Dutra se referia à Carta como o "livrinho", mas a importância que constituições escritas passaram a ter a partir da segunda metade do século 18 não comporta diminutivos. "The Gun, the Ship and the Pen", de Linda Colley, conta magistralmente essa história.
É uma obra de fôlego, que abarca não só os países ocidentais de sempre, mas escarafuncha todos os recônditos do mundo. A Constituição das ilhas Pitcairn de 1838, presente do capitão de navio Russell Elliott aos ilhéus foi a primeira a assegurar direitos iguais para as mulheres e a demonstrar preocupações ecológicas.
Colley lembra que a relação entre constituições e guerras é muito próxima. Os conflitos foram se tornando mais globais e mais complexos. Guerras híbridas envolviam exércitos cada vez maiores e marinhas mais poderosas. Elas ficaram mais caras e mais mortíferas. E isso acabou gerando direitos, pelo menos para os homens. Voto e garantias fundamentais se tornaram a contrapartida pelo serviço militar obrigatório.
Isso é mais ou menos sabido desde Max Weber. O que me surpreendeu no livro é que Colley mostra como se criou uma espécie de comunidade constitucional global. Escrever constituições se tornou um passatempo, talvez não popular, mas razoavelmente disseminado, ao qual se dedicavam soberanos como Catarina, a Grande, filósofos estelares, como Jeremy Bentham, e quase anônimos como o capitão Elliott.
Alguns mantinham várias Cartas prontas na gaveta, "just in case". Assim que uma constituição era escrita e aprovada, ela era impressa e fartamente distribuída. Edições comparativas também eram publicadas. Essa cultura constitucional fez com que mesmo um texto modesto como a Carta de Pitcairn circulasse e influenciasse outras constituições.
Forjadas pela guerra, as constituições foram pouco a pouco formando o caldo sobre o qual mais tarde se ergueriam as democracias. Nada mal para um "livrinho".
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