terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A energia é branca


Mais um grande rio da maior bacia hidrográfica do planeta está sendo barrado pelo homem. No início deste mês, uma barragem de terra começou a avançar sobre o leito do rio Xingu, no Pará, dentre os maiores do mundo. A represa vai desviar o fluxo da água para permitir que os construtores da barragem de concreto trabalhem em seco.
Em mais dois anos eles pretendem erguer ali a maior de todas as hidrelétricas já criadas pelo homem, com capacidade nominal de gerar mais de 11 mil megawatts. A usina de Belo Monte acrescentaria então mais 15% de energia ao sistema nacional, o maior de origem hidráulica dentre todos os países. A água ainda propicia a energia mais barata de que se dispõe na Terra. E, embora sob crescente ceticismo, também a mais limpa.
Contra críticos e opositores, o governo federal já decidiu: extrairá da Amazônia toda energia que seus rios poderão fornecer. Tanto para transferi-la — por longas distâncias — para as áreas de maior demanda como para atrair novos empreendimentos eletrointensivos de todas as partes. É uma investida tão grandiosa quanto a que se empreende na região do Cáucaso, na antiga União Soviética (mas tangenciando a Rússia, a mais poderosa das repúblicas socialistas da URSS), com outro energético: o petróleo.
A interferência humana nos caudalosos rios amazônicos começou no final dos anos 1960, durante o "milagre econômico" promovido pelo regime militar. Mas o alvo eram dois pequenos rios, o Curuá-Una, no Pará, e o Araguari, no Amapá. Neles surgiram duas diminutas usinas, que funcionam com água corrente, sem formar reservatórios para acumulá-la. São a fio d'água, conforme a expressão dos engenheiros.
A primeira grande intervenção humana começou em 1975, sobre o leito do Tocantins, o 25º maior rio do mundo, com mais de dois mil quilômetros de extensão. Foi uma epopeia, sob todos os sentidos, bons e ruins. O momento mais dramático aconteceu em 1980.
A Eletronorte construiu uma ensecadeira de terra com capacidade para suportar a pressão de 50 milhões de litros de água por segundo. Era o máximo que se imaginava que o rio podia vazar, com base em estimativas científicas. Mas a vazão do Tocantins surpreendeu: foi a 68,5 milhões de litros de água por segundo. Por pouco a ensecadeira não foi arrastada — e com ela, cinco anos de trabalho e centenas de milhões de dólares já gastos.
O rio Xingu tem quase a grandeza do seu vizinho Tocantins, em extensão e em vazão, embora sofra estiagem mais forte durante o verão, quando sobra um fio d'água entre pedras e ilhas. Esta é a fase em que ele cresce e extravasa, por causa das chuvas que caem nas suas cabeceiras e dos seus afluentes. É o inverno amazônico, caracterizado pelas enxurradas pesadas.
O nível do rio está bem acima do normal das cheias de janeiro. É sinal de que as inundações poderão ser mais rigorosas. Algumas providências já estão sendo tomadas para evitar maiores prejuízos. Uma das ameaças do rio é à ensecadeira.
Ela começou a ser formada numa época adversa, justamente quando começam os "torós", verdadeiros dilúvios. Mas o consórcio construtor de Belo Monte deve ter preferido enfrentar a natureza a correr o risco de nova paralisação forçada ou de restrição às obras.
Para poder iniciar o desvio do rio, a Norte Energia teve que derrubar uma medida judicial que a impedia de trabalhar no leito do Xingu. Ela tinha que se limitar a operar nas margens, com trabalhos complementares e acessórios. Mal a ordem foi suspensa, tratou de colocar uma grande frota de tratores em serviço, jogando terra nas águas e abrindo estrada numa ilha situada no meio do rio, montando estruturas.
O juiz federal que concedeu a liminar, colocando a construtora fora do Xingu, sob a alegação de que as obras iam acabar com a pesca ornamental no local, foi o mesmo que voltou atrás, logo em seguida, já convencido de que não há essa atividade. Ou ao menos não ao alcance da hidrelétrica.
Agora, se ele mais uma vez voltar atrás, quando examinar o mérito da ação dos declarados pescadores, dificilmente sua decisão poderá ter efeito prático. O avanço da obra humana sobre o vau de um rio como o Xingu constitui fato consumado. Revertê-lo é possível e factível, mas não é a regra. Muito pelo contrário. Os engenheiros que levantam barragens sabem muito bem disso.
O governo também. Polêmicas e incidentes como os que se registram em Belo Monte se repetiram no rio Madeira, que é ainda maior. Mas a usina de Santo Antônio está entrando em operação comercial quatro anos antes do cronograma original.
Jirau, com o retardamento provocado pelo quebra-quebra no canteiro de obras no ano passado, ainda assim segue pelo mesmo caminho. As duas terão quase metade da potência nominal de Belo Monte, mas irão gerar efetivamente mais durante o ano porque o Madeira tem uma vazão maior e mais regular (é o mais importante tributário do fantástico Amazonas).
Logo será a vez de outro grande afluente da margem direita do maior e mais volumoso rio do mundo. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2) prevê que seis hidrelétricas no Tapajós, o último grande rio no oeste do Pará, fornecerão tanta energia quanto Tucuruí, hoje a maior usina inteiramente nacional, que responde por 8% do crescente consumo brasileiro de energia. Aí então virá o Araguaia — e qual mais em seguida?
Duas coisas surpreendem nessa corrida desabalada a grandes fontes de energia: o barulho que provocam quando são anunciadas e o silêncio no qual seguem quando, consumados os fatos, Inês é morta e a obra vai em frente, sem lenço, sem documento e sem uma fita amarela.
Para consolidar a Amazônia como a maior província energética da terra, o equivalente verde dos campos de petróleo do Oriente. O verde da floresta, porém, transformado em hulha branca — e em seus vários derivados multicoloridos. Quando não, negros.
O início do desvio das águas do Xingu só foi possível graças à derrubada de uma liminar que proibia o Consórcio de Belo Monte a realizar quaisquer obras no leito ro rio. Em meados do ano passado, a Associação dos Exportadores de Peixes Ornamentais de Altamira (Acepoat) impetrou uma Ação Civil Publica argumentando que Belo Monte acabará com a pesca ornamental, tendo recebido uma liminar favorável no final de setembro. Em dezembro, o mesmo juiz que deu a liminar reviu sua decisão e derrubou a liminar, acatando o argumento da Norte Energia de que não haveria pesca ornamental no Xingu. Diante do absurdo do argumento, a Acepoat afirmou que recorrerá da decisão.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

As ideias simples são as melhores





negócios & carreira
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10/09/2008 - 18:29 - ATUALIZADO EM 02/06/2009 - 20:47
"As idéias simples são as melhores"
Para o consultor americano, quem se concentra no essencial tem mais chance de sucesso
MARIA LAURA NEVES
Um dos maiores desafios – nas empresas e na vida – é entender por que algumas idéias simples que custam pouco costumam fazer mais sucesso que as ações que envolvem milhões em dinheiro. No livro Idéias Que Colam (Ed. Campus/Elsevier), publicado recentemente no Brasil e um dos mais vendidos na área de negócios nos Estados Unidos, o consultor americano Dan Heath, em parceria com seu irmão Chip Heath, pesquisador da Universidade Stanford, na Califórnia, procura lançar luz sobre a questão. Segundo eles, as boas idéias têm pontos em comum que, se forem seguidos, aumentam as chances de bons resultados. “As idéias bem-sucedidas são simples, concisas e trasmitem apenas uma mensagem essencial”, afirma Dan Heath. Ele diz que a criatividade não é um privilégio restrito a um pequeno grupo de iluminados, mas algo que se pode aprender na escola. 

























Califórnia, procura lançar luz sobre a questão. Segundo eles, as boas idéias têm pontos em comum que, se forem seguidos, aumentam as chances de bons resultados. “As idéias bem-sucedidas são simples, concisas e trasmitem apenas uma mensagem essencial”, afirma Dan Heath. Ele diz que a criatividade não é um privilégio restrito a um pequeno grupo de iluminados, mas algo que se pode aprender na escola. 


Dan Heath
QUEM ELE É
Nasceu em Houston, Texas, em 1973. Consultor, hoje, mora em Raleigh, na Carolina do Norte
ONDE ESTUDOU
Formou-se em Artes pela Universidade do Texas. Obteve o MBA na Universidade Harvard. Foi pesquisador do Centro de Empreendedorismo da instituição
O QUE FAZ
Desde 2005, trabalha na Duke Corporate Education, empresa de consultoria ligada
à Universidade Duke. Em 1997, fundou
a Thinkwell, editora de livros virtuais
para faculdades
 




ÉPOCA – Por que algumas idéias colam e outras não? 
Dan Heath
 – Em nossa pesquisa, eu e meu irmão concluímos que as idéias que colam têm seis princípios em comum. Primeiro, elas são simples, concisas e transmitem apenas uma mensagem essencial. Costumamos dizer que quem fala muito não fala nada. Segundo, as boas idéias são surpreendentes, inesperadas e imprevisíveis. Terceiro, são concretas, podemos visualizar o que está sendo descrito. Quarto, elas têm credibilidade e o público pode acreditar nelas. Quinto, também têm um apelo emocional. E, por último, são contadas como histórias, relatos. Todas as tradições religiosas são baseadas em histórias.


ÉPOCA – Quais são os melhores exemplos de idéias que colaram? 
Heath
 – As lendas urbanas são exemplos clássicos. Colam por seus próprios méritos e peculiaridades. Elas não recebem dinheiro nem contam com o esforço de um batalhão, mas colam no mundo inteiro. No início do livro, citamos uma lenda famosa. É aquela em que o turista de negócios toma um drinque oferecido por uma desconhecida numa mesa de bar, perde a memória e acorda deitado numa banheira cheia de gelo, sem um rim. Nos Estados Unidos, todo mundo conhece essa história e é provável que ela seja muito conhecida também no Brasil. No Japão, há uma que diz que a Coca-Cola descalcifica os ossos. Muitos pais não deixam as crianças tomar a bebida por causa disso. Nos Estados Unidos, quando o Kentucky Fried Chicken (rede americana de restaurantes especializada em frango frito) mudou de nome para KFC, muita gente passou a dizer que era porque eles não vendiam frango, mas carnes de outros animais, como ratos. Os provérbios também são bons exemplos. Não são tão assustadores como as lendas urbanas e têm um significado real e útil por trás. “Mais vale um pássaro na mão que dois voando” é um deles. É um provérbio que existe em diversos países de línguas e culturas diferentes.


ÉPOCA – Como isso pode ser aplicado ao mundo dos negócios? 
Heath
 – A rede americana de lanchonetes Subway fez uma ótima campanha de publicidade. Lançou uma linha de sanduíches que tinham 6 gramas a menos de gordura que os convencionais. Um universitário que pesava 192 quilos topou participar da campanha e só comia Subway no almoço e no jantar. Ele perdeu 111 quilos, e as vendas da Subway cresceram acima da média do setor nos dois anos seguintes à campanha. É uma história simples, crível, inesperada, concreta e tem um forte apelo emocional. É uma história de vitória.


ÉPOCA – O senhor pode dar um exemplo de idéia que não cola? 
Heath
 – A missão que as empresas costumam impor aos funcionários não cola. São mensagens chatas, confusas, sem cor... Não conheço nenhum funcionário que acorde de manhã motivado para trabalhar por causa da missão da empresa.


ÉPOCA – O que faz com que as idéias fracassem? 
Heath
 – Nós tentamos nos comunicar muito. Geralmente, queremos dividir tudo o que pensamos. É muito difícil deixar coisas interessantes de lado para que a idéia principal brilhe sozinha. Outro exemplo é que tendemos a fazer abstrações e a usar uma linguagem conceitual nas empresas: valor do acionista, qualidade, inovação.... Se queremos aumentar a satisfação do cliente – e isso é uma abstração –, precisamos agir de modo concreto. Sorrir para o cliente é concreto. Contratar mais pessoas para servir o cliente é concreto. Outro erro comum é ter mais foco na forma da apresentação que no conteúdo.


ÉPOCA – O senhor diz que é possível estimular a criatividade. Como? 
Heath
 – A criatividade, definitivamente, é algo que se pode ensinar. Pode acreditar que isso não é uma ilusão, um mito. Em nosso livro, contamos a história de um grupo de pesquisadores israelenses que fez um estudo das campanhas publicitárias criativas e de sucesso. Descobriu-se que elas são mais previsíveis do que parecem. Todas tinham em comum os seis princípios de que falamos no livro. Para verificar se é possível ensinar criatividade, eles fizeram o seguinte teste: reuniram três grupos de publicitários novatos e destinaram a eles a tarefa de fazer campanhas publicitárias. O primeiro grupo não recebeu nenhum treinamento. O resultado foi que os consumidores classificaram as campanhas como irritantes. O segundo grupo fez reuniões coletivas para incentivar a livre associação de idéias, o método mais comum de estimular a criatividade. Foram consideradas menos irritantes que as primeiras. O terceiro grupo foi treinado com o método dos seis princípios. Suas campanhas foram consideradas as mais criativas.


"Não conheço nenhum funcionário que acorde de manhã motivado para trabalhar por causa da missão da empresa"


ÉPOCA – Ao seguir normas rígidas não podemos limitar nossa criatividade? 
Heath
 – É importante dizer que não existe uma regra para fazer com que as boas idéias colem. Existem, apenas, pontos em comum entre elas. Quando os seguimos, as chances de a idéia colar são maiores.


ÉPOCA – Na era da interatividade total, da internet, o que muda em sua teoria? 
Heath
 – Os princípios básicos das boas idéias não mudam. Continuarão os mesmos por milhares de anos. A única coisa que as novas tecnologias fazem é dar voz a mais pessoas.


ÉPOCA – Como podemos saber se nossa idéia colou ou não colou? 
Heath
 – Um teste simples é perceber se, algumas semanas depois de fazermos uma apresentação ou um discurso, as pessoas estão falando de nossas idéias. É preciso fazer perguntas ao público. É um método simples, mas muito eficaz, de saber se uma idéia colou.


ÉPOCA – Essa teoria pode ser aplicada a qualquer idéia? 
Heath
 – Sim. Identificamos esses princípios em lendas urbanas, provérbios, campanhas de marketing, publicidade, palestras, discursos, apresentações. Nossa intenção ao escrever o livro é ajudar o gerente que precisa se comunicar bem com os subordinados, o professor que precisa se comunicar bem com os alunos, os pais que precisam se comunicar bem com os filhos.


ÉPOCA – O senhor pode contar uma idéia sua que não colou? 
Heath
 – Tenho uma empresa que faz livros virtuais para faculdades americanas. Quando estava tentando captar dinheiro para montar o negócio, fazia um discurso prolixo para os investidores. Eu falava sobre educação, sobre o mercado, sobre os livros, sobre nossa visão editorial. Até que um amigo me disse que eu precisava ser mais conciso e mais direto. Disse que aquilo era ridículo. É muito doloroso você ouvir que é um chato. Mas tive sorte por alguém ter me avisado sobre isso. Mudei minha maneira de falar e consegui captar mais dinheiro depois dessa sugestão.

E você já teve uma grande idéia que colou? Clique na seção de comentários, no final da matéria, e conte para a gente de onde ela veio e como ela é.

Dívida sobe em 2011 para R$ 1,866 tri, diz Tesouro



DPF, que inclui as dívidas interna e externa, apresentou alta de 10,17% no ano passado

30 de janeiro de 2012 | 10h 23
Célia Froufe e Adriana Fernandes, da Agência Estado
BRASÍLIA - A Dívida Pública Federal (DPF), que inclui as dívidas interna e externa, apresentou alta de 10,17% em 2011, atingindo um total de R$ 1,866 trilhão. A DPF é a soma das dívidas interna e externa. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira, 30, pelo Tesouro Nacional. Só no mês passado, a alta foi de R$ 33 bilhões na comparação com novembro.
O crescimento foi menor do que o verificado de 2009 para 2010. Em 2009, a DPF chegou ao final do ano em R$ 1,497 trilhão e, em 2010, em R$ 1,694 trilhão, o que representou um aumento de R$ 196,65 bilhões de um ano para o outro, ou alta de 13,13%.
Em 2011, a DPF subiu R$ 172,316 bilhões. O crescimento só não foi mais elevado porque o Tesouro Nacional fez um volume maior de resgate de títulos em R$ 39,2 bilhões do que novas emissões.
Somente com o impacto dos juros no total da dívida, o crescimento da dívida foi de R$ 211,51 bilhões no ano passado.
DPMFi
Já a Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPMFi), dívida em títulos públicos que está dentro da DPF, atingiu R$ 1,783 trilhão em 2011, uma alta de 11,23% na comparação com o final de 2010. De novembro para o mês passado, houve um incremento de 1,74%, já que, naquele mês, a DPMFI estava em R$ 1.753 trilhão.
De novembro para dezembro, o estoque da dívida apresentou um incremento de R$ 30 bilhões. A elevação no período é fruto de emissões líquidas de papéis no valor de R$ 12,96 bilhões e de impacto de juros no estoque da dívida de R$ 17,49 bilhões.
A DPMFi teve um crescimento, no ano passado, de R$ 179,120 bilhões. Já a Dívida Pública Federal Externa (DPFE) caiu R$ 6,804 bilhões.
Os dados do Tesouro mostram que o impacto dos juros na DPMFi somou R$ 196,168 bilhões e na DPFE, R$ 15,349 bilhões.  
DPFe
A Dívida Pública Federal Externa (DPFe) fechou 2011 em R$ 83,29 bilhões, o equivalente a US$ 44,41 bilhões, ou queda de R$ 6,81 bilhões na comparação com o final de 2010, quando estava em R$ 90,10 bilhões. O recuo de um ano para o outro, em reais, foi de 6,56%. Os dados foram divulgados há pouco pelo Tesouro Nacional.
De novembro para dezembro, no entanto, houve um aumento de 2,93% sobre o estoque. Do total da dívida externa apurada no mês passado, R$ 71,72 bilhões, ou US$ 38,24 bilhões, são referentes à dívida mobiliária, enquanto R$ 11,57 bilhões, ou US$ 6,17 bilhões, estão relacionados à dívida contratual.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Bazucas em ação


CELSO MING - O Estado de S.Paulo
Se, em setembro de 2010, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tinha razões para se sentir ameaçado pela guerra cambial, agora tem muito mais.
Cada qual com suas justificativas, grandes bancos centrais disparam suas bazucas sobre o mercado monetário e, assim, despejam trilhões em moeda forte. Essas justificativas tornam inúteis as reclamações do ministro.
Quarta-feira, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) avisou que os juros ficariam próximos de zero não mais até meados de 2013, mas até o final de 2014. Indica que o dinheiro ficou tão abundante que seu preço (os juros) rasteja. O presidente do Fed, Ben Bernanke, planeja nova rodada de afrouxamento quantitativo.
Essa expressão do jargão financeiro surgiu em 2008, quando o Fed iniciou grande operação de recompra de títulos do Tesouro americano. Esse é um eufemismo criado para disfarçar "emissão de moeda". Além do US$ 1,7 bilhão injetado na compra de ativos privados rejeitados pelo mercado a partir de 2008, o Fed fez duas grandes operações de afrouxamento quantitativo e, no total, recomprou mais US$ 900 bilhões em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O Fed acumula hoje US$ 2,9 trilhões em ativos em seu balanço (veja o Confira).
O Banco Central Europeu (BCE), por sua vez, além de recomprar títulos soberanos num total de 213 bilhões de euros, criou nova linha de financiamento ilimitado para os bancos com prazo de três anos, denominada Operação de Refinanciamento de Longo Prazo (LTRO, na sigla em inglês), a juros de 1% ao ano. Por meio dela, colocou na economia outros 489,2 bilhões de euros no final de dezembro e já agendou repeteco em 29 de fevereiro, quando se espera dos bancos demanda equivalente. Somente nessas duas operações, o BCE poderá ter emitido ao final de fevereiro cerca de 1 trilhão de euros. Até lá, o total de ativos em seu balanço poderá ter saltado para nível acima de 3,2 trilhões de euros.
O objetivo desses grandes bancos centrais é evitar o colapso do crédito e impedir o naufrágio de um Titanic bancário, capaz de produzir um tsunami.
Não há sinal de que esse mundaréu de dinheiro provocará inflação. Nos países de economia madura, a atividade econômica passa por longa fase de dormência, como ursos ao longo do inverno.
Mas são outros efeitos colaterais que tiram o sossego do ministro Mantega. Essa superliquidez provoca desvalorização das moedas fortes. E essas desvalorizações podem não ser visíveis por quem acompanha as cotações entre as duas moedas, porque ambas parecem relativamente niveladas. Estão baixando, como barcos na maré vazante. No entanto, é inevitável que o grande volume de moeda provoque a valorização do real (baixa do dólar) no câmbio interno.
Esse efeito não é passageiro. Como o Fed promete juro zero por mais três anos e o BCE concede esses megafinanciamentos por três anos, os mercados permanecerão inundados de moeda barata pelo menos até final de 2014 - ou seja, quando termina a atual administração Dilma.
Não será com rodinho e pano de chão que Mantega evitará a inundação de moeda estrangeira no Brasil. E não serão suas denúncias que reverterão a ação expansionista dos grandes bancos centrais.

A “solução final” do Pinheirinho


RUTH DE AQUINO - 27/01/2012 21h16 - Atualizado em 27/01/2012 21h44
TAMANHO DO TEXTO


Enquanto a terra for colocada como briga entre direita e esquerda, quem perderá serão os já destituídos

RUTH DE AQUINO
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RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Antes que os desabamentos no Rio de Janeiro joguem uma cortina de fumaça na cena mais degradante que vi nos últimos tempos no Brasil – o despejo forçado de milhares de trabalhadores no Pinheirinho, em São Paulo, no dia sagrado de descanso das famílias –, vou falar de desumanidade, egoísmo, cinismo. É pouco? Então vou falar também da violação de nossa Constituição. Que garante o direito à moradia adequada.
O que menos interessa é o jogo de empurra que se seguiu. O Legislativo empurra para o Judiciário e o Executivo, e vice-versa. Um partido empurra para o partido adversário. E vice-versa.
Enquanto a terra rural e urbana for colocada no Brasil como briga entre direita e esquerda, enquanto o deficit de 5,5 milhões de casas populares for jogado na conta do PSDB ou do PT, quem perderá serão os já destituídos. E a sexta economia do mundo continuará a exportar cenas subdesenvolvidas. Políticos intransigentes e sem visão existem no mundo todo. Mas o que se viu no dia 22 de janeiro de 2012 é proibido em países civilizados.
Dois mil policiais, com dois helicópteros, 220 viaturas, 40 cães e 100 cavalos, chegaram ao Pinheirinho quando a comunidade mal acordara, às 6 horas da manhã do domingo. Na casa do eletricista João Carlos Garrido, de 58 anos, “eles entraram falando ‘levanta, vagabundo’ e com um porrete de borracha bateram na minha perna enquanto eu estava dormindo, não me deixaram pegar nada, nem a féria da semana no meu bar”.
Eu me pergunto como as autoridades, pela falta de um cadáver, podem comemorar e “investigar se houve excessos”. A imprensa não foi autorizada a acompanhar a ação, o que é mais um direito violado. Os vídeos em tempo real não foram feitos por jornalistas.
Eram 1.600 famílias, 5 mil moradores numa comunidade com rua, igreja, boteco, praça, quitanda, casa de alvenaria, geladeira, fogão, televisão. E que foram tratados como delinquentes, afugentados por gás lacrimogêneo, cassetetes e balas de borracha.
Não sei se eu fugiria ou reagiria. Provavelmente, com filhos, fugiria. Não se brinca com a truculenta PM do Estado de São Paulo. Famílias foram para igrejas e abrigos da prefeitura. Na quarta-feira, 500 desterrados caminharam uma hora por 4 quilômetros, com crianças, idosos, cachorros e alguns pertences. Eles tinham sido obrigados a sair da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Na chegada ao abrigo municipal, com telha de zinco e muito calor, uma grávida de três meses desmaiou. Não havia água nos banheiros. A Defensoria Pública abriu ação contra a prefeitura pedindo a retirada das famílias por falta de condições. Como o Estado vai garantir a escola, a saúde e o emprego de uma comunidade dispersada à força e sem teto?
O governo de Geraldo Alckmin em São Paulo e a prefeitura de Eduardo Cury, de São José dos Campos, ambos do PSDB, terão de conviver, em pesadelos, com sua responsabilidade sobre o drama dos retirantes do Pinheirinho, despejados de casas que habitavam havia oito anos.
Enquanto a terra for colocada como briga entre direita e esquerda, quem perderá serão os já destituídos 
O Judiciário estadual de São Paulo também poderá refletir sobre a “reintegração de posse”. A juíza ignorou duas premissas. A primeira é que a propriedade não pode ser definida apenas por seu valor econômico, mas também por sua função social. Quem diz isso não sou eu, é a Constituição. Os despejados não tinham nenhuma alternativa de teto. A juíza os colocou no olho da rua. A segunda premissa eram as negociações, ainda em curso. A atitude mais sensata seria perguntar ao prefeito, ao governador, à presidente se tinham sido esgotadas todas as opções.
É uma novela de fracassos. A ocupação irregular começou em 2004. Foi permitida pelas autoridades. Não era área de risco. O terreno de 1 milhão de metros quadrados e R$ 180 milhões pertence ao megaespeculador Nagi Nahas, que deve à prefeitura R$ 16 milhões. Tanto em 2005 quanto agora, em janeiro, o Ministério das Cidades ofereceu recursos para São José dos Campos tornar o terreno público, urbanizar e regularizar a situação dos moradores. A oferta foi ignorada pela prefeitura.
A relatora da ONU Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, solicitou o fim imediato do cerco policial do Pinheirinho e a retomada de negociações para reassentar as famílias. “Se o Brasil quer virar gente grande, não pode só virar rico, precisa voltar à civilização e dispensar tratamento digno a todos os cidadãos”, diz Raquel.
Todos cumpriam ordens no Pinheirinho. Lavam as mãos, como numa guerra. Agora, prometem cadastrar “os desabrigados”, ampliar as moradias populares em São José dos Campos, incluir as famílias no Minha Casa Minha Vida. Isso deveria ter sido feito antes.
Sob os escombros do Pinheirinho, pode não haver corpos, mas havia vidas. Era essa “a solução final” que o Estado brasileiro buscava?