segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Crise das plataformas vai criar oportunidades em 2023, Ronaldo Lemos, FSP

 As principais inovações de 2022 não vieram das big techs nem do Vale do Silício. Ao contrário, a situação geral das grandes empresas de tecnologia é de cautela ou crise.

São muitas as razões para isso. Uma é justamente a falta de inovação. Nos últimos 12 anos não houve nenhuma mudança disruptiva no modelo de negócios das empresas dominantes do Vale do Silício. Modelo esse que começa agora a erodir. E a erosão abre espaço para possibilidades até há pouco tempo consideradas impossíveis de prosperar.

Elon Musk, dono do Twitter desde outubro deste ano - Dado Ruvic - 28.abr.2022/Reuters

Tome-se o caso do Twitter. A patacoada que vem acontecendo na empresa tem deixado investidores, funcionários, usuários e anunciantes céticos e de cabelo em pé. Com isso algo extraordinário aconteceu. Uma boa parcela de atenção foi direcionada para outra plataforma: o Mastodon.

Um número razoável de pessoas no Brasil e em outros países está abrindo uma conta nessa outra rede social.

Por que isso é importante? Porque o Mastodon não é nem sequer uma "plataforma". Ele é uma federação de servidores e usuários, que se auto-organizam de acordo com regras de consenso mais ou menos democráticas.

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Em outras palavras, diferentemente do Twitter e das empresas do Vale do Silício, o Mastodon não tem um dono no sentido tradicional. Tem vários. Qualquer pessoa pode decidir rodar um servidor no Mastodon.

Verifiquei, aliás, o número de servidores dedicados à língua portuguesa e são poucos ainda. Isso em si é uma oportunidade para brasileiros e brasileiras lançarem seus projetos na federação Mastodon, passando a controlar uma parte da rede que está em formação.

Por exemplo, o Mastodon não tem ainda a função de retuitar comentando o tuíte retuitado. Muitas pesquisas apontam essa função como responsável por aumentar a polarização e até a desinformação no Twitter. No Mastodon, quem decide se a rede vai adotar essa funcionalidade ou não é o próprio conjunto de desenvolvedores, por meio de processos de governança descentralizados.

Esse modelo descentralizado sempre foi a promessa da internet. Por boa parte dos anos 2000 a descentralização prosperava. Havia a Wikipédia, que mostrava ser possível organizar todo o conhecimento de forma colaborativa. Havia o RSS, criado pelo saudoso amigo Aaron Swartz, que permitia que os usuários assinassem os sites que gostariam de acompanhar, controlando seu próprio feed de conteúdos de forma aberta. A web caminhava para ser mais parecida com o que é o Mastodon hoje do que com o Twitter (que se tornou o oposto da ideia de descentralização, sendo controlado por um imperador galhofeiro).

Por isso 2023 pode ser um ano de oportunidades. A ideia de descentralização, que está na raiz da internet, pode ser uma força motriz para a inovação e o surgimento de novos modelos para praticamente qualquer tipo de aplicação. Se ela é capaz de reinventar um Twitter sem dono, é capaz de muito mais.

Pode reinventar serviços financeiros, redes federadas de dados relevantes para o agro e outras atividades centrais para a economia do país, modelos federados de educação, conectividade, descentralizar serviços urbanos como entregas, locações e venda de imóveis, e até uma identidade digital única e descentralizada.

Em outras palavras, a crise nas plataformas nos permite sonhar. E o futuro é inventado primeiro através do sonho.

READER

Já era A internet como rede descentralizada

Já é A internet dominada por plataformas centralizadas

Já vem Retorno da ideia de descentralização


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