Noves fora a Croácia, passada a eleição e anunciada parte do ministério de Lula, sente-se uma certa leveza na vida nacional. Jair Bolsonaro ficou calado por quase um mês e meio. Esse silêncio foi um dos fatores da paz.
Para que se possa avaliar a importância do ocaso de Bolsonaro, vale a pena revisitar o Brasil do início de novembro aos primeiros dias de dezembro do ano passado. Foram pelo menos dez encrencas, todas inúteis. (No Rio, um açougue vendia ossos de boi a R$ 3,50 o quilo.)
No início de novembro, Bolsonaro estava em Roma, onde havia terminado a reunião do G20. Sua participação foi periférica, salvo pela pisada que deu na então chanceler alemã Angela Merkel. Passeando pela cidade, Bolsonaro teve um bate-boca com o repórter Leonardo Monteiro. O jornalista havia sido agredido por um segurança e reclamava:
— Presidente, presidente. O cara tá empurrando, gente. Presidente, por que o senhor não foi de manhã ao encontro do G20?
Bolsonaro:
— É a Globo? Você não tem vergonha na cara...
De volta ao Brasil, o presidente explicou por que não havia comparecido à reunião da COP de Glasgow, atacando a ativista Txai Suruí:
— Estão reclamando que eu não fui para Glasgow. Levaram uma índia para lá, para substituir o Raoni, para atacar o Brasil. Alguém viu algum alemão atacando a energia fóssil da Alemanha? Alguém já viu [alguém] atacando a França porque lá a legislação ambiental não é nada perto da nossa? Ninguém critica o próprio país. Alguém já viu o americano criticando as queimadas no estado da Califórnia?
Dias depois, acusou o Tribunal Superior Eleitoral de ter praticado "um estupro" ao cassar o mandato de um deputado estadual paranaense que divulgava notícias falsas sobre o desempenho das urnas eletrônicas em 2018.
Mudando de agenda, anunciou que queria "se livrar" da Petrobras e explicou por que havia se livrado do ministro Sergio Moro:
"Ele sempre teve um propósito político, nada contra, mas fazia aquilo de forma camuflada. E ele tinha intenção, sim, de ir ao Supremo [Tribunal Federal]. Num primeiro momento eu achei justa a intenção dele, depois eu passei a conhecê-lo um pouquinho melhor".
Bolsonaro entrou para o PL de Valdemar Costa Neto depois de um intercâmbio de palavrões com o cacique. Diante de uma saia justa nas prévias do PSDB, encrencou com o processo eleitoral:
"Viu a confusão ontem? Não vou falar nisso porque não tenho nada a ver com outro partido, mas deu uma confusão em São Paulo ontem. É o tal do voto eletrônico, aí".
Com a filiação de Sergio Moro ao Podemos, voltou a atacá-lo:
"Ele voltou à vida dele. Voltou a advogar para empresas que praticamente quebraram por ações dele. Mas tudo bem. É um direito de ele vir candidato".
No campo dos direitos, foi nomeado para a direção do Arquivo Nacional o funcionário aposentado do Banco do Brasil Ricardo Borda D'Água, ex-chefe da segurança da instituição.
No final de novembro soube-se que a visão diplomática de Bolsonaro levou-o a um vexame. O Brasil retirou a indicação do ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella para a embaixada do Brasil na África do Sul depois de seis meses de silêncio da chancelaria daquele país. Coisa rara, sinalizava que ele não era bem-vindo.
Bolsonaro tinha uma fixação em Moro e voltou a atacá-lo: "Não aguenta dez minutos de debate".
A pandemia já havia perdido fôlego, mas Bolsonaro continuava na sua militância negacionista e arrumou mais uma encrenca com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária:
"Estamos trabalhando com a Anvisa, que quer fechar o espaço aéreo. De novo, p…? De novo vai começar esse negócio?".
A Anvisa nunca havia proposto a medida.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, apoiava o negacionismo do chefe e deu-se a um momento filosófico:
"Às vezes é melhor perder a vida do que perder a liberdade". (Tratava-se da liberdade de não tomar vacina.)
No dia 10 de novembro, Bolsonaro retomou o seu bordão do Apocalipse:
"Ou todos nós impomos limites para nós mesmos ou pode-se ter crise no Brasil".
Revisitados, todos esses momentos de tensão vinham do nada e iam para lugar algum. Em nenhum caso envolviam a sadia discussão de políticas públicas. Serviam apenas para manter o país em clima de tensão.
A maior prova disso está no fato de que Sergio Moro e Jair Bolsonaro reencontraram-se durante os debates da campanha, com o ex-juiz, eleito senador, no cercadinho dos bolsonaristas.
Há tempo, Chico Buarque cantou seu "Vai Passar".
Passará.
Lula só resolveu parte fácil do quebra-cabeça de ministros
Só nas próximas semanas vai-se saber se governo terá arco das forças democráticas que barraram Bolsonaro
Lula anunciou os nomes de cinco ministros. Dois são petistas (Haddad e Rui Costa). Um, Mauro Vieira, é mais do mesmo, pois foi chanceler de Dilma Rousseff.
Faltam os demais. Por enquanto o presidente eleito resolveu a parte fácil do quebra-cabeça. Atendeu (e desatendeu) desejos de seu partido.
Só nas próximas semanas vai-se saber se Lula está a caminho do terceiro mandato com a ideia de um governo formado pelo arco das forças democráticas que barraram a reeleição de Jair Bolsonaro ou o que se passou a chamar de "frente ampla". As duas coisas parecem ser a mesma coisa, mas não são.
O arco foi simbolizado por Simone Tebet quando ela anunciou, em junho, que no segundo turno estaria no palanque da democracia. A chamada frente ampla formou-se depois e engordou até chegar à obesidade da cena desta segunda-feira, na cerimônia da diplomação.
O arco e a frente diferenciam-se pela extensão da pluralidade. Tebet pensa diferente de Lula em muitas questões. Já muitos dos matriculados na frente pensam cada vez mais como ele (e os seus sucessores).
O arco permitiu a formação do ambiente que derrotou Bolsonaro. Foi o alicerce da frente que elegeu Lula.
Como não se sabe quais serão os novos nomes, tudo o que se pode querer é que passem por um teste. Basta tentar lembrar a qualificação do novo ministro para o cargo em que será colocado. Quando não houver explicação, virá o cheiro de queimado.
PIADA PRONTA
A Câmara produziu uma triste piada. Aprovou a prorrogação do incentivo dado a quem instala painéis de energia solar. Um passo no estímulo à geração de energia limpa.
No mesmo projeto, enfiaram um jabuti que incentiva a instalação de usinas térmicas, fonte de poluição.
Nada em segredo, tudo às claras.
A PROMESSA NO MURO
Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu várias vezes criar uma Autoridade Climática para tratar as várias questões do meio ambiente. Seria um organismo que cuidaria do que se poderia chamar da grande política climática, livre do varejo das licenças, garimpos e queimadas.
A ideia era boa, mas está subindo no muro, por motivos ruins e banais.
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