As principais inovações de 2022 não vieram das big techs nem do Vale do Silício. Ao contrário, a situação geral das grandes empresas de tecnologia é de cautela ou crise.
São muitas as razões para isso. Uma é justamente a falta de inovação. Nos últimos 12 anos não houve nenhuma mudança disruptiva no modelo de negócios das empresas dominantes do Vale do Silício. Modelo esse que começa agora a erodir. E a erosão abre espaço para possibilidades até há pouco tempo consideradas impossíveis de prosperar.
Tome-se o caso do Twitter. A patacoada que vem acontecendo na empresa tem deixado investidores, funcionários, usuários e anunciantes céticos e de cabelo em pé. Com isso algo extraordinário aconteceu. Uma boa parcela de atenção foi direcionada para outra plataforma: o Mastodon.
Um número razoável de pessoas no Brasil e em outros países está abrindo uma conta nessa outra rede social.
Por que isso é importante? Porque o Mastodon não é nem sequer uma "plataforma". Ele é uma federação de servidores e usuários, que se auto-organizam de acordo com regras de consenso mais ou menos democráticas.
Em outras palavras, diferentemente do Twitter e das empresas do Vale do Silício, o Mastodon não tem um dono no sentido tradicional. Tem vários. Qualquer pessoa pode decidir rodar um servidor no Mastodon.
Verifiquei, aliás, o número de servidores dedicados à língua portuguesa e são poucos ainda. Isso em si é uma oportunidade para brasileiros e brasileiras lançarem seus projetos na federação Mastodon, passando a controlar uma parte da rede que está em formação.
Por exemplo, o Mastodon não tem ainda a função de retuitar comentando o tuíte retuitado. Muitas pesquisas apontam essa função como responsável por aumentar a polarização e até a desinformação no Twitter. No Mastodon, quem decide se a rede vai adotar essa funcionalidade ou não é o próprio conjunto de desenvolvedores, por meio de processos de governança descentralizados.
Esse modelo descentralizado sempre foi a promessa da internet. Por boa parte dos anos 2000 a descentralização prosperava. Havia a Wikipédia, que mostrava ser possível organizar todo o conhecimento de forma colaborativa. Havia o RSS, criado pelo saudoso amigo Aaron Swartz, que permitia que os usuários assinassem os sites que gostariam de acompanhar, controlando seu próprio feed de conteúdos de forma aberta. A web caminhava para ser mais parecida com o que é o Mastodon hoje do que com o Twitter (que se tornou o oposto da ideia de descentralização, sendo controlado por um imperador galhofeiro).
Por isso 2023 pode ser um ano de oportunidades. A ideia de descentralização, que está na raiz da internet, pode ser uma força motriz para a inovação e o surgimento de novos modelos para praticamente qualquer tipo de aplicação. Se ela é capaz de reinventar um Twitter sem dono, é capaz de muito mais.
Pode reinventar serviços financeiros, redes federadas de dados relevantes para o agro e outras atividades centrais para a economia do país, modelos federados de educação, conectividade, descentralizar serviços urbanos como entregas, locações e venda de imóveis, e até uma identidade digital única e descentralizada.
Em outras palavras, a crise nas plataformas nos permite sonhar. E o futuro é inventado primeiro através do sonho.
READER
Já era A internet como rede descentralizada
Já é A internet dominada por plataformas centralizadas
Já vem Retorno da ideia de descentralização
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