As duas importantes decisões do Supremo desde domingo mostram que, passado o bolsonarismo, ele continuará dando as cartas da vida pública.
A primeira decisão tirou do Executivo a necessidade de uma PEC para gastar acima do teto para viabilizar o auxílio de R$ 600. Mesmo que tudo dê errado na PEC da Transição, a principal promessa do novo governo será cumprida.
A segunda tirou das mãos do Congresso o principal mecanismo de compra de apoio parlamentar. Um dinheiro alocado sem nenhuma transparência, sem critério técnico, para deputados não assinalados, sem isonomia, apenas para garantir apoio de aliados. Não é coincidência que tenha irrigado a corrupção local por todo o território brasileiro.
São decisões muito diferentes, mas juntas constituem um verdadeiro auxílio emergencial para o novo governo, que estava sendo colocado contra a parede na negociação com o centrão. E ambas sedimentam o Supremo como o grande poder moderador da vida nacional, decidindo potencialmente sobre todos os temas sem possibilidade de recurso ou, até agora, contrapeso. O Supremo chega a 2023 como inquestionavelmente o Poder dominante da República.
O conflito entre os Poderes está dado há anos, com o Judiciário cada vez mais influente. A intrusão do bolsonarismo nesse conflito apenas turvou a questão. Em seus ataques abertos e antidemocráticos ao Supremo, acabou por fortalecê-lo.
Influenciadores pró-governo que veiculavam mentiras perigosas sobre vacinas no meio de uma pandemia. O próprio presidente da República, que insuflou o discurso de que as eleições de 18 foram —e as de 22 seriam— fraudadas, sempre supostas "provas", essas sim fraudulentas. Políticos aliados incitando à violência.
Se o Supremo não desse um basta aos absurdos que vinham do governo ou de seus aliados, quem daria? O Congresso é que não seria, comprado que estava com o orçamento secreto. O Supremo —e o TSE— usaram sim poderes de maneiras inéditas, mas se tratava da defesa mais básica da democracia, da ordem social e mesmo dos direitos humanos.
Bolsonaro entrega o Executivo enfraquecido também em relação ao Congresso: as emendas impositivas deram na mão dos parlamentares o poder sobre recursos que antes dependiam da vontade do Executivo.
É fácil demonizar o "ativismo" do Supremo. Mas se não fosse por ele, estaríamos até hoje negando aos homossexuais o direito a se casarem. Influenciadores extremistas estariam formando milícias armadas em Brasília, a ameaça à vida de ministros e políticos correria livremente, e o respeito às urnas estaria em xeque.
De uma forma ou de outra, voltamos ao Congresso. Aquele que deveria ser o grande representante do povo em sua diversidade e local da discussão da coisa pública, com base em propostas, é um antro de fisiologismo e interesses privados, quando não de fanatismo violento. É tentador para o governo poder evitar a negociação com esse Congresso e ter no Supremo um aliado para decidir em seu favor. Mas essa facilidade custará caro ao país.
Interromper a hipertrofia do Judiciário, porém, exigirá inteligência e diálogo democrático, não mobilização de fanáticos com discursos alucinados.
Os ataques infundados do governo às urnas e suas ameaças quanto a pleitos futuros mataram qualquer discussão racional sobre formas de melhorar o sistema. Da mesma maneira, os ataques tresloucados ao Supremo —alimentando inclusive os pedidos de intervenção militar que se tornaram comuns— apenas serviram para legitimar a extensão de seus poderes.
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