sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Democracia combatente, Oscar Vilhena Vieira, FSP

 A democracia liberal é um regime político que se caracteriza pelo pluralismo e pela ampla esfera de proteção à liberdade de expressão e manifestação. Isso não significa, porém, que a democracia deva ser indiferente àqueles que contra ela conspiram.

Da perspectiva jurídica, o maior desafio é estabelecer fronteiras objetivas entre as formas de manifestação protegidas pela Constituição e aquelas que podem ser legitimamente coibidas, especialmente quando estamos nos referindo a manifestações discursivas.

A nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (lei 14.197/2021) inseriu no Código Penal brasileiro, em substituição à velha Lei de Segurança Nacional, diversas categorias jurídicas que impõem às instituições de aplicação da lei a defesa vigorosa da democracia em face de seus inimigos.

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Ato antidemocrático de bolsonaristas em frente ao Comando Militar do Sudeste, na zona sul da capital paulista - Mathilde Missioneiro - 3.nov.22/Folhapress

Foram transformadas em crimes a tentativa de "abolir o Estado democrático de Direito", o "golpe de Estado", caracterizado pela tentativa de "depor... o governo legitimamente constituído", assim como a tentativa de "impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado". Nos três casos, não é necessário que o resultado seja consumado. A conduta criminosa só se concretizará, no entanto, se praticada com emprego "violência ou grave ameaça". Trata-se de uma exigência rigorosa por parte do legislador.

Para não deixar dúvida sobre a submissão da nova lei ao robusto regime de proteção da liberdade de expressão e manifestação adotado pela Constituição de 1988, o legislador deixou claro que "não constitui crime" contra as instituições democráticas "a manifestação crítica aos Poderes constitucionais" ou "a reivindicação de direitos... por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações...".

Todos têm o direito fundamental de expressar suas opiniões e críticas às instituições, ao resultado das eleições e mesmo expressar suas insatisfações com o sistema democrático, econômico ou social. Podem ir às ruas e reivindicar mudanças no sistema, mesmo que isso cause incômodos (dentro de determinadas balizas) ou que essas mudanças sejam consideradas ilegais.

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Os cidadãos não podem, no entanto, empregar violência ou grave ameaça contra as instituições democráticas. Da mesma forma, não podem incitar as Forças Armadas contra essas instituições. Importante que se diga que o crime de incitação se aplica do presidente da República ao aposentado embandeirado de porta do quartel, passando pelo general de pijama, pelo presidente de partido ou pelo empresário radicalizado.

Imagino que muitos daqueles que têm se reunido à frente dos quartéis, munidos de suas bandeiras e palavras de ordem, clamando por intervenção militar, para impedir a posse do presidente eleito, pedindo o fechamento do STF ou prisão de alguns de seus ministros, creem estar agindo dentro de suas esferas de liberdade de expressão e manifestação.

Esses cidadãos, instrumentalizados pela extrema direita bolsonarista e seus esquemas meticulosos de difusão de mentiras deliberadas, não parecem conscientes de que também estão cometendo um crime contra a democracia ao incitar publicamente "a animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".

A democracia combatente é uma postura que deve ser assumida pelas instituições para proteger a democracia daqueles que as ameaçam. Trata-se de uma tarefa delicada, que deve ser cumprida na mais absoluta conformidade com a lei. A leniência com grupos radicais, no entanto, pode ser fatal para a democracia.

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