quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

OPINIÃO MARIA ALICE SETUBAL E ANNA HELENA ALTENFELDER Afinal, o que o novo governo quer com educação?, FSP

Papel do Estado vai muito além de enfileirar alunos

Anna Helena AltenfelderMaria Alice Setubal
Neste início de ano letivo, educadores, alunos, pais e demais cidadãos esperavam que o novo governo apresentasse um plano concreto para que a educação brasileira garanta a aprendizagem dos 49 milhões de alunos matriculados na educação básica. No entanto, foram surpreendidos com o anúncio de que a regulamentação da educação domiciliar (“homeschooling”, em inglês) está entre as prioridades. 
A notícia causou estranheza, já que não há sequer um diagnóstico consistente sobre o tema. Em documento enviado ao Congresso, a cúpula do governo apontou que mais de 30 mil famílias adotariam a educação domiciliar. Enquanto isso, a Folha noticiou que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos estima, com base em dados de associações que defendem o “homeschooling”, que elas seriam 5.000.
O que os dados do governo, sim, apontam é que estão fora da escola 2 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos —idade em que hoje a matrícula é obrigatória. Garantir o acesso, a permanência e a aprendizagem para esses jovens deveria ser prioridade inescapável. Afinal, em um país tão desigual como o nosso, a ausência desses alunos das salas de aula tende a estar muito mais associada à vulnerabilidade socioeconômica do que a uma opção das famílias. 
Ainda temos 2,7 milhões de menores de 18 anos em situação de trabalho infantil. Para esses, a desobrigação da matrícula dificilmente se traduziria na possibilidade de educação a domicílio. Ao contrário, tende a aumentar sua vulnerabilidade.
Cabe lembrar que a escola surgiu como resposta institucional a uma demanda por processos de educação formal (ampla) que complementem a educação familiar (específica). Ela ganhou cada vez mais relevância quanto mais complexas se tornaram as sociedades. Ter acesso à educação escolar passou a ser um direito de todos e um dever dos Estados, como parte das estratégias de democratização do saber e de redução de desigualdades de origem num mundo onde a ciência e as tecnologias avançam numa velocidade cada vez mais impressionante. 
O papel da escola —da pública, em especial— é também o de promover a construção da identidade social e do pertencimento dos sujeitos, ao mesmo tempo em que garante a convivência com as diferenças. Por isso, ela tem sofrido tanto com a desvalorização e o abandono pelo Estado e sofre também com a saída de alguns segmentos sociais que buscam uma diferenciação afirmada pela negação da convivência com a diversidade e com o espaço público, essenciais numa democracia.
Fortalecer a democracia está diretamente relacionado com a capacidade de construir uma educação de qualidade para todos, com uma escola pública que forme cidadãos capazes de participar e de contribuir com as esferas econômica, política, social e cultural. Responsabilidade que vai muito além de enfileirar alunos para cantar o hino nacional
Símbolos nacionais têm sua importância, mas devem ser trabalhados em espaços contextualizados de aprendizado. É preciso garantir as condições de acesso, permanência e aprendizagem, num ambiente com infraestrutura e profissionais capacitados. 
Reafirmar a importância da educação escolar para a democracia e o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens não diminui em nada o papel dos pais e responsáveis. A educação, já afirma o texto constitucional, é dever do Estado e da família. Ambos se complementam, não podem se eximir de suas responsabilidades e precisam trabalhar em cooperação pela plena cidadania de todos.
Maria Alice Setubal
Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), presidente do conselho da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos Fundações Empresariais)
Anna Helena Altenfelder
Pedagoga, doutora em psicologia da educação (PUC-SP) e presidente do conselho de administração do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)

Com subsídio, SP terá escola internacional francesa de tempo integral por R$ 3.000, FSP

Fusão de colégios na Vila Mariana dará lugar ao Grand Lycée Pasteur

Angela Pinho
SÃO PAULO
Cônsul geral da França em São Paulo, Brieuc Pont recorre a um pensamento do estilista alemão Karl Lagerfeld (1933-2019) para defender a importância do ensino de francês em um mundo no qual o inglês virou pré-requisito. “Ele dizia: hoje em dia, falar só duas línguas é brega”, afirma.
Filho de diplomata e ex-aluno do Lycée Pasteur, em São Paulo, Pont, 45, é um entusiasta de um projeto milionário que será inaugurado nesta semana e pode movimentar o mercado de escolas bilíngues na capital paulista.
Trata-se da fusão do Lycée, de currículo bilíngue, com o Liceu Pasteur, com aulas predominantemente em português, ambos na Vila Mariana (zona sul de São Paulo).
A unificação, com investimento de R$ 150 milhões, incluiu a reforma do prédio da unidade da rua Mairinque, projetada por Ramos de Azevedo (1851-1928). Ela irá sediar a nova instituição, que passará a ser chamada de Grand Lycée Pasteur.
O currículo será o plurilíngue, já adotado atualmente no Lycée. Todas as aulas serão em francês, com exceção de educação física, música, língua portuguesa e história e geografia do Brasil.
Haverá ainda cursos obrigatórios de inglês e optativos de alemão, espanhol, grego e latim.
Prevista para terminar em 2023, a fusão de currículos começou em 2018, com a educação infantil, e será gradual para os já matriculados no ensino fundamental no curso brasileiro.
A mensalidade, na faixa de R$ 3.000 para período integral, ficará abaixo da média de outros colégios de elite em São Paulo, em parte porque o governo francês dá um subsídio de cerca de € 3.000 ao ano por aluno (em torno de R$ 13 mil).
Pont diz esperar que o valor seja um diferencial. “Queremos ser a melhor escola internacional com preço acessível”, afirma. Sem citar a Avenues, com unidade em São Paulo inaugurada no ano passado, ele faz referência velada à escola americana que se propõe a formar “líderes globais” e menciona a rede de liceus franceses pelo mundo.
"Vejo escola dizendo que cobra mensalidade de R$ 10 mil, mas que o aluno terá acesso a mais de cinco unidades pelo mundo”, afirma. “Nosso sistema tem 496 escolas em 137 países.”
Além do crescimento do mercado de escolas internacionais, outra motivação para a fusão foi a constatação de que outros colégios tradicionais da capital paulista, como o Bandeirantes e o São Luís, estavam em transformação, diz o diretor geral do Liceu, Cláudio Kassab.
Eles esperam que, com as mudanças, o número de alunos aumente dos atuais 1.600 estudantes para 2.500.
O objetivo é atrair um público que vá além da comunidade francesa em São Paulo.
Para isso, Pont já tem uma lista de argumentos à mão: em 2050, segundo projeções, o francês será a terceira língua mais falada do mundo, e empresas do país estão entre os grandes empregadores estrangeiros no Brasil.
“Falar inglês é o mínimo que se exige hoje. Para ter um diferencial e dominar um terceiro idioma falado por milhões de pessoas, qual escolher? Chinês, árabe? Nós propomos o francês”, diz.
Para convencer as famílias disso, haverá outro incentivo: o ensino de francês para os pais que assim quiserem e desconto na Aliança Francesa.
A escola afirma que o conteúdo em português não será negligenciado, e que o aluno será preparado tanto para vestibulares do exterior como para o de universidades brasileiras.
Além do idioma, o currículo terá ainda outras matérias com uma pitada francesa.
Em consonância com o sistema educacional de seu país, filosofia e história são consideradas matérias prioritárias, segundo Pont, para que o aluno compreenda o mundo.
“A Caverna de Platão, por exemplo, nos faz pensar na internet”, afirma, em referência à metáfora criada pelo filósofo grego, de homens acorrentados em uma gruta que pensam que a realidade são as sombras que veem projetadas.
Nesse contexto, a tecnologia tem um papel delimitado na escola. Embora esteja presente nos laboratórios, sistemas de projeção e laptops em diversas salas de aula, não é protagonista absoluta. “Como dizia [o filósofo Jean-Jacques] Rosseau, ciência sem consciência é a ruína da alma”, diz Pont. “Tecnologia é muito importante, desde que o aluno tenha consciência do que está fazendo.”
A proposta se reflete na reforma do espaço, com projeto do estúdio NPC arquitetura. O objetivo, segundo a arquiteta Maria Coccoli, foi modernizar o prédio antigo, que havia sido descaracterizado, mas manter as marcas do tempo.
Para recuperar o projeto original, a equipe fez uma pesquisa nos arquivos da prefeitura. Entre outras descobertas, encontraram vãos que haviam sido fechados para virar salas de depósitos.
Mantiveram algumas características, como o piso de peroba e o armário e a chapeleira da sala dos professores, e recuperaram ou adaptaram outras. A pintura das colunas da biblioteca foi retirada para deixar à mostra os tijolos originais. Prateleiras antigas da biblioteca foram sustentar o palco no pátio dos alunos.
Para manter o forro de estuque das salas de aula sem que o barulho dos alunos tomasse conta do ambiente, foram encomendadas placas acústicas da Suécia.
Com o investimento, a escola e o governo francês pretendem resgatar o prestígio da instituição, que tem entre seus ex-alunos nomes como a cantora Rita Lee e o maestro João Carlos Martins.
“Precisamos reconquistar esse público e mostrar que o francês é uma língua moderna dos negócios e da intelectualidade”, afirma o cônsul, para em seguida voltar a citar o estilista alemão. “Lagerfeld sabia tudo”, brinca.
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