quinta-feira, 26 de maio de 2016

A morada do diabo, por Alexandre Schwartsman, FSP


Ainda em sua primeira versão, a mesma que causou (justificado) escândalo em agosto do ano passado, o Orçamento federal previa deficit de R$ 30 bilhões, rapidamente transformado em superavit de R$ 24 bilhões, embora, é claro, apenas no papel. Tanto que a administração anterior já reconhecia que o número seria negativo e bem pior do que as primeiras estimativas, na casa de R$ 100 bilhões.
Ainda assim, quem segue a questão fiscal de perto já havia manifestado sua descrença, apostando num buraco ainda maior, e valores na casa de R$ 150 bilhões não chegavam a escandalizar ninguém, uma triste ilustração de como nos adaptamos facilmente à miséria. Nesse sentido, o anúncio de um deficit de R$ 170 bilhões, equivalente a 2,7% do PIB, foi recebido por uma sociedade anestesiada.
Não há dúvida de que o valor é horroroso e retrato do grau de deterioração das contas do governo nos últimos anos. Contudo, não chega a ser o pior desenvolvimento nessa frente: o que me deixa ainda mais horrorizado é o grau de incerteza que existe em torno dos números fiscais.
Não bastassem as repetidas revisões de metas (fenômeno constante nos últimos anos), há ainda a possibilidade de perdas de montante desconhecido associadas a eventos tão distintos como a necessidade de capitalização da Petrobras, ou a incapacidade da Eletrobras em publicar seu balanço auditado segundo regras internacionais, ou ainda o montante de créditos de má qualidade nos bancos federais e seus impactos sobre as finanças públicas.
É lamentável, mas aprendemos como um governo mal-intencionado e/ou incompetente na gestão fiscal pode causar um estrago sem precedentes. O quadro institucional, expresso em diplomas como a Lei de Responsabilidade Fiscal ou a Lei de Diretrizes Orçamentárias, foi simplesmente despedaçado no processo. Recuamos ao menos 20 anos em termos de instituições fiscais. Idealmente essas deveriam ser reconstruídas, mas não temos sequer certeza de que seremos capazes de tal tarefa.
Sob essa ótica, as medidas anunciadas nesta terça (24) são, em sua maioria, uma manifestação de intenções corretas, mas, para falar a verdade, não muito mais que isso.
Dessas, a antecipação de pagamentos por parte do BNDES para o Tesouro Nacional é a que deve produzir o maior impacto, R$ 100 bilhões. Da mesma forma, porém, que a concessão dos empréstimos não é despesa, sua amortização não é receita. Embora muito inferior ao tamanho da dívida (R$ 4 trilhões, ou 67% do PIB em março), o efeito equivale a algo como 1,7% do PIB e pode reduzir a conta de juros em algo como R$ 7 bilhões/ano.
Já a fixação de um teto para as despesas do governo federal de acordo com a inflação antecipa uma queda destas relativamente ao PIB. No entanto, sem medidas mais claras no que se refere às vinculações e à adequação da Previdência, não é claro como o teto será cumprido. O diabo mora nos detalhes e resta, portanto, saber como, na emenda constitucional sobre o tema, o governo pretende lidar com essa questão.
Segundo Alexandre Pombini, "a inflação em si jamais fugiu ao controle nesses 17 anos do regime de metas". O grau de alienação dessa afirmação revela por que a inflação atingiu mais de 6% ao ano entre 2011 e 2014, 10,7% em 2015 e 9,6% nos últimos 12 meses, comparada a uma meta de 4,5%. Já vai tarde...

domingo, 22 de maio de 2016

O infernal estoque de pobres, por Clovis Rossi, na FSP

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Depois de pouco mais de 13 anos de governo do PT, o partido que sempre se considerou o paladino dos pobres, o Brasil conta com 73.327.179 pessoas pobres -o que dá cerca de 36% de sua população total.
Não sou eu quem o diz, mas o sítio oficial do Ministério de Desenvolvimento Social de Dilma Rousseff, ao informar sobre o Cadastro Único para Programas Sociais, que "reúne informações socioeconômicas das famílias brasileiras de baixa renda -aquelas com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa".
Famílias de baixa renda é um piedoso eufemismo para pobres ou, até, para miseráveis, conforme se pode ver quando se separam os cadastrados por faixa de rendimento: de R$ 0 até R$ 77 -38.919.660 pessoas;
de R$ 77,01 até R$ 154 -14.852.534; de R$ 154,01 até meio salário mínimo -19.554.985.
O total é um estoque infernal de miséria e pobreza. Pode até haver mais, porque o cadastro inclui 7,8 milhões de pessoas que ganham mais que meio salário mínimo. Mas não especifica quanto mais.
O estoque existente em janeiro de 2015, a data mencionada no sítio do ministério, torna suspeita a propaganda petista segundo a qual 45 milhões de pessoas deixaram a pobreza nos anos Lula/Dilma.
Se essa informação for verdadeira, ter-se-ia que o estoque de pobres quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu seria de quase 120 milhões (os 73 milhões que continuam de baixa renda em 2015 mais os 45 milhões que escaparam da pobreza). Daria, então, cerca de 60% da população brasileira atual, o que não parece plausível.
Mas o ponto principal nem é esse. O que assusta nos números oficiais é que, se um partido que tinha como retórica permanente a defesa dos pobres lega 73 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, o que acontecerá agora que o novo samba de uma nota só é o acerto das contas públicas?
A austeridade, condição sine qua non para ajustar as contas, é, pelo menos nos primeiros momentos, inimiga do crescimento, que, por sua vez, é indispensável (mas não suficiente) para reduzir a pobreza.
Basta ver o estrago social provocado, em vários países da Europa, por políticas semelhantes às que se anunciam no Brasil de Michel Temer.
É verdade que os crentes nas virtudes celestiais dessas políticas dizem, sempre, que haverá um pote de ouro no fim do arco íris. Não é bem o que está acontecendo na Europa, mas só resta aguardar.
Por enquanto, dá para desconfiar que tende a se perpetuar a incapacidade de o Brasil livrar-se do aleijão da pobreza. Frei Betto, amigo e confessor de Lula, desiludido com o governo do amigo, deu entrevista ao "Valor Econômico" em que aponta o que ocorreu nos governos petistas:
"Investiu-se mais em facilitar à população acesso aos bens pessoais (celular, computador, carro, linha branca), quando se deveria priorizar o acesso aos bens sociais (educação, saúde, moradia, segurança, saneamento etc)".




Dá para acreditar que o novo governo investirá em acesso da maioria aos bens sociais, tão reclamados nas manifestações de junho de 2013? 

A outra sucessão, por Janio de Freitas



Já se pode entender a atitude sinuosa de Lula desde que acelerada, há dois anos, a guerra aberta contra ele, contra o PT e contra Dilma. A cada ataque mais infeccioso, Lula falava de uma próxima mobilização petista, do breve início de viagens suas "por este país todo", da ocupação manifestante das ruas. Essas reviravoltas foram propaladas tantas vezes quantas descumpridas por marasmo inexplicado. Seu e do partido a reboque. É, porém, em mais uma sinuosidade que se encontra o esclarecimento.
Diz Lula que pode ser candidato para salvar os programas sociais, mas está trabalhando pela candidatura de alguém mais moço. Ou seja, é possível candidato nas palavras, mas na intenção não é. Não quer ser. Já não queria, vê-se, quando o conservadorismo se organizava para montar a barragem contra sua assustadora candidatura. A vontade negativa prevalece, invalidando as sucessivas promessas de ação. E agora entra, de leve ainda, no tempo de admitir-se.
Para quem goste das especulações infrutíferas, que têm tantos adeptos na imprensa, uma indagação se oferece: se Lula houvesse deixado clara e firme, bem lá atrás, a desistência à candidatura em 2018, a oposição partidária, o grande empresariado e a imprensa fariam a mesma campanha para liquidá-lo? Ou antes achariam mais útil gerar, para os seus interesses, as candidaturas promissoras que até hoje não têm?
Sem Lula na corrida, a situação do PT é dramática. Mas a da oposição não é melhor. Temer assegurou-a publicamente de que não será candidato em 2018, e isso deu maior ânimo aos pretendentes peessedebistas para impulsionar o impeachment que é, na forma, anti-Dilma, e no objetivo, anti-Lula. Mas quem no PSDB imagina que o bando mercantilista do PMDB abrirá mão das bocas riquíssimas, vai aprender o que Dilma demorou, mas aprendeu.
Aécio, Serra, Alckmim, e quem mais sonhe com candidatura no PSDB, estão dependentes do governo Temer. Se o arremedo de administração fracassa, nem passarem de governistas a oposicionistas lhes servirá: vão ser responsabilizados, perante o eleitorado, como criadores gananciosos da aventura que deu em desastre maior que o anterior. E estar dependente da competência e seriedade de Moreira Franco, Geddel Vieira Lima e congêneres é, no mínimo, beira de abismo. Mesmo o mais badalado, Henrique Meirelles, é experiente em área financeira, mas uma incógnita em direção econômica, além de sua visão ilusória da política brasileira.
Na oposição, o PT pode até não se beneficiar em grande escala do fracasso do governo. Mas prejudicado não será, por certo ganha alguma coisa. O PT hoje está como a Rede de Marina Silva, são partidos que dependem só de si mesmos. Se souber aproveitar as circunstâncias, o PT pode mesmo fazer e ter surpresas. Em seguida ao golpe de 64, o PCB recebeu adesões espontâneas no país todo. Era a reação natural dos indignados, que hoje são multidões. Caso o PT encontre alguma criatividade, com campanhas que busquem adesões à restauração da democracia, à defesa de direitos e à conquista de novos, pode dar-se sua tão falada e nunca iniciada refundação.
Muita coisa gira, já, em torno de 2018. O PSDB não tem muito a fazer, por mais que a imprensa faça pelos pretendidos pré-candidatos do partido. Assim como a Rede e o PSOL, os petistas têm escolha entre aproveitar ou não as circunstâncias: com ou sem candidatura de Lula, o futuro do PT não está no futuro, está no presente.
Jogadas
Nenhum interesse carreia mais dinheiro, nem com maior constância, para congressistas e determinados integrantes de governo do que a reabertura dos cassinos. É assim há dezenas de anos. Durante o governo Sarney, viagens de congressistas eram patrocinadas por donos de cassinos de Las Vegas, para se animarem com o jogo lá e, na volta, o promoverem aqui. Amaral Netto, que liderava a bancada do jogo, organizou numerosas caravanas. Em tempos recentes, o destino passou a ser o jogo no Uruguai.


As torneiras dos já donos de cassinos e dos desejosos de o serem, brasileiros e estrangeiros, não secam. 

Ricupero rebate críticas de Amorim a 1º discurso de Serra como chanceler


Eduardo Knapp - 8.mai.2015/Folhapress
Sao Paulo,, Brasil, 08-05-2015 17h16: Entrevista com o embaixador Rubens Ricupero em seu apartamento em Higienopolis (Foto Eduardo Knapp/Folhapress.PODER). Cod do Fotografo: 0716
O embaixador Rubens Ricupero
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O embaixador Rubens Ricupero, principal conselheiro do chanceler José Serra, contestou artigo publicado pelo ex-chanceler Celso Amorim (1993-95 e 2003-11) na Folha neste domingo (22). No texto, Amorim critica "o afã em aderir a mega-acordos regionais como o TPP (Tratado Transpacífico )", que tem 12 países.
Segundo o diplomata, Serra não diz que pretende negociar a entrada do Brasil no TPP. "A ideia é apenas se aproximar desses países", diz Ricupero, que foi secretário-geral da Unctad (Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento), ministro da Fazenda e do Meio Ambiente.
Em relação às críticas que Amorim fez às notas do Itamaraty que rechaçavam comentários dos países da aliança bolivariana, Ricupero afirma: "É inacreditável um [ex-]ministro que aplaude um ataque estrangeiro ao Brasil". Países como Bolívia e Venezuela questionaram a legitimidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
O ex-ministro também respondeu às criticas ao estudo de custos que pode resultar em fechamento de embaixadas abertas pelos governos de Lula e Dilma. "O que adianta ter embaixada se não há dinheiro para pagar a contas?", indagou.
Em seu artigo, Amorim irozina que o Brasil voltará "ao cantinho de onde nunca deveria ter saído", referindo-se a uma posição subalterna no cenário internacional.
"Uma coisa é você ter sobriedade e realismo, outra é querer dar um passo maior que a perna", disse Ricupero.
Segundo ele, o Brasil é uma potência quando se refere ao tema do ambiente, mas não se aproveitou dessa oportunidade durante Lula e Dilma. "Eles foram tímidos e defensivos."
Ele rebateu a ideia de que Serra, que acusava a política externa do PT de ser ideológica, agora proponha uma aproximação com governos de centro-direita, o que seria também uma "ideologização".
"Lula e Amorim buscavam uma relação especial com países como Nicarágua e Cuba, com os quais não temos quase nada em comum", disse.
"Já Argentina e México são as duas principais economias da região e são governos dispostos a negociar com o Brasil. Argentina seria prioritária com Cristina Kirchner ou Mauricio Macri."

Guinada à direita no Itamaraty, por Celso Amorim


CELSO AMORIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
22/05/2016  01h22
3,0 mil
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Uma imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as palavras podem ter grande peso.
A combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.
É até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.
E não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo. Certamente, a imagem da equipe do filme "Aquarius", estampada pela Folhaem sua primeira página da edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.
Evaristo Sá -18.maio.2016/AFP
Novo chanceler brasileiro, José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Por um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam mulheres, negros ou jovens.
O que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.
Em suas primeiras ações, o novo chanceler disse a que veio: com palavras incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em "propagar falsidades", as notas divulgadas (aliás, estranhamente atribuídas ao Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe, com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.
Um misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.
Talvez, por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica, insuspeita de bolivarianismo.
Mas o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político. Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo, não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.
Há muito que "especialistas", cujos discursos são ecoados pela grande mídia, acusam de "partidária" a política externa dos governos Lula e Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC (Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das negociações em nível global.
Ao mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu "coração", a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do presidente Tabaré Vasquez).
Em matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (a Parceria Transpacífico ) denota total ignorância das cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo industrial, ambiental e de saúde, entre outros).
Chega a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus (na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.
A África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano, sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant. Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria. Nada de atitudes independentes.
A Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo medíocre em nosso país.
Mas as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca deveria ter saído.


CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma) 

Ministério da Cultura: uma oportunidade desperdiçada, POR BERNARDO GUIMARÃES


O maior desafio do novo presidente é colocar a economia brasileira nos trilhos. Isso requer ajustar as contas públicas para evitar um crescimento explosivo da dívida.
Esse ajuste é muito complicado em uma recessão, pois a arrecadação de impostos é menor e aumentar impostos nesse momento torna ainda mais difícil a recuperação.
Se o novo governo conseguisse transmitir confiança aos investidores e, assim, atrair investimentos, a tarefa seria menos complicada por dois motivos: esse aumento no investimento e na produção teria um efeito positivo na arrecadação (menos cortes seriam necessários); e o consequente aumento no nível de emprego colaboraria para a popularidade do novo governo e, assim, reduziria a oposição às reformas.
Então, como transmitir confiança?
O governo precisa convencer os agentes econômicos que será capaz de aprovar uma série de medidas econômicas que implicam em gastos públicos menores e/ou impostos maiores. Muita gente vai reclamar.
Portanto, para transmitir confiança, o presidente precisa mostrar que será capaz de suportar pressões de vários grupos e de angariar algum apoio da opinião pública.
A questão do Ministério ou Secretaria da Cultura é pouco relevante. Em princípio, a mudança poderia ser só uma troca de nome. Só que Michel Temer poderia ter usado esse episódio para transmitir confiança.
Usando a terminologia de teoria dos jogos, a chiadeira contra a extinção do Ministério da Cultura deu ao presidente a oportunidade de “sinalizar seu tipo”, ou seja, deu-lhe a chance de mostrar que teria condições de suportar pressões e ditar a agenda.
Por exemplo, me parece que seria fácil para o governo olhar os orçamentos dos ministérios e:
(1) Achar algum motivo pelo qual faria sentido ter o Ministério da Cultura junto com o da Educação. Alguma secretaria ou órgão com função parecida nos dois ministérios, ou alguns programas que poderiam ser combinados, alguma sinergia, qualquer coisa. Qualquer coisa que pudesse ser usada para argumentar que a mudança será benéfica (mesmo que depois alguém pudesse apontar contra argumentos).
(2) Achar algum gasto que pode ser cortado, algum incentivo que pode ser modificado (talvez por algum tempo), alguma coisa que signifique uma economia de recursos e que a maior parte da população seja a favor (claro que alguns vão chiar, é preciso aguentar).
(3) Achar algum gasto que foi cortado, algum programa que não foi executado pela gestão anterior, qualquer coisa que custe menos que o que será cortado (o item 2) e pareça um melhor uso de recursos.
Por exemplo: seria reduzido o incentivo fiscal a grandes empresas (ou bancos!) que financiam eventos direcionados aos mais ricos (com ingressos caros); aumentaria o incentivo fiscal para algum tipo de projeto de arte com entrada franca. No total, o país economizaria um troco.
Os jornais trariam os argumentos dos Ministros ou Secretários com números e exemplos que quase ninguém conhece ou tem acesso (ou paciência para olhar). Até alguém achar os dados, entender o assunto e estruturar um bom contra-argumento, levaria uma semana. Nesse tempo, o assunto já estaria esfriando e o debate ficaria restrito aos mais interessados.
A economia de recursos seria ínfima se comparada ao tamanho do ajuste, mas o governo conseguiria “sinalizar seu tipo”.
À opinião pública, o governo passaria a impressão de saber o que está fazendo e de estar buscando um ajuste fiscal razoável.
Aos mais cínicos (como eu), o governo passaria a impressão de conseguir suportar pressões e de ser capaz de trazer a opinião pública para seu lado. Investidores passariam a acreditar que o governo teria condições de fazer limonadas dos vários limões que ainda serão atirados quando medidas de ajuste forem propostas.
Ao invés disso, temos as piadas sobre o Ministério do Recuo.
A teoria dos jogos nos diz que quem não aproveita a chance para transmitir uma mensagem positiva efetivamente transmite uma mensagem negativa.
A implicação é que os agentes econômicos devem ficar um pouco mais céticos em relação à capacidade desse governo aprovar as medidas de ajuste.

A TV pública como palanque, por Mauricio Sticer


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No bangue-bangue que se seguiu ao afastamento da presidente Dilma Rousseff e à posse do interino Michel Temer, um dos primeiros alvos atingidos foi a área de comunicação.
A confusão destes dias iniciais não deixa dúvida de que o novo governo tem a intenção de mexer de forma drástica na EBC (Empresa Brasil de Comunicação), responsável pela TV Brasil.
O primeiro sinal foi dado pela demissão nesta terça-feira (17) do presidente da empresa, o jornalista Ricardo Melo. Temer, que quer colocar um aliado no lugar, causou espécie por tomar uma atitude juridicamente questionável. O estatuto da EBC estabelece que o presidente tem mandato de quatro anos e só pode ser demitido por vontade própria ou falha grave no exercício da função.
Melo foi nomeado por Dilma no último dia 4, apenas sete dias antes do início da votação no Senado que resultou na suspensão do mandato da presidente. O cargo estava vago havia três meses, desde que o jornalista Américo Martins pediu demissão.
À época, especulou-se que o jornalista estaria insatisfeito com pressões recebidas do governo para indicação de nomes e alterações na grade da TV Brasil.
Reside aí, justamente, um dos pontos centrais da discussão. Como critica Eugênio Bucci em "O Estado de Narciso" (Companhia das Letras, 2015), "a comunicação pública no Brasil virou um palanque partidário, um negócio lucrativo, uma passarela para a vaidade particular e, sem exagero nenhum, uma arma a serviço da guerra eleitoral".
Tese de livre-docência apresentada à USP em 2014, o estudo reflete experiências do autor em dois níveis –como presidente da Radiobrás (2003-2007) e como conselheiro da Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura, em São Paulo.
Bucci chama a atenção para o erro, cometido em todas as instâncias de poder, de achar legítimo o uso da comunicação pública para defender o ponto de vista de um partido ou uma coalizão. "A comunicação pública só se justifica dentro do Estado democrático de Direito se ela realizar o dever do Estado de informar".
Na sua visão, uma falha grave na estrutura da EBC é o fato de os dois cargos principais da empresa serem uma escolha do presidente do país. Bucci também critica o vínculo funcional da estatal com o governo por meio da área de comunicação social, e não a de cultura. "Não há possibilidade de decisões que contrariem as diretrizes expressas dos ministros e do presidente da República."
A situação, observa, é semelhante na TV Cultura. "Não existe, na história da Fundação, uma única decisão grave que tenha prevalecido contra a vontade do governador de turno".
Concordo que mudanças no modelo são necessárias. Mas não é açodamento um governo interino, com prazo de duração estabelecido por lei, propor alterações estruturais? Não seria mais correto esperar até o fim do processo de impeachment para, se confirmado o afastamento de Dilma, fazer isso?
CONVITE


Está saindo pela editora Arquipélago "Adeus, Controle Remoto "" Uma Crônica do Fim da TV como a Conhecemos". O livro reúne textos publicados na Folha e em meu blog no UOL, além de reflexões inéditas. O lançamento será nesta segunda (23), às 19h, na livraria Blooks, no shopping Frei Caneca. Estão todos convidados. 

A caravana do atraso, por Elio Gaspari, na FSP

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Conservador é uma coisa, direita é outra, mas os males de Pindorama nunca vieram de uma nem da outra. Vieram do atraso que sustenta um pedaço do andar de cima.
Michel Temer entrou no Planalto com a bandeira da reforma da Previdência. Ela gira em torno da elevação da idade com que os brasileiros podem se aposentar. Faz sentido que ninguém vá para a conta da Viúva antes dos 65 anos. Falta explicar como ficarão as pessoas do andar de baixo que estão há décadas no sistema do INSS. Não foram eles quem quebraram a Previdência.
Foi o atraso. Michel Temer, procurador do Estado de São Paulo, requereu sua aposentadoria em 1996, aos 55 anos. Desde então, passou a receber R$ 9.300 mensais. Naqueles dias, o cardiologista Adib Jatene, ícone da medicina brasileira comentava: "Tenho 66 anos de idade e 38 de serviço público. Não me aposentei". À época, o deputado Temer relatava a reforma da Previdência dos outros.
O deputado Ricardo Barros, ministro da Saúde de Temer, diz que o SUS deve restringir suas atividades e aplaude a proliferação de planos privados. Ele não é freguês do SUS, mas sua campanha recebeu uma doação de R$ 100 mil do presidente da operadora de saúde privada Aliança. Já o ministro do Desenvolvimento Social, doutor Osmar Terra, ponderou que é preciso "oportunizar" a saída de gente do Bolsa Família e que esse cheque não pode virar "coleira política". Tem toda razão, mas nem todo mundo é capaz de "oportunizar" um acesso à "coleira" da Odebrecht, que injetou R$ 190 mil na sua campanha eleitoral.
Como disse Temer ao justificar seu pedido de aposentadoria, tudo foi feito dentro da legalidade, pois do contrário pareceria que era um "safardana". Nem ele, nem Barros ou Terra são safardanas. São apenas parte de um enorme e histórico processo de predominância do atraso.
Os doutores nem novidade são. O patrono do ensino de economia no Brasil é José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu (1756-1835). Ele foi o primeiro professor de "ciência econômica" e propagava as ideias do escocês Adam Smith, o da "mão invisível" do mercado. Quando foi transferido de escola, Smith ofereceu-se para devolver aos alunos o dinheiro do curso. Cairu aposentou-se aos 50 anos e nunca deu uma aula.
*
A COBRA QUE RI
Se Lula tiver saúde e estiver no uso e gozo de seus direitos políticos, será candidato a presidente em 2018.
A ideia de que se esmagou a cabeça da cobra da jararaca é prematura.
Essa especulação poderá ser mais bem avaliada depois da eleição municipal. Se o PT segurar a Prefeitura de São Paulo, a jararaca voltará a sorrir.
EM AÇÃO
Na quinta-feira (19), o secretário-executivo Moreira Franco e seu colega Raul Jungmann, ministro da Defesa, almoçavam no restaurante Laguiole, no Rio.
Um curioso fez a conta: eram acompanhados por seis seguranças.
Com a linda vista do Museu de Arte Moderna, o Laguiole é um dos mais caros da cidade.
No início do consulado petista, o mesmo curioso estava no Piantella de Brasília e percebeu que havia algo de novo no país quando viu a relação de Jair Meneguelli, ex-presidente da CUT, com uma taça de vinho. Ele manuseava o copo com a coreografia de um Rothschild no Maxim's.
JOGO CHINÊS
O companheiro Xi Jinping, presidente da China, avançou sobre o seu antecessor Hu Jintao.
Numa noite de 2012, uma Ferrari 458 Spider encaçapou-se num muro, matando o motorista e uma das jovens seminuas que estavam a bordo. O garoto era filho de Ling Jinhua, principal assessor do presidente Hu. Alguns amigos do mundo do petróleo compraram silêncios e a operação abafa foi um êxito.
O companheiro Xi vem decapitando as quadrilhas de poderosos. Encarcerou um rival, meteu na cadeia o chefe dos serviços de segurança. Agora o poderoso Ling vai para a cana.
Começa-se a suspeitar de que a campanha contra a corrupção esteja acompanhada de um projeto de poder pessoal de Xi.
A MÁGICA DE CUNHA
Eduardo Cunha tem um aliado em André Moura, o novo líder do governo na Câmara, e não se pode dizer que tenha um adversário no Palácio do Planalto.
Para fechar sua grande mágica, Cunha precisa eleger o novo presidente da Câmara. Ele sabe que ninguém conseguirá o lugar sem o apoio de sua bancada particular.
DINASTIA
José Mendonça Bezerra, pai de Mendonça Filho, o ministro da Educação na caravana Temer, elegeu-se sete vezes deputado federal por Pernambuco.
O ministro é genro de Marcos Vilaça, autor de um dos melhores livros sobre o patriarcado político nacional. Chama-se "Coronel, Coronéis - Apogeu e Declínio do coronelismo no Nordeste" e foi publicado quando Vilaça tinha 26 anos.
Alguém poderia retomar o assunto. Temer tem três ministros que se identificam pela condição de "filho" (Mendonça, Sarney e Fernando Coelho).
O Barão do Rio Branco era filho do poderoso Visconde e tinha a mesmo nome do pai, mas ninguém teve a ousadia de chamá-lo de Paranhos Filho.
O PATO DE SKAF
Se Temer aumentar um imposto, coisa que parece inevitável, o doutor Paulo Skaf, presidente da Fiesp, deverá recolocar aquele grande pato amarelo diante da sede da guilda.
A volta do enfeite poderá significar uma de duas coisas, ou ambas: O pato era Skaf. O pato era quem acreditava em Skaf.
VENEZUELA
O comissariado petista diz que o impedimento de Dilma Rousseff foi um golpe. Já as malfeitorias do presidente venezuelano Nicolás Maduro seriam aperfeiçoamento da democracia direta.
Tem razão o grande Pepe Mujica: "Maduro está louco como uma cabra".
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A Bolsa Fies alimenta gatos gordos

O ministro da Educação, Mendonça Filho, tem sobre a mesa uma pasta de pleitos. Nela estão as pressões das empresas que controlam instituições privadas de ensino aninhadas no Fundo de Financiamento Estudantil, o Fies. Querem mais fregueses (leia-se recursos) e menos controles. Em 2014, a Viúva botou quase R$ 14 bilhões no programa.
Em tese, o Fies ajuda os estudantes. Na prática, por violar normas elementares do crédito, financia faculdades privadas e estimula calotes.
Quem estiver interessado na exposição desse truque, pode buscar o artigo "O Efeito da Disponibilidade de Crédito para Estudantes sobre as Mensalidades", dos professores João Manuel Pinho de Mello, do Insper, e Isabela Ferreira Duarte, da PUC-Rio.
Eles ralaram nos números de 2010 a 2013 e concluirão que o dinheiro do Fies provocou um aumento de seis pontos percentuais acima da inflação no preço das mensalidades das faculdades privadas. No período, a lucratividade do Grupo Kroton (o maior do mercado) dobrou. Metade dessa bonança viria do "efeito Fies".
O texto em inglês está na rede: "The Effect of the Availability of Student Credit on Tuitions: Testing the Bennet Hypothesis using Evidence from a Large-Scale Student Loan Program in Brazil".




É coisa para quem entende economês.