quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

GEOLOGIA DE ENGENHARIA: ESSÊNCIAS Geol. Álvaro Rodrigues dos Santos - dez 2022

 Faz-se ciência com fatos, como uma casa com pedras; porém, uma acumulação

de fatos não é ciência, como um montão de pedras não é uma casa. (Henri Poincaré 1854-1912)


Ao longo de meu percurso para conceber e divulgar os princípios conceituais e

metodológicos que julgo intrinsecamente vinculados ao exercício da Geologia de

Engenharia, acredito que produzi alguns pensamentos que, uma vez reunidos em sua

indissociabilidade, podem compor um fiel e, Deus queira, útil retrato dos resultados a

que cheguei. Aí seguem.

“O sucesso de uma atividade técnica depende intimamente dos princípios

conceituais e metodológicos adotados como premissas básicas para sua execução.

Uma atividade técnica que não se encontre assim apoiada e orientada tenderá a

perder-se em questões menores e alheias às suas reais responsabilidades.”

“Tudo o que vemos na natureza geológica são estágios, paisagens que não foram

assim no passado e não serão assim no futuro. Sob a ação da energia telúrica e da

energia solar, e tendo a própria Vida como um de seus agentes geológicos

modificadores, a natureza é assim mutante, mantendo permanente o sentido maior

de suas mutações: a busca de novas posições de equilíbrio. É nessa equação

dinâmica que o Homem, com seus variados empreendimentos, interfere. Há, pois,

que tê-la em conta. Por sagrado respeito e por um ato de inteligência.”

“Mesmo com a abdicação do consumismo tresloucado e do crescimento

populacional, a epopéia civilizatória de chegarmos a uma sociedade onde todos os

seres humanos tenham uma vida materialmente digna e espiritualmente plena

exigirá, sem dúvida, a multiplicação de empreendimentos humanos no planeta:

energia, transportes, mineração, indústrias, cidades, agricultura, pecuária, disposição

de resíduos... A Geologia de Engenharia, Geociência Aplicada intimamente

associada ao conjunto de esforços civilizatórios voltados a assegurar o bem estar da

Humanidade, é um dos ramos tecnológicos sobre os quais recai a enorme

responsabilidade de tornar essa maravilhosa utopia tecnicamente possível para as

sucessivas gerações sem que a própria possibilidade da vida humana no planeta seja

comprometida.”

“De uma forma concisa, podemos entender a Geologia de Engenharia como a

Geociência Aplicada responsável pelo domínio tecnológico da interface entre a

atividade humana e o meio físico geológico.”

“A Geologia de Engenharia só conseguirá cumprir cabalmente sua

responsabilidade, e assim, ser útil à Engenharia e à Sociedade em um sentido mais


amplo, na medida em que não se descole de suas raízes disciplinares, de sua ciência-

mãe, a Geologia, o que significa exercitar e priorizar como seu principal


instrumento de trabalho, o raciocínio geológico. Essa decisão a fará ter sempre


como ponto de partida a consciência que qualquer ação humana sobre o meio

natural interfere, não só, limitadamente, em matéria pura, mas, significativamente,

em matéria em movimento, ou seja, em processos geológicos, sejam eles menos ou

mais perceptíveis, sejam eles mecânicos, físico-químicos ou de qualquer outra

natureza, estejam eles temporariamente contidos ou em pleno desenvolvimento.

Será somente o raciocínio geológico que permitirá à GE analisar os problemas que

lhe são colocados sob a ótica do movimento, da relação entre processos, do

confronto entre esforços ativos e reativos no contexto de uma dinâmica temporal.

Será somente esse “olhar geológico” que permitirá ao geólogo de engenharia chegar

às leis comportamentais de um determinado local ou região a partir da leitura e

tradução das feições, evidências e demais sinais que a Natureza lhe propicia (é

preciso conversar com a Terra...)”.

“Geologia, Geografia, Geomorfologia, Hidrologia, Climatologia, Pedologia,

Biologia..., são ciências indispensáveis para a Geologia de Engenharia bem

conhecer e interpretar a Terra e com ela interagir de forma inteligente, respeitosa e,

especialmente, sagrada.”

“Não há intervenção humana no meio físico geológico natural do planeta que não

provoque algum tipo de desequilíbrio: o corte em uma encosta, o peso de uma

barragem, o vazio provocado pela escavação de um túnel, a impermeabilização do

solo causada pela cidade, um rebaixamento forçado do lençol d’água subterrâneo, o


desmatamento de uma região... Enfim, ao modificar as condições naturais pré-

existentes o homem está interferindo em um estado de equilíbrio dinâmico natural.


Como resposta à ação do desequilíbrio há uma mobilização de forças naturais

orientadas, como reação, a buscar um novo estado de equilíbrio. Caso esse

empenho de busca de um novo equilíbrio se dê isoladamente pela própria Natureza

as consequências para o homem costumam ser catastróficas: deslizamentos,

rompimentos de barramentos, acidentes em fundações, recalques de terrenos,

colapso de obras subterrâneas, patologias estruturais, violentos processos erosivos e

assoreadores, inundações, etc.

Para que essas consequências reativas de caráter espontâneo e destrutivo estejam

sob seu controle, ou seja, que tenha sob seu comando técnico o embate entre os

esforços ativos e reativos, é indispensável que o homem entenda perfeitamente as

características e processos naturais do meio geológico em que está interferindo, de

tal forma a corretamente adequar seus projetos e aplicar as ações executivas

compensatórias que se façam necessárias. (Nature to be commanded must be obeyed. F.

Bacon - 1620).”

“Nas Ciências Naturais, e na Geologia em especial, o primeiro e essencial passo

está em descobrirmos e assimilarmos as leis básicas da Natureza. Isso feito, as

cortinas se abrem e a compreensão dos fenômenos naturais ou induzidos pelo

Homem surge clara à nossa frente.”

“A abordagem da Geologia de Engenharia é essencialmente fenomenológica. Ou

seja, a missão maior da Geologia de Engenharia está em produzir um quadro


completo dos fenômenos geológico-geotécnicos que podem ser esperados da

interação entre as solicitações típicas do empreendimento que foi ou será

implantado e as características geológicas (materiais e processos) dos terrenos por

ele afetados. A partir da identificação dos fenômenos potenciais ou ocorrentes em

uma dada relação solicitação/características geológicas, caberá à Geologia de

Engenharia e à Engenharia Geotécnica decidir sobre as soluções de engenharia

mais adequadas. Nesse contexto, o geólogo de engenharia deverá ter toda sua

atenção voltada ao zelo por uma perfeita aderência entre solução e fenômeno.”

“Sempre no âmbito de um trabalho permanentemente solidário e colaborativo

entre a Geologia de Engenharia e a Engenharia Geotécnica, importante considerar

que será de total responsabilidade da GE todo e qualquer problema que venha a

acontecer e que decorra de fenômeno geológico-geotécnico que não tenha sido

previsto ou corretamente descrito em sua análise fenomenológica. Como será de

total responsabilidade da EG todo e qualquer problema que ocorra pelo fato do

projeto e/ou do plano de obra não ter levado em devida conta algum fenômeno

relatado pela GE.”

“O caminho para se chegar a diagnósticos seguros passa por um contínuo processo

de adoção de hipóteses fenomenológicas e de aferição destas, através do empenho

observativo e experimental, ou seja, da investigação orientada de dados que para

tanto se mostrem sugestivos ou se façam necessários. Do ponto de vista da

formação de um novo conhecimento, pode-se afirmar que a formulação de uma

nova hipótese se dá através de um raciocínio indutivo e de uma lógica dedutiva

subsidiada por esforço observativo e experimental; atributos que ressaltam a

enorme importância da experiência absorvida e vivenciada e do espírito de

observação dos geólogos de engenharia.”

“A natureza sempre nos avisa, nunca nos pega desprevenidos. Claro, se para tanto

temos bons olhos, ouvidos e demais sentidos educados e atentos ao bom diálogo

geológico com a Terra. (É preciso conversar com a Terra...)”.


Finalizando, e mais uma vez ressaltando a enorme importância dos geólogos de

engenharia empenharem-se em discutir e ter presentes os fundamentos conceituais de

sua maravilhosa profissão, lembro um pensamento de Leonardo da Vinci: “A pessoa que

gosta de agir sem teoria é qual marinheiro que sobe a bordo de um navio sem leme e bússola e nunca

saberá onde aportar”.

Agradeço a Deus e a todas as circunstâncias que me levaram a escolher a Geologia como

formação e profissão.

Geol. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

 Ex-Diretor da Divisão de Minas e Geologia Aplicada e Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT - Instituto

de Pesquisas Tecnológicas

 Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do

Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”,

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