Faz-se ciência com fatos, como uma casa com pedras; porém, uma acumulação
de fatos não é ciência, como um montão de pedras não é uma casa. (Henri Poincaré 1854-1912)
Ao longo de meu percurso para conceber e divulgar os princípios conceituais e
metodológicos que julgo intrinsecamente vinculados ao exercício da Geologia de
Engenharia, acredito que produzi alguns pensamentos que, uma vez reunidos em sua
indissociabilidade, podem compor um fiel e, Deus queira, útil retrato dos resultados a
que cheguei. Aí seguem.
“O sucesso de uma atividade técnica depende intimamente dos princípios
conceituais e metodológicos adotados como premissas básicas para sua execução.
Uma atividade técnica que não se encontre assim apoiada e orientada tenderá a
perder-se em questões menores e alheias às suas reais responsabilidades.”
“Tudo o que vemos na natureza geológica são estágios, paisagens que não foram
assim no passado e não serão assim no futuro. Sob a ação da energia telúrica e da
energia solar, e tendo a própria Vida como um de seus agentes geológicos
modificadores, a natureza é assim mutante, mantendo permanente o sentido maior
de suas mutações: a busca de novas posições de equilíbrio. É nessa equação
dinâmica que o Homem, com seus variados empreendimentos, interfere. Há, pois,
que tê-la em conta. Por sagrado respeito e por um ato de inteligência.”
“Mesmo com a abdicação do consumismo tresloucado e do crescimento
populacional, a epopéia civilizatória de chegarmos a uma sociedade onde todos os
seres humanos tenham uma vida materialmente digna e espiritualmente plena
exigirá, sem dúvida, a multiplicação de empreendimentos humanos no planeta:
energia, transportes, mineração, indústrias, cidades, agricultura, pecuária, disposição
de resíduos... A Geologia de Engenharia, Geociência Aplicada intimamente
associada ao conjunto de esforços civilizatórios voltados a assegurar o bem estar da
Humanidade, é um dos ramos tecnológicos sobre os quais recai a enorme
responsabilidade de tornar essa maravilhosa utopia tecnicamente possível para as
sucessivas gerações sem que a própria possibilidade da vida humana no planeta seja
comprometida.”
“De uma forma concisa, podemos entender a Geologia de Engenharia como a
Geociência Aplicada responsável pelo domínio tecnológico da interface entre a
atividade humana e o meio físico geológico.”
“A Geologia de Engenharia só conseguirá cumprir cabalmente sua
responsabilidade, e assim, ser útil à Engenharia e à Sociedade em um sentido mais
amplo, na medida em que não se descole de suas raízes disciplinares, de sua ciência-
mãe, a Geologia, o que significa exercitar e priorizar como seu principal
instrumento de trabalho, o raciocínio geológico. Essa decisão a fará ter sempre
como ponto de partida a consciência que qualquer ação humana sobre o meio
natural interfere, não só, limitadamente, em matéria pura, mas, significativamente,
em matéria em movimento, ou seja, em processos geológicos, sejam eles menos ou
mais perceptíveis, sejam eles mecânicos, físico-químicos ou de qualquer outra
natureza, estejam eles temporariamente contidos ou em pleno desenvolvimento.
Será somente o raciocínio geológico que permitirá à GE analisar os problemas que
lhe são colocados sob a ótica do movimento, da relação entre processos, do
confronto entre esforços ativos e reativos no contexto de uma dinâmica temporal.
Será somente esse “olhar geológico” que permitirá ao geólogo de engenharia chegar
às leis comportamentais de um determinado local ou região a partir da leitura e
tradução das feições, evidências e demais sinais que a Natureza lhe propicia (é
preciso conversar com a Terra...)”.
“Geologia, Geografia, Geomorfologia, Hidrologia, Climatologia, Pedologia,
Biologia..., são ciências indispensáveis para a Geologia de Engenharia bem
conhecer e interpretar a Terra e com ela interagir de forma inteligente, respeitosa e,
especialmente, sagrada.”
“Não há intervenção humana no meio físico geológico natural do planeta que não
provoque algum tipo de desequilíbrio: o corte em uma encosta, o peso de uma
barragem, o vazio provocado pela escavação de um túnel, a impermeabilização do
solo causada pela cidade, um rebaixamento forçado do lençol d’água subterrâneo, o
desmatamento de uma região... Enfim, ao modificar as condições naturais pré-
existentes o homem está interferindo em um estado de equilíbrio dinâmico natural.
Como resposta à ação do desequilíbrio há uma mobilização de forças naturais
orientadas, como reação, a buscar um novo estado de equilíbrio. Caso esse
empenho de busca de um novo equilíbrio se dê isoladamente pela própria Natureza
as consequências para o homem costumam ser catastróficas: deslizamentos,
rompimentos de barramentos, acidentes em fundações, recalques de terrenos,
colapso de obras subterrâneas, patologias estruturais, violentos processos erosivos e
assoreadores, inundações, etc.
Para que essas consequências reativas de caráter espontâneo e destrutivo estejam
sob seu controle, ou seja, que tenha sob seu comando técnico o embate entre os
esforços ativos e reativos, é indispensável que o homem entenda perfeitamente as
características e processos naturais do meio geológico em que está interferindo, de
tal forma a corretamente adequar seus projetos e aplicar as ações executivas
compensatórias que se façam necessárias. (Nature to be commanded must be obeyed. F.
Bacon - 1620).”
“Nas Ciências Naturais, e na Geologia em especial, o primeiro e essencial passo
está em descobrirmos e assimilarmos as leis básicas da Natureza. Isso feito, as
cortinas se abrem e a compreensão dos fenômenos naturais ou induzidos pelo
Homem surge clara à nossa frente.”
“A abordagem da Geologia de Engenharia é essencialmente fenomenológica. Ou
seja, a missão maior da Geologia de Engenharia está em produzir um quadro
completo dos fenômenos geológico-geotécnicos que podem ser esperados da
interação entre as solicitações típicas do empreendimento que foi ou será
implantado e as características geológicas (materiais e processos) dos terrenos por
ele afetados. A partir da identificação dos fenômenos potenciais ou ocorrentes em
uma dada relação solicitação/características geológicas, caberá à Geologia de
Engenharia e à Engenharia Geotécnica decidir sobre as soluções de engenharia
mais adequadas. Nesse contexto, o geólogo de engenharia deverá ter toda sua
atenção voltada ao zelo por uma perfeita aderência entre solução e fenômeno.”
“Sempre no âmbito de um trabalho permanentemente solidário e colaborativo
entre a Geologia de Engenharia e a Engenharia Geotécnica, importante considerar
que será de total responsabilidade da GE todo e qualquer problema que venha a
acontecer e que decorra de fenômeno geológico-geotécnico que não tenha sido
previsto ou corretamente descrito em sua análise fenomenológica. Como será de
total responsabilidade da EG todo e qualquer problema que ocorra pelo fato do
projeto e/ou do plano de obra não ter levado em devida conta algum fenômeno
relatado pela GE.”
“O caminho para se chegar a diagnósticos seguros passa por um contínuo processo
de adoção de hipóteses fenomenológicas e de aferição destas, através do empenho
observativo e experimental, ou seja, da investigação orientada de dados que para
tanto se mostrem sugestivos ou se façam necessários. Do ponto de vista da
formação de um novo conhecimento, pode-se afirmar que a formulação de uma
nova hipótese se dá através de um raciocínio indutivo e de uma lógica dedutiva
subsidiada por esforço observativo e experimental; atributos que ressaltam a
enorme importância da experiência absorvida e vivenciada e do espírito de
observação dos geólogos de engenharia.”
“A natureza sempre nos avisa, nunca nos pega desprevenidos. Claro, se para tanto
temos bons olhos, ouvidos e demais sentidos educados e atentos ao bom diálogo
geológico com a Terra. (É preciso conversar com a Terra...)”.
Finalizando, e mais uma vez ressaltando a enorme importância dos geólogos de
engenharia empenharem-se em discutir e ter presentes os fundamentos conceituais de
sua maravilhosa profissão, lembro um pensamento de Leonardo da Vinci: “A pessoa que
gosta de agir sem teoria é qual marinheiro que sobe a bordo de um navio sem leme e bússola e nunca
saberá onde aportar”.
Agradeço a Deus e a todas as circunstâncias que me levaram a escolher a Geologia como
formação e profissão.
Geol. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Ex-Diretor da Divisão de Minas e Geologia Aplicada e Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT - Instituto
de Pesquisas Tecnológicas
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do
Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”,
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