quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

MISSA DO GALO , crônica de Antonio Carlos Augusto Gama, do site da APMP

MISSA DO GALO

“Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há

muitos anos, tinha eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal”.

Este é o princípio do conto de Machado de Assis, em seu livro “Páginas

Recolhidas”.

No caso, é compreensível que o rapazinho Nogueira não

compreendesse a conversação que teve com Dona Conceição. A

diferença de idade e as circunstâncias explicam a sua perplexidade.

Mas, já velho, muitos anos depois, ele não a compreendia.

Na verdade, raramente, ou nunca, compreendemos as conversas que

temos com as mulheres. É um jogo de equívocos, sejam elas mais

novas, ou mais velhas do que nós.

Exatamente por isso, as mulheres são deliciosas, enquanto nós outros,

bem ou mal intencionados, somos paspalhões.

As mulheres, quando dizem que vão, ficam; e quando afirmam que

ficam, vão.

Acresce que a era Noite de Natal, com o seu sortilégio.

Mas não é preciso que o seja. Qualquer dia, ou qualquer noite são

bastante para que não entendamos a conversação que temos com as

mulheres.

Eu, por mim, e vejam que sou experimentado, tive diálogos por muito

tempo, com uma senhora, com a qual me encontrava casualmente na

rua.

Falávamos sobre o tempo, se ia ou não chover naquela tarde, ou de

noite. Era um jogo de negaças. Queríamos e não queríamos. Dez,

doze minutos depois, nos despedíamos. Mas eu levava para casa o

seu perfume. Aquela mulher encantadora, nunca pude esquecê-la.

Nunca se sabe se a mulher é inteiramente nossa. Cercada de

mistérios, a mulher é a própria vida, que também jamais chegamos a

entender.

A mulher não faz afirmações. Concorda, discordando. Sorri, quando

estamos embaraçados. E se também sorrimos, torna-se séria e grave.

A sua imagem é sempre crepuscular. E mesmo quando amanhece, a

mulher anoitece.

A pergunta que fazemos, quando voltamos para casa é: “Que é que ela

queria dizer?”

Benditas sejam todas as mulheres!

Envoltas no seu mistério, continuam, intocáveis.



Antonio Carlos Augusto Gama

Promotor de Justiça, aposentado

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