quarta-feira, 27 de julho de 2011

Crise econômica e o choque de gerações


O que ocorre é que os futuros adultos pagarão as contas das extravagâncias dos pais

21 de julho de 2011 | 0h 00
Thomas L. Friedman, The New York Times - O Estado de S.Paulo
Na realidade, eu deveria estar em Washington, observando o drama da dívida americana, mas optei por ficar na Grécia, para ver a sua versão "off-Broadway". Vários pontos referentes a esta tragédia global do endividamento podem ser analisados melhor daqui, embora em escala menor, a começar por seu enredo puro e simples, que ninguém descreveu melhor do que o acadêmico David Rothkopf, da Carnegie Endowment: "Quando a Guerra Fria acabou, achamos que haveria um choque de civilizações. Ocorre que, agora, está havendo um choque de gerações".
De fato, se temos a percepção de que as crises da Europa e dos Estados Unidos se assemelham é por causa da profunda sensação de que os "baby boomers têm-se comportado mal" - no sentido de que a geração que chegou à idade adulta nos últimos 50 anos, a minha geração, será lembrada em grande parte pela incrível generosidade e liberdade que recebeu dos pais e pelo incrível ônus da dívida e pelas dificuldades que deixa para seus filhos.
Não surpreende que os jovens gregos tenham reagido com tanta violência quando seu vice-primeiro-ministro, Theodoros Pangalos, referindo-se a todos os empréstimos e subsídios da União Europeia que alimentaram a orgia de gastos grega, depois de 1981, disse: "Todos nós nos fartamos" - querendo dizer, o povo e os políticos. Isto se aplica à geração grega nascida depois da 2.ª Guerra, hoje nos seus 50 e 60 anos.
Mas os que se tornam adultos hoje jamais chegarão a experimentar nem um bocado: eles receberão a conta. E estão muito conscientes disso.
Protestos. É o que se constata caminhando pela Praça Syntagma no centro de Atenas, onde os jovens agora se reúnem todas as noites para debater a crise e deixar registrado seu protesto contra o futuro que lhes está sendo imposto. As fachadas dos bancos ao redor da praça foram desfiguradas, e há duas bandeiras que se agitam no vento. Uma diz: "Funcionário do Ano do FMI" e tem a imagem do primeiro-ministro George Papandreou. A outra: "Funcionário do Ano da Goldman Sachs", com imagem do ex-ministro das Finanças George Papaconstantinou. (E estes são os bonzinhos, que procuram resolver o problema.)
Nas proximidades, há a imagem de uma criancinha, e diz: "Pai, de que lado você estava quando eles venderam nosso país?" E outras mais diretas: "Deixe a ira falar", "Guerra de classes, não guerra nacional", e, finalmente: "Vida, não apenas sobrevivência" - uma mensagem que é mais uma premonição sobre como será a próxima década para os jovens gregos.
Fiquei impressionado com a grande semelhança entre o que ouvi na Praça Tahrir, no Cairo, em fevereiro, e o que se ouve hoje na Praça Syntagma.
A palavra "justiça" é mais ouvida do que "liberdade". É que os cidadãos de ambos os países têm a profunda sensação de que foram roubados, a percepção de que, na última década, no Egito e na Grécia o capitalismo se revelou em sua pior deformação: fraudes, corrupção, favorecimento, que deixaram algumas pessoas fantasticamente ricas apenas por estar próximas do poder.
Por isso há urgência, não apenas de liberdade, mas de justiça. Ou, como diz Rothkopf: "Não apenas de responsabilidade, mas também de que as autoridades respondam pelos próprios atos".
"Ninguém faz piadas sobre a crise", comentou o romancista grego Christos Chomenidis. "Todo mundo está irritado. Parece que todos estão contra todos. Se a situação econômica se agravar cada vez mais, tenho medo do que poderá acontecer". Um dia desses, os taxistas gregos que estavam em greve tentaram abrir caminho à força até o gabinete do ministro da Infraestrutura - e ali descobriram que já estava tomado pelos próprios funcionários do ministério em greve.
Semelhança. Esta é mais uma das semelhanças entre a Grécia e os Estados Unidos: a impossibilidade de resolver as coisas básicas; o fato de os políticos da geração do "baby boom" não estarem talvez preparados para resolver problemas desta magnitude na era do Twitter. Há Eric Cantor em toda parte - políticos temerários nascidos depois da 2.ª Guerra para os quais nunca as crises são profundas a ponto de fazer com que eles abram mão da ambição política e da ideologia.
Mas a China está alerta: ela compra continuamente títulos espanhóis, portugueses e gregos para ajudar a estabilizar estes mercados de exportação chineses. "Vivemos em tempos muito delicados, e nós assumimos um papel positivo", disse em janeiro Yi Gang, vice-presidente do Banco Popular da China, ao jornal britânico The Guardian.
Este é o papel que cabia antes aos Estados Unidos, que agora não o podem mais exercer. Os que acham que, se esta crise econômica se prolongar, não acelerará também um deslocamento do poder global, nunca ouviram falar da regra de ouro: Quem tem ouro, dita as regras.
"Estamos acostumados a ver os americanos estabelecendo as regras para a Europa e liderando", disse Vassilis T. Karatzas, um gestor de fundos grego. "Mas o que acontecerá se ambos estivermos no mesmo barco?" O que acontece é que tanto os sonhos americanos quanto os europeus dependem de um futuro incerto. Ou todos nós adotamos modelos de crescimento mais sustentáveis para nossas nações - que exigirão cortes, impostos e investimentos no futuro - ou olharemos para um mundo no qual as democracias se voltarão contra si mesmas, lutando cada vez por bolos menores, enquanto a China terá cada vez mais autoridade para estabelecer o tamanho das fatias do bolo. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
É COLUNISTA, ESCRITOR E GANHADOR DO PRÊMIO PULITZER 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Diesel de cana chega às ruas paulistas


Mercedes-Benz testa combustível menos poluente que diesel comum 

01 de maio de 2010 | 18h 50
Cleide Silva, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Uma minifrota de ônibus começa a rodar em São Paulo este mês com um combustível feito de cana-de-açúcar que resultou em um inédito tipo de diesel, bem menos poluente do que o produto comum. A Mercedes-Benz, maior fabricante brasileira de ônibus e caminhões, vai testar o combustível que, futuramente, poderá ser usado em larga escala.
Os testes internos feitos pela empresa, com fábrica em São Bernardo do Campo (SP), provaram que o diesel da cana emite 9% menos material particulado na atmosfera – aquela fumaça preta que sai dos escapamentos – em relação ao diesel de petróleo, o mais poluente dos combustíveis fósseis.
O diesel de cana, praticamente isento de enxofre, começou a ser desenvolvido há dois anos pela empresa americana Amyris, cuja subsidiária brasileira abriu um laboratório em Campinas (SP). O produto chega aos tanques dos veículos inicialmente numa porção de 10% misturada ao diesel derivado do petróleo. A Mercedes-Benz vai ampliar a mistura gradativamente, até chegar aos 100%.
"Só com os 10% misturados ao diesel utilizado em São Paulo, o S50, com 50 ppm (partes por milhão) de enxofre, já conseguimos um grande resultado, que é o de uma queda de 9% na emissão de material particulado", informa Gilberto Leal, gerente de desenvolvimento de motores da Mercedes-Benz.
A redução na emissão já foi comprovada em testes internos feito pela montadora, que agora vai verificar o comportamento do combustível nas ruas. Vários ônibus que percorrem regiões centrais da cidade, onde congestionamentos e poluição são elevados, vão rodar com a mistura de 10% de diesel de cana. A performance desses veículos será comparada à de ônibus que fazem o mesmo percurso abastecidos com diesel comum.
Emissão menor
Em testes de laboratório, o uso de 100% de diesel de cana mostrou redução de mais de 30% na emissão de poluentes. Leal afirma que o produto poderá abastecer também outros tipos de veículos, como caminhões e utilitários. O motor do veículo não precisa ser adaptado para rodar com o novo combustível. A expectativa é de que o custo na bomba seja igual ou inferior ao do diesel comum.
Além do diesel de cana, a Mercedes-Benz testa no País diferentes misturas do biodiesel e busca parcerias em universidades para desenvolver o biodiesel de segunda geração, feito com restos de madeira, cascas de árvores etc., fórmula que não compete com o biodiesel feito de grãos de alimentos.
Além de benéfico ao meio ambiente, o novo diesel poderá ajudar o Brasil a vencer uma antiga barreira, a da exportação de combustível derivado da cana, negócio que não teve o resultado esperado com o álcool – ou etanol, como passou a ser chamado para ganhar visão no mercado internacional.
Carros que utilizam 100% de etanol nos tanques só existem no Brasil. Vários países adotam uma mistura do produto de, no máximo, 10%. Os EUA têm uma proporção maior, de 85%, mas o álcool é feito de beterraba e seu uso é restrito. Já o diesel move a maioria dos automóveis nos países europeus. No Brasil, os carros de passeio são proibidos de rodar com diesel. "O diesel de cana é uma solução energética muito boa e pode abrir as portas ao País para a exportação", diz Leal. "É um tremendo achado, pois pode atuar na redução de emissões e também ser alternativa ao petróleo."
Quando inaugurou o laboratório em Campinas, a direção da Amyris informou que a meta era produzir 400 milhões de litros em 2010 e 1 bilhão de litros em 2012. A intenção das empresas é usar o diesel de cana inicialmente como mistura, por causa da baixa produção.
  

Urge bom senso nas negociações salariais


17 de julho de 2011 | 0h 00
Sérgio Amad Costa - O Estado de S.Paulo
Boa oferta de emprego, inflação ameaçando o País e desaceleração da economia compõem o cenário para este segundo semestre. Exageros são esperados nas reivindicações salariais. Cerca de 7 milhões de trabalhadores serão representados por seus sindicatos nas campanhas para as convenções ou acordos coletivos de trabalho. Categorias muito bem organizadas têm data-base nesse período: petroleiros, bancários, metalúrgicos, químicos, entre outras.
Trata-se de cenário que faz crer na possível ocorrência de uma onda de movimentos paredistas, em busca de maiores salários. Centrais sindicais já acenam para tal possibilidade. Alguns dirigentes de sindicatos estão procurando inflamar o movimento com declarações equivocadas. Uma delas é a de que há um sentimento dos trabalhadores de que o Brasil cresceu e eles não receberam nada em troca. Assim, existe uma predisposição para uma campanha salarial mais exigente.
Equivocam-se esses dirigentes, pois o País cresceu economicamente e houve, sim, um retorno salarial para os trabalhadores em geral. Podemos citar, como exemplo, o que ocorreu em 2010. Segundo o Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), no ano passado, 93% dos pisos salariais, definidos em 660 convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho, tiveram aumento acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Alguns pisos chegaram a ter 8% de aumento real, fora o reajuste da inflação.
Também tiveram ganhos reais, em 2010, os trabalhadores de faixas salariais mais elevadas. Ou seja, 87% das 700 negociações coletivas acompanhadas pelo Dieese obtiveram aumento real de salários, isto é, acima da inflação. Cumpre ressaltar que foi a maior porcentagem de acordos com aumento real observada em toda a série iniciada em 1996.
Outra declaração equivocada de vários dirigentes sindicais e que provoca um ambiente desfavorável para o diálogo nas negociações é que "salário não gera inflação e ponto final". Ora, dependendo de como é concedido o aumento salarial, em função do contexto em que ele ocorre, pode, sim, gerar inflação.
Os acréscimos reais de salários, para não contribuírem para um processo inflacionário, devem ser acompanhados por ganhos de produtividade e sintonizados ao contexto do mercado interno e externo, variando de setor a setor da economia. Os salários sendo elevados e a produtividade permanecendo a mesma, obviamente alguém terá de pagar por esse desequilíbrio. Esse alguém é o consumidor. E, vale lembrar, quem recebeu esse aumento salarial, desacompanhado de crescimento da produtividade, é também um consumidor. No final, ninguém ganhou, todos perderam.
Finalmente, para as próximas negociações salariais, não podemos esquecer de outro componente que está ameaçando, e muito, o equilíbrio inflacionário no País: trata-se da indexação que foi feita no salário mínimo, mediante a Lei n.º 12.382, de 25 de fevereiro de 2011. O reajuste no início de 2012 levará em conta a variação do INPC acumulada nos 12 meses anteriores ao mês do reajuste. Também será utilizado, para o cálculo, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano de 2010, que foi de 7,5%. Portanto, o aumento será de cerca de 14%.
O problema não está no valor do reajuste do mínimo, mas, sim, na forma na qual se concede tal aumento. Essa é uma modalidade baseada nos nossos antigos gatilhos salariais e que, com certeza, afetará diretamente os preços dos produtos e dos serviços. Será que algum dirigente sindical, em sã consciência, duvida de que os reajustes nos preços acontecerão também automaticamente?
Assim, faz-se necessário que tanto os sindicatos quanto as empresas tenham muito bom senso nessas próximas negociações salariais, levando em conta o cenário atual da economia, que está sob a ameaça real da volta da inflação. Caso contrário, correremos o risco de perder essa estabilidade econômica, que com tanto esforço conquistamos nesses últimos 16 anos.
PROFESSOR DE RECURSOS HUMANOS E RELAÇÕES TRABALHISTA DAS FGV-SP 

Tópicos: EconomiaVersão impressa

O Brasil em melhor posição no mercado de petróleo


17 de julho de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
O Brasil deverá produzir, no ano que vem, 2,4 milhões de barris de petróleo por dia, segundo o Oil Market Report, da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), distribuído quarta-feira. Haverá um acréscimo de 175 mil barris/dia, em relação a este ano, e o País será o maior responsável pelo aumento da oferta de petróleo na América Latina, estimado em 270 mil barris/dia.
O acréscimo da produção virá, em especial, das novas áreas de desenvolvimento em águas profundas, "incluindo volumes da camada pré-sal". Os gráficos publicados pela IEA indicam já neste semestre um aumento da extração de petróleo brasileiro.
Em 2012, será maior o peso dos países que não são membros da Opep (o cartel dos exportadores) e que deverão aumentar a produção em 0,9 milhão de barris/dia, contribuindo para o equilíbrio do mercado global. Em destaque estão o Brasil e também o Canadá, a Austrália, a Colômbia, a China e o Iêmen.
A produção mundial de petróleo atingiu 88,3 milhões de barris por dia, no mês passado, com crescimento de 1,2 milhão em relação a maio, enquanto a demanda média deste ano é calculada pela IEA em 89,5 milhões de barris. Não há surpresa, portanto, na manutenção de cotações elevadas da commodity, próximas de US$ 95 para o barril do tipo WTI e de US$ 116 para o do tipo Brent, apesar das flutuações conjunturais.
Na quinta-feira, o presidente do Fed, Ben Bernanke, anunciou que não haverá medidas adicionais de estímulo à economia - que costumam encorajar a alta dos preços das commodities. (Mas, anteontem, as cotações do WTI e do Brent voltavam a subir, respectivamente, para US$ 97,24 e US$ 117,26 o barril, no mercado futuro de agosto.) Há um ano, os preços dos dois tipos oscilavam entre US$ 70 e US$ 80.
O aumento da produção de óleo bruto, combinado com preços elevados, tende a favorecer o Brasil, em 2012, sobretudo se houver mais equilíbrio entre oferta e demanda de álcool, evitando que continue a tendência de troca do álcool pela gasolina.
O Brasil, alertam os técnicos da IEA, enfrenta problemas com o aumento dos custos e com dúvidas acerca da capacidade da indústria de suprimentos e de serviços de "atender ao cronograma de um ambicioso projeto com conteúdo local obrigatório". O relatório também registra que a Petrobrás, recentemente, adiou de novo a publicação do plano de negócios 2011-2015, "supostamente por disputas sobre os custos" e pelos temores do governo quanto a "preços mais elevados para a gasolina e inflação". 


terça-feira, 19 de julho de 2011

A diferença entre poupar e dever R$ 100



19 de julho de 2011 | 10h09
Yolanda Fordelone
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Fonte: André Lessa/ AE
Já se completaram 17 anos desde o início do Plano Real, mas você sabe qual a diferença entre estar investindo ou devendo durante todo este período? O assessor de investimentos da corretora XP Investimentos, Bernardo Marotta, fez uma comparação simples: um correntista que depositou R$ 100 na poupança em qualquer banco, no dia 1º de julho de 1994 (data de lançamento do Real) e um inadimplente que estava devendo os mesmos R$ 100 no cheque especial desde esta data.
O correntista teria hoje a quantia de R$ 374. Achou pouco? Bom, mas é melhor do que estar devendo. Quem estava no cheque especial hoje teria uma dívida de R$139.259.
“Ou seja, com R$ 100 do cheque especial, ele ficaria devendo nove carros populares, e com o da poupança conseguiria comprar apenas um pneu”, diz o assessor.
Segundo ele, as duas maiores bandeiras de cartão de crédito – Visa e Mastercard -atualmente tem juros de 10,40 % ao mês e 11,40 % ao mês, respectivamente.
Em contrapartida a tradicional caderneta remunera o investidor em 0,5% mais variação da Taxa Referencial (TR), o que significa aproximadamente 0,60 % ao mês.

''É preciso uma nova grande concepção''

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Ao completar 80 anos, o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso insiste em cobrar do governo um plano de desenvolvimento

17 de julho de 2011 | 0h 00
Alexandre Rodrigues e Fernando Dantas / RIO - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA
Wilton Junior/AE
Wilton Junior/AE
Perspectiva. João Paulo dos Reis Velloso, que comemora 80 anos: 'É preciso levar o conhecimento a todos os segmentos da sociedade, para evitar exclusões'
João Paulo dos Reis Velloso, ex-ministro do Planejamento, coordenador do Fórum Nacional / Instituto Nacional de Altos Estudos
Num constante diálogo entre o passado e o futuro, o economista João Paulo dos Reis Velloso completou 80 anos na semana passada. Ministro do Planejamento nos governos de Emílio Garrastazu Médici e de Ernesto Geisel, entre 1969 e 1979, Reis Velloso experimentou a euforia do milagre brasileiro e a frustração da crise do petróleo em sua década de poder. Fundador e primeiro presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), não quis se aventurar na política partidária, mas se integrou à democracia numa espécie de militância por um projeto de País.
À frente do seu Fórum Nacional, não deixa faltar sugestões. Com a fala pausada que lhe é característica, não costuma ouvir recusas a um convite para os debates que organiza. Respeitado por economistas de todas as tendências, faz questão de registrar o telefonema recebido do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto no dia do seu aniversário. Logo depois de receber o Estado para uma entrevista, abre os braços para receber outros parabéns, dessa vez da atriz Fernanda Montenegro, que o espera em sua antessala atendendo ao seu chamado para pensar alternativas econômicas para o teatro.
Apaixonado pelas artes, planeja para o livro que está escrevendo o mesmo título de um filme. Em A solidão do corredor de longa distância, retoma o preciso diagnóstico de que o Brasil ainda não conseguiu subir no pódio do desenvolvimento.
Por que o título do novo livro?
O Brasil era um corredor (solitário), mas isso não foi suficiente para nos tornar um país desenvolvido. A China ainda não havia acordado. Era preciso continuar correndo àquele ritmo. Só que depois houve uma transição, de 1979 a 1984, e em 1985 tivemos o início da geração que nunca viu o País crescer em termos de renda per capita. Houve o plano Cruzado e depois a inflação bárbara. Logo em seguida veio o choque dos choques, o plano Collor. Felizmente, veio o plano Real e o Brasil fez do combate à inflação num valor universal. Crescimento e desenvolvimento, que são coisas diferentes, também devem ser valores universais.
Isso não aconteceu com o Plano Real?
Nos anos 90, houve importantes transformações, abertura da economia, métodos modernos de administração de empresas, mas não havia estratégia de desenvolvimento. (O ex-secretário de Estado americano Henry) Kissinger disse: "Países que não têm grandes concepções estão destinados ao fracasso". Nós tivemos três presidentes com grandes concepções: Getúlio Vargas, Juscelino (Kubitschek) e (Ernesto) Geisel. Não havia relação entre eles, inclusive no governo Geisel nós criticávamos certas coisas do Vargas e o Plano de Metas do JK, mas neles havia um projeto de Brasil. Outros foram governos de transição que fizeram mudanças suficientes para prosseguir naquela trajetória do corredor de longa distância. Por isso o Brasil não chegou a se tornar desenvolvido.
Por que não inclui Lula?
O governo Lula é uma coisa diferente. Ali é "Lula é nosso". As classes de mais baixa renda acham que o Lula está do lado deles, não foi só o Bolsa Família. Com Getúlio também era assim. Quando ele morreu, as forças que o apoiavam certamente perderiam a eleição. Se a UDN tivesse ficado quietinha, teria ganhado a eleição, mas cometeu a bobagem de forçar a barra e o Getúlio, que queria entrar para a História, se suicidou. No dia da morte dele, a situação mudou inteiramente. O Rio, lembro-me bem, estava repleto de gente nas ruas, chorando. Porque o Getúlio é nosso, se dizia. Assim é com Lula.
E o projeto de nação?
Vejo, como já disse, uma espécie de recriação do crescimento, mas é preciso vir agora uma nova grande concepção, definir o que será esse quarto grande projeto de Brasil. É o que digo ao governo.
A presidente Dilma poderá entrar na sua lista tríplice, apresentando um quarto projeto de País? Eu proponho que o atual governo seja o quarto com uma grande concepção de Brasil, porque temos as condições de fazer isso agora. Não há país no mundo que tenha as grandes oportunidades que o Brasil tem, em setores intensivos em recursos naturais e em grandes tecnologias do século 21. E há outra coisa, que é a economia do conhecimento. Tenho ali 30 livros sobre isso e fiz um modelo para o Brasil com duas dimensões. Primeiro, levar o conhecimento sob todas as formas a todos os setores da economia, para que não haja mais setores primários, de baixo conteúdo tecnológico. Hoje, é por isso que o agronegócio é supercompetitivo e aguenta até a taxa de câmbio que nós temos. Segundo, levar o conhecimento a todos os segmentos da sociedade, para evitar as exclusões. É fazer a inclusão digital, universalizar a educação de boa qualidade. É preciso usar a economia do conhecimento para aproveitar as oportunidades.
Vê no governo Dilma a capacidade de aproveitá-las?
Muitas dessas oportunidades já estão sendo aproveitadas, parcialmente. Quero que seja em grande escala. Por exemplo, o pré-sal. Será muito melhor aproveitado se for feito um complexo industrial em torno dele. O mesmo é a agroindústria. E o Brasil já tem a melhor matriz energética do mundo, com o potencial hidroelétrico e os biocombustíveis. Precisamos ainda desenvolver um transporte de massas à base de trilhos, que é o que se faz em toda parte do mundo. Essa base de ônibus é uma invenção brasileira, não existe em lugar nenhum.
Por falar nisso, o senhor é a favor do trem-bala?
Se você tem a ponte aérea, que leva trinta a quarenta minutos, isso não é competitivo. Vai custar uma fortuna. Acho que realmente é um trem fantasma. E pior: vai ocupar o leito da Leopoldina (linha férrea do Rio), em lugar de uma linha de metrô ou um trem de subúrbio.
O senhor é conselheiro do BNDES, que tem sido muito criticado. O banco está cumprindo seu papel no aproveitamento das oportunidades que o senhor cita?
Isso você tem de perguntar a eles. A função do conselho é dar orientações gerais, mas acredito que a diretoria do BNDES está consciente do que deve fazer. Quero deixar claro que considero importante apoiar os grandes grupos brasileiros para se internacionalizarem. Estamos em uma economia globalizada. Se você não tem grandes empresas, você não é competitivo. Agora isso não tem a ver com empresas que funcionam internamente...
Como supermercados, por exemplo?
Isso aí vocês se entendam com o BNDES, mas ele desistiu nesse caso (fusão Pão de Açúcar e Carrefour). O BNDES examina, pode aprovar ou não. Agora a ideia em si de apoiar empresas brasileiras a se internacionalizarem é importante. Em certos setores, como o de Tecnologia da Informação, um dos grandes problemas do Brasil é não ter grandes empresas. É preciso ter, para que sejam competitivas no mundo globalizado. O que os livros chamam de oligopólios competitivos.
Por que o senhor tem incluído temas como "sentido da vida" e "busca da felicidade" no Fórum Nacional?
O desenvolvimento é global ou não existe. É um desenvolvimento humanista, como aquele humanismo renascentista: econômico, social, político, ambiental, cultural e, eu acrescento, espiritual para quem quiser. O conhecimento é muito importante. Cria oportunidades e aumenta a liberdade do homem, dá mais alternativas. A cultura transforma. Quando fizemos um fórum com dez líderes de favelas, todas pediram cultura. O favelado é o sem Estado. De um lado, não há lei e ordem. Do outro, não há social. Tem de haver UPP, mas também centro de inclusão social, com qualificação para o trabalho, apoio a busca de oportunidades. E tudo isso para quê? Aquilo que você mencionou: o sentido da vida é a busca da felicidade.