domingo, 31 de março de 2019

Finlân, dia lidera ranking mundial de felicidade; Brasil aparece em 32º, FSP

Finlândia lidera ranking mundial de felicidade; Brasil aparece em 32º

Pesquisa feita em 156 países mostra que nível de confiança em estranhos é fator essencial para sensação de bem-estar

Pessoas jogam carteado em centro para idosos em Kaunianen, na Finlândia - Lena Mucha - 15.nov.18/The New York Times
João Perassolo
SÃO PAULO
Pelo segundo ano seguido, quem vive na Finlândia é mais feliz do que na maioria dos outros países do mundo. Este é o resultado do World Happiness Report (relatório mundial da felicidade), divulgado no último dia 20, data que a Organização das Nações Unidas declarara como o dia internacional da felicidade.
Questionados que nota dariam para as suas vidas, em uma escala de 0 (pior) a 10 (melhor), os finlandeses chegaram a uma média de 7,7. O segundo lugar ficou com a Dinamarca (7,6), e o terceiro, com a Noruega (7,5).
A pesquisa, de acadêmicos das universidades British Columbia (Canadá), London School of Economics (Inglaterra) e Columbia (Estados Unidos), mediu os índices de satisfação de vida de quase meio milhão de pessoas em 156 países nos últimos três anos.
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Se os ganhadores não chegam a ser uma surpresa —afinal, os estados escandinavos sempre aparecem no topo de listas de qualidade de vida—, a metodologia do estudo, baseada em critérios subjetivos sobre bem-estar, é uma novidade.
Fatores como renda per capita e expectativa de vida saudável foram considerados como possíveis indicadores para o nível de felicidade, mas não determinantes.
O resultado mostra que os habitantes da Finlândia, um dos países mais frios do mundo, são felizes no longo prazo, explica John Helliwell, 80, um dos editores do relatório, que chega à sua sétima edição.
“Os finlandeses são especiais em coisas mais profundas e duradouras, felizes com as suas vidas como um todo”, diz.
Nas palavras de Helliwell, um dos motivos para o bem-estar longevo dos finlandeses é que eles “não se orgulham”, “não falam de si mesmos” e “não ostentam”. “Ter hábitos de consumo chamativos é visto como falta de educação no país. Exibir uma Lamborghini pode gerar ciúmes e ressentimento em outras pessoas.”
Pessoas aproveitam o dia de sol na escadaria da Catedral de Helsinque, capital da Finlândia - Reuters
A depender dos primeiros colocados deste ano, o segredo da felicidade não está em objetos de desejo, e sim em conectar-se com os outros, tanto no nível mais próximo (familiares e amigos) quanto em uma escala estendida (estranhos, comunidade em geral e governo).
Em outras palavras: a alegria de viver está diretamente vinculada a quão confiáveis são as pessoas que compõem a sociedade do país em que se mora.
“A Finlândia tem laços comunitários amplos. A confiança nos vizinhos, no governo e em qualquer pessoa é muito mais alta na Escandinávia do que na América Latina. As pessoas gostam de viver em um lugar assim”, diz Helliwell.
Por outro lado, são os fortes laços afetivos com familiares que colocam os latinoamericanos em posições altas no ranking, apesar da falta de confiança na sociedade em geral. 
A nação mais feliz da região é a Costa Rica, que aparece em 12º lugar, antes mesmo de Luxemburgo (14º) e do Reino Unido (15º). O Brasil está na posição 32, atrás do México (23º), do Chile (26º) e do Panamá (31º), mas antes de Uruguai (33º) e Argentina (47º).
O estudo também aponta que os níveis de felicidade na América Latina estão decrescendo, em parte graças à Venezuela (108º), que puxa a tendência para baixo. O país em crise despencou 85 posições do ranking de 2015 para este, o que a coloca próxima ao Senegal (111º), onde cerca de metade da população vive abaixo da linha da pobreza.
“Os dez países com as maiores quedas na avaliação média de vida tipicamente sofreram uma combinação de estresses econômico, político e social”, afirma o relatório.
Outro dado interessante é que os imigrantes se declaram, em geral, tão felizes quanto as populações nativas. No caso da Finlândia, estrangeiros são ligeiramente mais felizes do que os locais. 
“Embora os países de origem deixem marcas, os imigrantes tendem a adotar os valores locais. Isso mostra que o ambiente onde se vive é o que conta em como as pessoas avaliam as suas vidas. Não se trata de genética”, afirma Helliwell.
O título de país mais feliz do mundo pode soar estranho para uma nação que já foi conhecida por suas altas taxas de suicídio: 1.200 pessoas se mataram em 1990, o pico histórico. A cifra caiu para 824 em 2017, deixando a Finlândia um pouco acima da média anual da União Europeia.
Porém, de acordo com estudos anteriores de Helliwell, o número de mortes autoinfligidas não influenciam na medição do bem-estar das pessoas.

RANKING DA FELICIDADE 


1º    Finlândia 
2º    Dinamarca 
3º    Noruega
4º    Islândia
5º    Holanda
6º    Suíça
7º    Suécia
8º    Nova Zelândia
9º    Canadá
10º    Áustria
11º    Austrália
12º    Costa Rica
13º    Israel  
14º    Luxemburgo
15º    Reino Unido
16º    Irlanda
17º    Alemanha
18º    Bélgica
19º    Estados Unidos
20º    República Tcheca  (...)
23º    México
24º    França (...)
32º    Brasil
33º    Uruguai (...)
36º    Itália (...)
43º    Colômbia (...)
82º    Grécia (...)
85º    Nigéria (...)
91º    Líbano (...)
93º    China (...)
108º    Venezuela (...)
110º    Territórios Palestinos (...)
112º    Somália (...)
115º    Burkina Faso (...)
117º    Irã (...)
Fonte: World Happiness Report 

OUTROS RESULTADOS DO RANKING

  • Os americanos estão cada vez mais infelizes, apesar do aumento contínuo da renda per capita. O estudo vincula o resultado a uma ‘epidemia de vícios’: em compras, em ‘junk food’, em opioides e no uso excessivo de telas 
  • Quem está satisfeito com a própria vida tende a ter maior engajamento político. Há evidências em pesquisas nos EUA e no Reino Unido
  • É mais provável que quem se sente frustrado eleja líderes populistas. Pessimistas com o futuro votaram na conservadora Marine Le Pen nas eleições francesas de 2017 e escolheram pela saída do Reino Unido da União Europeia
 

Espetáculo contraria o prazer do autoengano brasileiro, Bernardo Carvalho, FSP

Desafio para a crítica do moralismo populista é escapar à armadilha da demagogia

Há duas semanas, me vi sentado durante uma hora e 40 minutos diante de três atores ingleses que, fantasiados de frangos amarelos, repetiam no palco o mesmo texto e a mesma cena, inspirada num desses jogos idiotas de auditório.
Enquanto um dos atores encarnava o apresentador, o outro pensava numa palavra que uma atriz, de olhos vendados, tinha que adivinhar. Depois de três tentativas frustradas, os três trocavam de papel e voltavam ao mesmo texto e aos mesmos erros, infinitas vezes, com pequenas variações, até a exaustão e o desespero. Em meio ao desconforto da plateia, comecei a desconfiar que, talvez, estivessem falando de nós.
Nós, brasileiros, já entendemos que o presidente que elegemos não peca pela inteligência. Nada tem a perder ou temer num país boçal, cujo projeto ele acalenta mais por intuição —por afinidade de grupo e instinto de sobrevivência— do que por estratégia.
Também já entendemos que sua eleição nada tem de revolução, a despeito do que dizem seus ideólogos; é antes um arrastão no Estado e nas instituições. Jogadas umas contra as outras, na inércia da incompetência e da ingovernabilidade, elas degringolam rumo ao caos no qual a estupidez e a arbitrariedade poderão enfim reinar livres de controle e entraves, sem necessidade de justificar excessos e exceções.
Já notamos que, no vácuo da ética, procuradores, juízes e ministros atropelam, sem pensar duas vezes, a deontologia de suas atribuições, sob o clamor da moral.
O caso da tentativa de acordo dos procuradores do Paraná com a Petrobras para a criação de um fundo bilionário sob sua jurisdição (sempre com o pretexto do combate à corrupção) é exemplar. Assim como a política ambientalista a serviço dos grandes proprietários rurais, a criminalização da educação em detrimento da educação e a concepção de um modelo de vida sexual e privado para os brasileiros, por um ministério encarregado dos direitos humanos.
Já sabemos que, no lugar do Estado laico como garantia do direito e da liberdade de culto, o governo Bolsonaro gostaria de impor a crença que lhe convém à totalidade da nação.
Já percebemos que o Brasil de Bolsonaro é o do ressentimento de um arrivismo moral contra tudo o que o contraria, que a entropia chancelada por sua eleição tem como divisa "cada um por si e nós por todos", em todas as instâncias, públicas e privadas. E que o limite desse arrivismo por enquanto ainda é a opinião pública. É natural que seu símbolo de justiça e de liberdade seja uma arma em minhas mãos.
Incompreensível seria que esperássemos outra coisa.
Espetáculo 'Mágica de Verdade', do grupo inglês Forced Entertainment
Espetáculo 'Mágica de Verdade', do grupo inglês Forced Entertainment - Divulgação
E é disso que fala "Mágica de Verdade" (Real Magic), do inglês Tim Etchells, com a companhia Forced Entertainment, provavelmente o espetáculo mais radical apresentado na MIT, há duas semanas.
A certa altura, depois de mais de uma hora repetindo em moto-contínuo a mesma cena, um ator passa a soprar a palavra que ele pensou ao ouvido do colega que precisa adivinhá-la. Chega a esfregar na cara do outro a palavra escrita, mas o outro, depois de observá-la com olhar bovino, continua dizendo a palavra errada, impermeável às evidências. Nessa hora, alguns espectadores começam a gritar, porque é insuportável. Gritam a palavra certa, o óbvio, o que todo mundo já viu, ouviu e entendeu, e que continua sem produzir nenhum efeito.
O maior desafio para a crítica do moralismo populista é escapar à armadilha da sua demagogia. Como é possível uma reflexão de verdade se não se pode contrariar o público? Como é possível uma reflexão de verdade que depende de agradar as crenças e os preconceitos do interlocutor? O que é que estamos realmente dispostos a ver, ouvir e entender?
"Mágica de Verdade" encena o círculo vicioso e impermeável do absurdo e da boçalidade. É tortura para a plateia, que procura não se reconhecer no palco. A insistência no absurdo mais tosco acaba revelando os parvos indefesos que o mantêm. São ao mesmo tempo agentes e vítimas das suas próprias ações, incapazes de romper a corrente automática e repetitiva à qual estão agrilhoados e de enxergar ou compreender o que têm diante dos olhos, porque isso significaria contrariar sua lógica e sua ilusão.
É um espetáculo corajoso, mas duríssimo de ver, justamente porque nos diz respeito, porque contraria o prazer do nosso autoengano inconsequente e do nosso consentimento suicida.
A título de curiosidade, o espetáculo foi apresentado no teatro do Sesi, no centro cultural da Fiesp, templo dos que não faz muito tempo ainda gritavam nas ruas que não iam pagar o pato.
Bernardo Carvalho
Romancista, autor de "Nove Noites" e "Simpatia pelo Demônio".