São muito bons os números gerais de Tite, 61, na seleção. Contratado em 2016, para levantar um time em apuros após o adeus desastroso de Luiz Felipe Scolari e a má passagem de Dunga, Adenor Bacchi permaneceu seis anos como o técnico do Brasil, com 60 vitórias, 15 empates e 6 derrotas. O aproveitamento é de 80,2%, com média de 2,15 gols marcados por jogo e excepcional 0,37 sofrido.
Os grandes objetivos, no entanto, não foram alcançados.
Em dias infelizes da equipe, com decisões questionáveis do comandante, a caminhada na Copa do Mundo acabou duas vezes nas quartas de final. Em 2018, na Rússia, a Bélgica surpreendeu com alterações táticas na escalação e venceu por 2 a 1. Na última sexta-feira (9), no Qatar, erros estratégicos cobraram alto preço no empate por 1 a 1 com a Croácia, seguido de derrota nos penais.
Como havia ocorrido há quatro anos, o treinador procurou, à sua maneira, com o cuidado de não usar esta palavra, creditar o revés ao imponderável. "O futebol te permite um chute desviado, na única finalização [do adversário], e o teu goleiro não fazer nenhuma defesa durante o jogo", afirmou.
De fato, de acordo com dados da empresa de dados esportivos Opta, os croatas só acertaram uma bola na meta de Alisson, que não reagiu com a agilidade necessária para impedir o gol, já no final da prorrogação. Mas Tite não conseguiu explicar por que o veterano meio-campista Modric, 37, conseguiu ditar o ritmo de porções significativas da partida em Doha.
O treinador também se recusou a admitir as péssimas escolhas adotadas por seus jogadores no lance em que os croatas buscaram o empate, aos 12 minutos do segundo tempo extra. Até Neymar observou o óbvio: atacar com seis homens, vencendo, a três minutos das semifinais da Copa, não foi uma escolha particularmente inteligente.
É possível que proteger os atletas tenha sido uma das motivações da truncada análise que ofereceu sobre o lance, mas a dificuldade em assumir erros acompanha o competente treinador ao longo de sua carreira. Algo que se repetiu no Qatar, na tentativa de justificar uma convocação desequilibrada, mesmo com a inédita possibilidade de levar 26 jogadores ao Mundial.
Foram nove atacantes, apenas quatro zagueiros e três laterais aptos a jogar partidas de verdade. Daniel Alves, 39, só esteve em campo quando o duelo não valia nada –contra Camarões, na primeira fase, com a classificação assegurada– ou quando o dia estava resolvido –entrou contra o Coreia do Sul, no segundo tempo das oitavas de final, com o placar em 4 a 0.
No momento crucial, sua presença em campo não foi nem cogitada. Chamado pela boa relação com os companheiros, viu do banco a seleção ser escalada com improvisações nas duas laterais: a direita ficou foi ocupada pelo beque Éder Militão; a esquerda ficou com o lateral direito Danilo. Se não era fácil prever as lesões que atrapalharam a caminhada, preparar-se para elas estava ao alcance.
Claro, a história seria outra se o chute de Petkovic não tivesse sido desviado em Marquinhos. Se Alisson tivesse exibido maior rapidez para reagir a uma bola que não era indefensável. Se Casemiro tivesse percebido que é melhor estar suspenso das semifinais do que eliminado da Copa –ele teve a chance de fazer a falta em Modric, o que provavelmente lhe renderia cartão e gancho automático.
A eliminação de 2018, como quase todas, também teve os seus "se". Fernandinho, como Casemiro, teve oportunidade de parar um contra-ataque e preferiu não o fazer. Renato Augusto teve nos pés a bola do empate e falhou. Mas a Bélgica –que surpreendeu Tite com Lukaku aberto e De Bruyne adiantado– já tinha construído boa vantagem. Quando o Brasil reagiu, era tarde.
Na ocasião, como agora, o gaúcho evitou apontar erros próprios. Disse que o goleiro belga "Courtois estava iluminado", reclamou de pênalti em Gabriel Jesus (em quem insistiu até o fim, como fez nas últimas semanas com Raphinha, apesar do nível decepcionante) e voltou a falar de azar. Do jeito Tite. Sem usar essa palavra. "Não gosto de falar em sorte...", declarou. "Futebol tem o aleatório."
O trabalho, porém, era sólido. Contratado por causa de seu histórico retrospecto no Corinthians, o técnico assumiu a seleção na sexta colocação das Eliminatórias para o Mundial –após um fracasso com Dunga na primeira fase da Copa América de 2016– e a levou à Rússia como primeira colocada do classificatório sul-americano.
Por isso, tornou-se o primeiro treinador do time nacional a ter o contrato renovado depois de perder uma Copa do Mundo desde 1978. Respondeu com o título da Copa América de 2019, o vice da Copa América de 2021 e a melhor campanha da história das Eliminatórias da América do Sul no formato de pontos corridos, com incríveis 88,2% de aproveitamento em 17 jogos.
Nessa caminhada, virou também o técnico com maior tempo ininterrupto à frente da seleção: 2.290 dias entre a estreia, um triunfo por 3 a 0 sobre o Equador, fora de casa, pelas Eliminatórias, e o fracasso diante da Croácia. E chegou ao Qatar com a expectativa de brigar pelo título, com uma equipe temida.
A lesão de Neymar logo na primeira partida começou a atrapalhar os planos. O atacante de 30 anos voltou para o mata-mata, mas com evidentes limitações devido ao problema no tornozelo direito. Com o craque inteiro, a história poderia ter sido diferente? Mais um "se" para o técnico, que, em Copas, não tem mais do que as quartas de final para mostrar.
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