeu.

Semana passada senti pela segunda vez a picada ardida de uma pesquisa equivocada.

O Datafolha quis saber se a população aprova a expansão do projeto piloto Ocupa Rua que criei em parceria com a Prefeitura de São Paulo, a chef Janaína Rueda e a Metro Arquitetos no centro do São Paulo.

Centro de São Paulo
Bancos no centro de São Paulo - Alexandra Forbes

Um projeto baseado no decreto de 5 de agosto que permite que estabelecimentos comerciais em um determinado pedacinho do centro de São Paulo construam extensões de seus negócios na rua, substituindo vagas de estacionamento.

O objetivo principal do piloto era compensar a perda de faturamento de bares e restaurantes que, além de menos frequentados pelo público, tiveram que eliminar boa parte dos assentos de seus salões por ordem da vigilância sanitária, para evitar a transmissão da Covid-19.

Essas extensões ocupando vagas de estacionamento são terraços protegidos dos carros por imensas jardineiras repletas de vegetação.

Ali os paulistanos podem comer ao ar livre (nos restaurantes Bar do Buraco, Sertó, Boi na Brasa, Berton Grill e Casa do Porco, entre outros) e beber com amigos (no karaokê Celeiro das Tribos ou no bar Tokyo). Ou podem, simplesmente, sentar em um banco para ler o jornal ou jogar conversa fora, como fazem no belo terraço construído pelo projeto em frente à Escola da Cidade (de máscara, claro).

Nenhuma única rua foi fechada, o trânsito circula normalmente. As restrições sanitárias são inúmeras e respeitadas à risca, a começar pelo grande espaçamento entre as mesas.

 Sônia e Lucila Mendes proprietárias do mini-restaurante Bar do Buraco com o chef Jefferson Rueda, da Casa do Porco
Sônia e Lucila Mendes, proprietárias do mini-restaurante Bar do Buraco, com o chef Jefferson Rueda, cuja Casa do Porco também participa do projeto Ocupa Rua - Alexandra Forbes

Eis que uma pesquisa do Datafolha distorceu o conceito do projeto perguntando ao público se "o fechamento das ruas para colocação de mesas de bares e restaurantes deveria ocorrer em todos os bairros da cidade ou só na região central".

Se alguém me ligasse perguntando se eu achava boa ideia fechar as ruas para, como diz o título da reportagem publicada no último dia 23, "pôr mesas de bar", eu exclamaria, enfurecida: "Claro que não!".

A maioria pensa como eu.

Dos 1204 entrevistados, 77% disseram que são contra. Só que eles opõem-se a algo que jamais foi proposto e muito menos aprovado por decreto.

Essa invasão das ruas —"prepare-se, seu bairro vai virar um barzão a céu aberto!!"— foi imaginada pelo(a) criador(a) da pesquisa de opinião. Não aconteceu no centro nem acontecerá em parte alguma da cidade no que depender do atual prefeito.

Pode parecer ridículo comparar as gravíssimas consequências dos erros dos pesquisadores políticos que previram a vitória da Hillary Clinton com esse recente escorregão do Datafolha. Mas para os milhares de donos de bares, lanchonetes e restaurantes paulistanos que aguardam ansiosamente a ampliação do projeto-piloto Ocupa Rua ou, ao menos, a liberação do uso das calçadas, é uma questão de vida ou morte para seus negócios.

Uma pesquisa enganosa tem o poder de influenciar a opinião pública. E a opinião pública —em época de campanha principalmente— influencia o prefeito que concorre à reeleição.

Se Bruno Covas ainda não soltou o decreto que expande o projeto para outros bairros nem mesmo o uso das calçadas é em parte por temer que a maioria dos eleitores seja contra, como dava a entender a pesquisa.

Aos que disseram ao Datafolha que não querem que ruas transformem-se em bares a céu aberto eu digo: não se preocupem, esse risco não existe.

E a todos que não compreenderam o quanto algumas mesinhas na rua ajudam a salvar negócios nestes tempos bicudos eu recomendo que visitem as ruas General Jardim, Major Sertório e Bento Freitas, de preferência em um dia de sol.

Não só os negociantes estão aliviados pelo aumento do faturamento, o que evita a demissão de funcionários, como os terraços verdejantes do projeto piloto deixaram o pedaço mais seguro, limpo e alegre.

Os sorrisos nos rostos dos visitantes cada vez mais numerosos, o papo animado ao redor das mesas, os instagrammers que postam elogios ao colorido e às plantas e os moradores que passeiam por ali tranquilos pintam um retrato da reação do público ao projeto bem mais fiel do que a pesquisa mal concebida que o manchou.

Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

Paulistanos enfrentam o frio e se exercitam no 1º final de semana de parques abertos em SP, FSP

 

SÃO PAULO

O tempo fechado e a garoa na capital paulista não foram motivos suficientes para impedir que Karina Souza, 32, e Guia Alves, 30, fizessem o próprio ensaio fotográfico de casamento —celebrado em cartório na manhã deste sábado (31)— no parque Ibirapuera, na zona sul da capital paulista. “Vi no jornal que ia abrir hoje, aí a gente correu e pediu a autorização para fazer as fotos”, afirma Karina.

Este é o primeiro final de semana em sete meses em que os parques paulistanos são abertos ao público. Eles foram fechados por força de decreto estadual em 20 de março, nove dias depois de a Covid-19 ganhar status de pandemia.

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), anunciou na última segunda-feira (26) a reabertura dos espaços aos sábados, domingos e feriados. “Graças à evolução da pandemia em São Paulo, não só não foi observado um segundo pico, como os números estão melhorando, e a vigilância sanitária autorizou a reabertura dos parques”, disse.

Os horários de funcionamento voltaram aos mesmos da pré-pandemia, mas os locais não poderão ultrapassar 60% de sua capacidade.

O trânsito intenso de pessoas no Ibirapuera dava ao local contornos de normalidade na manhã deste sábado. Poucos eram os que usavam a máscara no queixo, com o nariz à mostra ou então a dispensavam por completo. Nas entradas do parque, funcionários ofereciam álcool em gel e aferiam a temperatura dos visitantes a partir do pulso, e não da testa, como recomendam os especialistas.

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Luana Rabelo, 21, e Júnior Santos, 21, também foram ao Ibirapuera para fazer um ensaio de casamento. O casal, no entanto, não sabia que a data de sua união também marcava a volta dos parques aos finais de semana. “É o primeiro sábado?! A gente deu muita sorte”, disse Júnior à Folha.

Era a primeira vez que o casal visitava o Ibira, assim como de seus familiares que acompanhavam a sessão de fotos. “Eu não sabia que podia trazer cachorro, dava pra trazer o meu chow chow”, diz Luiza Rabelo, mãe da noiva.

Nas proximidades do Pavilhão da Bienal, um grupo de 9 pessoas, reunido em círculo, brincava de vôlei. Enquanto a bola cortava o ar, nenhum deles usava a máscara de proteção corretamente. “Acho que o pessoal já não liga muito mais, não. Como a maioria já pegou, outros fizeram exame e estamos só entre a gente, a gente fica mais tranquilo”, afirma Fernando de Oliveira, 27, que mora em Mauá, cidade próxima ao ABC Paulista.

O modelo Luan Lima, 25, visitava neste sábado o Ibirapuera pela segunda vez desde a chegada do coronavírus ao país para correr. “Vejo que a maior parte das pessoas estão protegidas, usando máscara e tudo mais. Algumas pessoas estão correndo sem máscara, isso me incomoda um pouco, acho desrespeitoso. Mas acho importante que a gente possa voltar a ter atividade ao ar livre”, diz.

Embora integre o grupo de risco por causa de sua faixa etária e do diagnóstico de hipertensão, o carioca Francisco das Chagas de Oliveira, 80, também foi ao local para praticar corrida. “O parque é um lugar aberto, eu estou vendo a maioria das pessoas com máscara, então não vejo risco.”

Ele se diz otimista em relação à possibilidade de arrefecimento da pandemia no país. “Acho que a tendência é melhorar. Se a gente continuar tomando as medidas [de prevenção], não vai acontecer o que está acontecendo na Itália, na França [lugares em que já há uma segunda onda]. As pessoas estão se cuidando, embora a juventude esteja saindo nas noites”, diz, entre risos.

Já no Parque Villa-Lobos, na zona oeste da capital, o sábado do feriado prolongado de Finados não motivou muitas visitas e o cenário era de quase deserto. Por volta das 14h, um segurança contabilizava 686 visitantes que entraram pela passagem principal —o esperado para finais de semana, afirmou, é de cerca de 5.000 pessoas para esse mesmo horário.

“Isso aqui é muito cheio, mas o tempo não está ajudando”, diz o aposentado Pedro Rosa, 62, que mora em Pirituba, na zona norte, e costuma correr no local.

A servidora pública Tatiana Martins, 43, aproveitou a reabertura para passear de bicicleta com o marido e os dois filhos dela. Ela conta que nem sequer cogitou não ir ao Villa-Lobos por causa da previsão do tempo. “A gente queria muito vir ao parque”, diz. E reclama que a liberação para visitas aos finais de semana só tenha ocorrido agora. “Demorou muito. Não fazia sentido vir durante a semana para quem trabalha.”

A ausência do uso de máscara foi observada com mais frequência nas quadras de tênis do parque. Um vigilante que não quis se identificar cobrava que os presentes usassem o equipamento de proteção. “É eu virar as costas que o povo tira a máscara”, afirma. “O cara vai encher o saco, ele vai vir aqui de novo’, eles falam. E eu que sou o chato”.

Uma comerciante que vendia alimentos no Villa-Lobos e também não quis se identificar diz ter se decepcionado com o tempo fechado. “Oito meses sem trabalhar, praticamente... porque aqui o forte é sábado, domingo e feriado. E, quando abre, faz esse tempo", lamenta. "Mas, se Deus quiser, amanhã vai melhorar.”

PORTAS FECHADAS

Os parques paulistanos foram fechados em 20 de março, nove dias depois de a Covid-19 ganhar status de pandemia, em decreto de calamidade que também suspendeu os serviços presenciais de Detran e Poupatempo.

Em julho, 70 parques municipais e 9 estaduais reabriram na capital paulista, de segunda a sexta, em horários reduzidos –das 10h às 16h, com exceção dos parques Ibirapuera e do Carmo, abertos das 6h às 16h. Permaneciam, porém, fechados aos fins de semana e feriados.

Em agosto, os parques estaduais passaram a funcionar em seu horário regular, também de segunda a sexta. A gestão mantinha os locais fechados aos fins de semana para evitar aglomerações. Era frequente, no entanto, que a população ocupasse os gramados nos arredores do Ibirapuera, ao longo da avenida Pedro Álvares Cabral.