Lá estava Barack, ou o "preezie of the United Steezie", na gíria do anfitrião Jimmy Fallon. Enquanto Fallon imitava um cantor de soul à la Isaac Hayes e a banda neo-soul The Roots caprichava no slow jam, a pedido do próprio "Barackness Monstro", a plateia de universitários da Carolina do Norte urrava de satisfação. O presidente, no segundo plano da câmera, como num programa de TV dos tempos da Motown, declamava sua iniciativa para segurar os juros dos empréstimos para estudantes.
Hummm, yeah.
O cool cat que canta Let's Stay Together. O presidente Black Ninja, no apelido cunhado pelo comediante Bill Maher, logo depois do assassinato de Osama Bin Laden. O armador que ginga na quadra de basquete da Casa Branca.
O vídeo do jamming com Jimmy Fallon, como se esperava, se tornou viral.
E o zilionário comitê político pró-Mitt Romney contra-atacou imediatamente com uma montagem impiedosa de imagens de Obama em pleno exercício do cool, concluindo com a pergunta: "Depois de quatro anos do presidente-celebridade, a sua vida melhorou?" Cesta!
Nuance não é arma de campanha. Como fabricar slogans com o fato de que Obama herdou um desastre e a vida dos americanos estaria pior ainda sem iniciativas que ele tomou?
Obama dificilmente vai tirar tantos jovens de casa para votar como fez em 2008, neste país onde o voto não é obrigatório e quando ele não representa mais o desafio do novo e a esperança imortalizada no pôster de Shepard Fairey. Um em cada dois jovens com curso universitário nos Estados Unidos está desempregado.
Apelar para os símbolos da cultura popular é um velho truque de campanha. Quem pode esquecer Bill Clinton tocando saxofone de óculos escuros no finado talk show de Arsenio Hall, em 1992?
O contraste entre o sensaborão mórmon Mitt Romney, de 65 anos, e o esguio presidente 15 anos mais novo, que canta blues com B.B. King na Casa Branca, é óbvio. Mas a economia americana continua mancando com um crescimento abaixo das expectativas de economistas.
É a velha pergunta: com qual dos dois o eleitor indeciso tomaria uma cerveja? Preciso responder?
A ironia é que Obama e Romney têm muito em comum: ambos são psicologicamente distantes, detestam o varejo da campanha, os beijos e abraços, as fotos com bebês, preferem pontificar sobre suas convicções do que defender suas ideias no corpo a corpo com adversários. Ambos confiam num círculo limitado de amigos e parentes.
Obama dá uma surra em Romney no quesito simpatia. Uma pesquisa recente mostra que a diferença é de 54% a 18%, a favor de Obama. E, quando a pergunta é "Quem tem mais compaixão pelo homem comum?", a vantagem é a mesma.
Mas os Estados Unidos de 2012 são um país com fadiga de crise e escassez de matéria-prima para slogans movidos a "esperança" ou "mudança". São um país muito mais dividido ideologicamente do que a América que Obama seduziu com um discurso eletrizante na Convenção Democrata de 2004. Sedução e oratória, duas armas de Obama, podem sair pela culatra com um outro grupo crucial de eleitores - os independentes, entre os quais se incluem americanos que dificilmente serão recebidos de volta pelo mercado de trabalho.
Quem não gosta de um presidente cool? A resposta pode ser irrelevante em novembro.
O índice de desemprego entre os jovens com menos de 25 anos passa dos 50% na Espanha. Na Irlanda, quase um terço dos jovens estão desempregados. Aqui nos Estados Unidos, o desemprego entre os jovens é de "apenas" 16,5%, o que ainda é terrível -mas as coisas poderiam ser piores.
Muitos políticos estão fazendo o possível para garantir que as coisas piorem realmente. Temos ouvido falar muito da guerra contra as mulheres, algo que é real. Mas também existe uma guerra contra os jovens, coisa que é igualmente real, embora seja mais bem disfarçada. E está fazendo mal imenso não apenas aos jovens, mas ao futuro do país.
Comecemos por um conselho que Mitt Romney deu a estudantes universitários na semana passada, numa aparição pública. Depois de criticar o "divisionismo" do presidente Barack Obama, o candidato recomendou à platéia: "Aposte nisso, vá fundo, se arrisque, consiga uma educação, empreste dinheiro de seus pais se for preciso, abra um negócio".
A primeira coisa que se nota aqui é o toque típico de Romney --a nítida ausência de empatia por quem não nasceu em uma família de posses, quem não pode depender do Banco Papai e Mamãe para financiar suas ambições. Mas o restante da frase é igualmente ruim, à sua maneira.
Afinal, "consiga uma educação". E pague por ela de que maneira? As mensalidades das universidades e faculdades públicas estão subindo, graças em parte à redução aguda na assistência do governo. Romney não está propondo nada que resolva esse problema. Mas é fortemente a favor do plano orçamentário Ryan, que prevê cortes radicais na assistência federal aos estudantes, o que levaria cerca de 1 milhão de estudantes a perder suas bolsas Pell.
Então como, exatamente, os jovens de famílias com poucos recursos devem fazer para "conseguir uma educação"? Em março, Romney apresentou a resposta: encontre a faculdade "que tenha um preço um pouco mais baixo e onde você possa conseguir uma boa educação". Boa sorte com isso. Mas acho que seria divisivo apontar que as prescrições de Romney de nada adiantam para os americanos que não nasceram com os mesmos privilégios que ele.
Há uma questão maior em jogo, entretanto: mesmo que os estudantes "consigam uma educação", de alguma maneira, algo para o qual eles muitas vezes incorrem em dívidas pesadas, vão se formar em uma economia que não parece querê-los.
Você provavelmente já ouviu muito que profissionais com formação universitária estão se saindo melhor nesta recessão do que pessoas que têm apenas o ensino médio completo, e é verdade. Mas a história se mostra bem menos animadora se você foca sua atenção não sobre americanos de meia idade com formação universitária, mas sobre pessoas recém-formadas.
O desemprego entre recém-formados vem crescendo; o emprego em tempo parcial, também, fato que provavelmente reflete a dificuldade dos recém-formados em encontrar empregos em tempo integral. Fato que talvez seja ainda mais revelador, os ganhos vêm caindo mesmo entre os recém-formados que trabalham em tempo integral --sinal que muitos deles podem ter sido obrigados a aceitar empregos em que não fazem uso de sua formação.
Portanto, os diplomados estão se saindo mal devido à economia fraca. E as pesquisas nos revelam que esse preço não é temporário. Os estudantes que se diplomam numa economia fraca nunca chegam a recuperar o terreno perdido. Ao invés disso, seus ganhos ficam deprimidos pelo resto de suas vidas.
O que os jovens mais precisam, portanto, é de um mercado de trabalho melhor. As pessoas como Romney afirmam que têm a receita para a geração de empregos: reduzir os impostos sobre as empresas e os ricos, reduzir os gastos com serviços públicos e com os pobres. Mas hoje dispomos de muitas provas de que como essas políticas funcionam de fato numa economia deprimida --e está claro que, ao invés de gerar empregos, elas os destroem.
Quando olhamos a devastação econômica na Europa, devemos guardar em mente que alguns dos países que estão passando pela pior devastação vêm fazendo tudo o que os conservadores americanos dizem que devemos fazer aqui. Não faz muito tempo, os conservadores se derramavam em elogios à política econômica da Irlanda, especialmente os impostos baixos cobrados das empresas; a Fundação Heritage dava ao país uma nota mais alta que a de qualquer outra nação ocidental no quesito "liberdade econômica". Quando as coisas deram errado, a Irlanda voltou a ser fartamente elogiada, desta vez pelos cortes intransigentes em seus gastos, que supostamente iriam inspirar confiança e levar a uma recuperação rápida.
E agora, como mencionei antes, quase um terço dos jovens irlandeses não conseguem achar emprego.
O que devemos fazer para ajudar os jovens da América? Basicamente, o contrário do que querem Romney e seus amigos. Deveríamos estar ampliando a assistência aos estudantes, e não reduzindo-a. E deveríamos reverter as políticas de austeridade que estão freando a economia americana: os cortes inusitados nos gastos estaduais e locais, que vêm atingindo a educação muito duramente.
Sim, tal inversão de política custaria dinheiro. Mas recusar-se a gastar esse dinheiro é estupidez e miopia, mesmo falando em termos puramente fiscais. Vale lembrar que os jovens não são apenas o futuro da América: eles são também o futuro da base de contribuintes.
Desperdiçar uma mente é uma coisa terrível; desperdiçar os cérebros de uma geração inteira é ainda mais terrível. Vamos parar de fazê-lo!
A primeira revolução industrial começou na Inglaterra no final do século XVIII, com a mecanização da indústria têxtil. Tarefas feitas anteriormente a mão em centenas de ateliês foram reunidas em um único espaço, e a fábrica nasceu. A segunda revolução industrial veio no início do século XX, quando Henry Ford dominou a linha de montagem móvel e inaugurou a era da produção em massa. As duas primeiras revoluções industriais tornaram as pessoas mais ricas e mais urbanas. Agora, uma terceira revolução está em curso. A manufatura está migrando para o campo digital. E isso pode mudar não apenas os negócios, mas muitas outras coisas mais.
Uma série de tecnologias notáveis estão convergindo: software inteligente, novos materiais, robôs mais ágeis, novos processos (em especial a impressão tridimensional) e toda uma gama de serviços baseados na web. A fábrica do passado baseou-se na produção de zilhões de produtos idênticos: uma frase atribuída a Ford diz que os compradores de carro podem escolher um automóvel na cor que quiserem, desde que ele seja preto. Mas o custo de produção de lotes muito menores de uma variedade mais ampla, com cada produto adaptado com precisão aos caprichos de cada cliente, está caindo. A fábrica do futuro se concentrará na customização em massa e pode acabar se assemelhando mais a esses ateliês do que à linha de montagem da Ford.
A velha maneira de fazer as coisas envolvia várias peças que deveriam ser aparafusadas ou soldadas. Agora, um produto pode ser projetado em um computador e “impresso” em uma impressora 3D, que cria um objeto sólido através da construção de camadas sucessivas de material. O design digital pode ser ajustado com alguns cliques. A impressora 3D pode funcionar de maneira autônoma, e pode fazer muitas coisas que são complexas demais para as fábricas tradicionais. Com o tempo, essas máquinas incríveis podem se tornar capazes de fazer quase qualquer coisa, em qualquer lugar – desde a sua garagem até uma aldeia africana.
As aplicações da impressão 3D são especialmente complexas. Atualmente, aparelhos auditivos e partes de jatos militares de alta tecnologia estão sendo impressos em formatos personalizados. A geografia das cadeias de abastecimento vai mudar. Um engenheiro que trabalha no meio de um deserto que carece de uma determinada ferramenta não tem mais que esperar que ela seja entregue da cidade mais próxima. Ele pode simplesmente baixar o projeto e imprimi-lo. Os dias em que os projetos eram paralisados por falta de peças, ou que os clientes reclamavam que não podiam mais encontrar peças de reposição para as coisas que tinham comprado, estão prestes a se tornar lembranças esquisitas do passado.
Outras mudanças são quase tão importantes. Novos materiais são mais leves, mais fortes e mais duráveis do que os antigos. A fibra de carbono está substituindo o aço e o alumínio em produtos que vão desde aviões até bicicletas. Novas técnicas permitem que engenheiros moldem objetos minúsculos. A nanotecnologia está dando recursos avançados aos produtos, tais como ataduras que ajudam a curar cortes, motores que funcionam de forma mais eficiente, e pratos que são limpos com mais facilidade. Vírus geneticamente modificados estão sendo desenvolvidos para produzir itens como baterias. E com a internet permitindo que designers colaborem cada vez mais em novos produtos, as barreiras à entrada estão caindo. A Ford precisou de muito capital para construir sua fábrica gigantesca; o seu equivalente moderno pode começar com pouco mais que um laptop e uma sede pela invenção.
Como todas as revoluções, ela será perturbadora. A tecnologia digital já abalou os setores de mídia e varejo, assim como fábricas de algodão esmagaram os teares manuais e os automóveis aposentaram muitos fabricantes de ferraduras. Muitos vão olhar para as fábricas do futuro e estremecer. Elas não estarão cheias de máquinas sujas operadas por homens em macacões oleosos. Muitas serão completamente limpas e quase desertas. Algumas montadoras já produzem duas vezes o número de veículos por empregado, do que faziam apenas uma década ou mais atrás. A maioria dos empregos não estará no chão da fábrica, mas nos escritórios nas proximidades, que estarão cheios de designers, engenheiros, especialistas de TI, especialistas em logística, marketing pessoal e outros profissionais. Os empregos na indústria do futuro exigirão mais habilidades. Muitas tarefas enfadonhas e repetitivas se tornarão obsoletas: você não precisa mais de rebitadores quando um produto não tem rebites.
A revolução vai afetar não apenas a maneira como as coisas são feitas, mas também onde elas são produzidas. Fábricas costumavam se deslocar para países de baixos salários para reduzir custos trabalhistas. Mas os custos trabalhistas estão se tornando cada vez menos importantes: um iPad de US$ 499 inclui apenas cerca de US$ 33 de trabalho manufatureiro, do qual a montagem final na China foi responsável por apenas US$ 8. A produção offshore está voltando cada vez mais para os países ricos, não porque os salários chineses estão subindo, mas porque as empresas agora querem estar mais perto de seus clientes, para que eles possam responder mais rapidamente às mudanças na demanda. E alguns produtos são tão sofisticados que se torna vantajoso ter as pessoas que os concebem e as pessoas que os produzem no mesmo lugar. O Boston Consulting Group estima que, em áreas como os transportes, computadores, produtos metalúrgicos e máquinas, um número entre 10 e 30% dos bens que os Estados Unidos importam da China poderiam ser produzidos no país até 2020, aumentando a produção norte-americana em até US$ 55 bilhões anuais.
O choque da novidade
Os consumidores terão pouca dificuldade em adaptar-se à nova era de melhores produtos, rapidamente entregues. Os governos, no entanto, poderão ter mais problemas. Seu instinto é o de proteger indústrias e empresas que já existem, e não as empresas iniciantes que podem destruí-las. Eles inundam antigas fábricas com subsídios e chefes intimidadores que querem transferir a produção para o exterior. Eles gastam bilhões que apóiam as novas tecnologias que, eles acreditam que irão prevalecer. E eles se agarram a uma crença romântica de que a produção é superior aos serviços, e muito mais importante que as finanças.
Nada disto faz sentido. As linhas entre indústria e serviços estão se tornando cada vez menos visíveis. A Rolls-Royce já não vende mais motores a jato; ela vende as horas que cada motor está impulsionando um avião no céu. Os governos sempre foram péssimos na hora de escolher os vencedores, e eles tendem a se tornar piores, enquanto uma legião de empresários troca projetos online, transforma esses projetos em produtos em casa e os comercializa globalmente da uma garagem. Com a revolução em andamento, os governos devem manter o básico: melhores escolas para uma força de trabalho qualificada, regras claras, e igualdade de condições para empresas de todos os tipos. Deixe o resto para os revolucionários.
A primeira revolução industrial começou na Inglaterra no final do século XVIII, com a mecanização da indústria têxtil. Tarefas feitas anteriormente a mão em centenas de ateliês foram reunidas em um único espaço, e a fábrica nasceu. A segunda revolução industrial veio no início do século XX, quando Henry Ford dominou a linha de montagem móvel e inaugurou a era da produção em massa. As duas primeiras revoluções industriais tornaram as pessoas mais ricas e mais urbanas. Agora, uma terceira revolução está em curso. A manufatura está migrando para o campo digital. E isso pode mudar não apenas os negócios, mas muitas outras coisas mais.
Uma série de tecnologias notáveis estão convergindo: software inteligente, novos materiais, robôs mais ágeis, novos processos (em especial a impressão tridimensional) e toda uma gama de serviços baseados na web. A fábrica do passado baseou-se na produção de zilhões de produtos idênticos: uma frase atribuída a Ford diz que os compradores de carro podem escolher um automóvel na cor que quiserem, desde que ele seja preto. Mas o custo de produção de lotes muito menores de uma variedade mais ampla, com cada produto adaptado com precisão aos caprichos de cada cliente, está caindo. A fábrica do futuro se concentrará na customização em massa e pode acabar se assemelhando mais a esses ateliês do que à linha de montagem da Ford.
A velha maneira de fazer as coisas envolvia várias peças que deveriam ser aparafusadas ou soldadas. Agora, um produto pode ser projetado em um computador e “impresso” em uma impressora 3D, que cria um objeto sólido através da construção de camadas sucessivas de material. O design digital pode ser ajustado com alguns cliques. A impressora 3D pode funcionar de maneira autônoma, e pode fazer muitas coisas que são complexas demais para as fábricas tradicionais. Com o tempo, essas máquinas incríveis podem se tornar capazes de fazer quase qualquer coisa, em qualquer lugar – desde a sua garagem até uma aldeia africana.
As aplicações da impressão 3D são especialmente complexas. Atualmente, aparelhos auditivos e partes de jatos militares de alta tecnologia estão sendo impressos em formatos personalizados. A geografia das cadeias de abastecimento vai mudar. Um engenheiro que trabalha no meio de um deserto que carece de uma determinada ferramenta não tem mais que esperar que ela seja entregue da cidade mais próxima. Ele pode simplesmente baixar o projeto e imprimi-lo. Os dias em que os projetos eram paralisados por falta de peças, ou que os clientes reclamavam que não podiam mais encontrar peças de reposição para as coisas que tinham comprado, estão prestes a se tornar lembranças esquisitas do passado.
Outras mudanças são quase tão importantes. Novos materiais são mais leves, mais fortes e mais duráveis do que os antigos. A fibra de carbono está substituindo o aço e o alumínio em produtos que vão desde aviões até bicicletas. Novas técnicas permitem que engenheiros moldem objetos minúsculos. A nanotecnologia está dando recursos avançados aos produtos, tais como ataduras que ajudam a curar cortes, motores que funcionam de forma mais eficiente, e pratos que são limpos com mais facilidade. Vírus geneticamente modificados estão sendo desenvolvidos para produzir itens como baterias. E com a internet permitindo que designers colaborem cada vez mais em novos produtos, as barreiras à entrada estão caindo. A Ford precisou de muito capital para construir sua fábrica gigantesca; o seu equivalente moderno pode começar com pouco mais que um laptop e uma sede pela invenção.
Como todas as revoluções, ela será perturbadora. A tecnologia digital já abalou os setores de mídia e varejo, assim como fábricas de algodão esmagaram os teares manuais e os automóveis aposentaram muitos fabricantes de ferraduras. Muitos vão olhar para as fábricas do futuro e estremecer. Elas não estarão cheias de máquinas sujas operadas por homens em macacões oleosos. Muitas serão completamente limpas e quase desertas. Algumas montadoras já produzem duas vezes o número de veículos por empregado, do que faziam apenas uma década ou mais atrás. A maioria dos empregos não estará no chão da fábrica, mas nos escritórios nas proximidades, que estarão cheios de designers, engenheiros, especialistas de TI, especialistas em logística, marketing pessoal e outros profissionais. Os empregos na indústria do futuro exigirão mais habilidades. Muitas tarefas enfadonhas e repetitivas se tornarão obsoletas: você não precisa mais de rebitadores quando um produto não tem rebites.
A revolução vai afetar não apenas a maneira como as coisas são feitas, mas também onde elas são produzidas. Fábricas costumavam se deslocar para países de baixos salários para reduzir custos trabalhistas. Mas os custos trabalhistas estão se tornando cada vez menos importantes: um iPad de US$ 499 inclui apenas cerca de US$ 33 de trabalho manufatureiro, do qual a montagem final na China foi responsável por apenas US$ 8. A produção offshore está voltando cada vez mais para os países ricos, não porque os salários chineses estão subindo, mas porque as empresas agora querem estar mais perto de seus clientes, para que eles possam responder mais rapidamente às mudanças na demanda. E alguns produtos são tão sofisticados que se torna vantajoso ter as pessoas que os concebem e as pessoas que os produzem no mesmo lugar. O Boston Consulting Group estima que, em áreas como os transportes, computadores, produtos metalúrgicos e máquinas, um número entre 10 e 30% dos bens que os Estados Unidos importam da China poderiam ser produzidos no país até 2020, aumentando a produção norte-americana em até US$ 55 bilhões anuais.
O choque da novidade
Os consumidores terão pouca dificuldade em adaptar-se à nova era de melhores produtos, rapidamente entregues. Os governos, no entanto, poderão ter mais problemas. Seu instinto é o de proteger indústrias e empresas que já existem, e não as empresas iniciantes que podem destruí-las. Eles inundam antigas fábricas com subsídios e chefes intimidadores que querem transferir a produção para o exterior. Eles gastam bilhões que apóiam as novas tecnologias que, eles acreditam que irão prevalecer. E eles se agarram a uma crença romântica de que a produção é superior aos serviços, e muito mais importante que as finanças.
Nada disto faz sentido. As linhas entre indústria e serviços estão se tornando cada vez menos visíveis. A Rolls-Royce já não vende mais motores a jato; ela vende as horas que cada motor está impulsionando um avião no céu. Os governos sempre foram péssimos na hora de escolher os vencedores, e eles tendem a se tornar piores, enquanto uma legião de empresários troca projetos online, transforma esses projetos em produtos em casa e os comercializa globalmente da uma garagem. Com a revolução em andamento, os governos devem manter o básico: melhores escolas para uma força de trabalho qualificada, regras claras, e igualdade de condições para empresas de todos os tipos. Deixe o resto para os revolucionários.
Há uma semana, durante o encontro Global Inet, realizado em Genebra, na Suíça, o fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, deu uma declaração no mínimo polêmica. Entusiasmado com a recente notícia de que seu site fez a vetusta Encyclopedia Britannica, que era impressa desde 1768, aposentar sua versão em papel, ele profetizou sobre o futuro da indústria do cinema: “Ninguém se dará conta quando Hollywood morrer. E mais, ninguém vai se importar”.
Não é uma continuação do velho discurso deslumbrado com o digital que o transformava em carrasco final de velhas mídias e tecnologias. Ao contrário do que foi alardeado por todo o século 20, o rádio não matou o jornal, como a TV não matou o cinema, nem o telefone matou a conversação. E quando o tema é internet, tais “mortes anunciadas” parecem apenas provocações – afinal, a internet não “mata” a indústria da música, do audiovisual, da fotografia ou das notícias, mas agrega cada faceta destes universos dentro de sua interface.
A questão, frisou Wales, não é tecnológica, mas social, citando a própria filha, Kira, de 11 anos, como exemplo: “Ela maneja com total desenvoltura uma câmara de alta definição, que usa para captar, editar e produzir seus próprios filmes na internet”. E continuou: “Quando essa geração completar 22 anos realizará filmes com mais qualidade que os de Hollywood. Esses mesmos filmes serão mais populares e destruirão o modelo de negócio vigente. Ocorrerá o mesmo que ocorreu com a Wikipedia, que fez que a Encyclopaedia Britannica deixasse de ser impressa 11 anos após a criação (da Wikipedia)”, declarou. E ao finalizar, cravou: “Há uma grande possibilidade que todo o modelo de produção esteja completamente ultrapassado em muito pouco tempo.”
Isso não quer dizer que o cinema vai acabar – longe disso. Wales falava especificamente da indústria cinematográfica norte-americana, concentrada nos estúdios de Hollywood, em Los Angeles. O modelo funcionou por décadas e foi se adaptando aos tempos: das salas de exibição à chegada da locação (primeiro o VHS, depois o DVD, outros candidatos a “assassinos do cinema”, cada um em seu tempo), passando pela TV a cabo e seu pay-per-view, filmes exibidos em voos até a tecnologia 3D. Tudo isso ficava concentrado na mão de alguns executivos, uma panela de técnicos, uma turma de atores e outra de autores. Mas eis que chegam as mídias digitais e, de repente, qualquer um pode fazer cinema. A princípio apenas alguns filminhos, feitos às vezes com o celular. Acontece que aos poucos outros truques típicos de uma indústria centenária (do figurino aos efeitos especiais, da iluminação à direção de arte, do roteiro à fotografia) são absorvidos por uma geração que nem sequer chegou à maioridade, como a filha de Wales.
Quando chegarem, em menos de dez anos, assistiremos a filmes completamente diferentes, que não se limitam a apostar no que é certo e fugir do que for mais ousado (este sim, o grande erro da indústria tradicional).
Falando de outra indústria, a da música, o ex-guitarrista do grupo inglês Oasis, Noel Gallagher, disse que “o consumidor não queria Sgt. Pepper’s (o clássico disco dos Beatles), nem Jimi Hendrix, nem Sex Pistols”, ao reclamar que a indústria havia se tornado uma imensa pesquisa sobre as vontades do público. Ele ecoava uma frase de Henry Ford muito repetida por Steve Jobs: “Se perguntássemos o que os consumidores queriam, eles não iriam querer o carro, e, sim, um cavalo mais rápido”.
A mídia não vai morrer, mas precisa se reinventar para se adequar. E se a indústria que toma conta disso não assumir logo estas rédeas, outros vão fazer isto por ela, criando uma nova indústria. A melhor analogia sobre a mudança remete à invenção da fotografia, que, teoricamente, acabaria com a função dos retratistas, uma vez que ninguém pagaria para ter um retrato pintado. O que aconteceu? Os pintores da virada do século 19 para o 20 criaram o impressionismo e o modernismo. E isso deve acontecer com o cinema, e logo. Como diz um amigo meu, ainda não vimos os melhores filmes de todos os tempos.
O maestro João Carlos Martins opera o cérebro para recuperar movimentos; consciente, sentia o sangue escorrer na cabeça e gritava de dor; mas diz que, já na cirurgia, voltou a "sonhar"
"Olha aqui a cirurgia." Uma semana depois de passar por uma operação no cérebro que durou mais de nove horas, o maestro João Carlos Martins, 71, aperta o botão de um DVD Player para mostrar as imagens impressionantes do procedimento. O aparelho, na bancada de seu camarim, num auditório de SP, demora alguns segundos para carregar.
"A cirurgia!", grita ele quando as primeiras cenas aparecem. "Você vai ver que precisa ter muito amor à profissão para enfrentar isso."
As imagens mostram o maestro deitado. Uma parafernália de fios e ferros circunda a sua cabeça. "Eu tive que ficar acordado o tempo todo. E mostrando um astral legal... Olha, a anestesia! Olha!" Uma agulha entra em sua testa. "Olha a serra!" Aumenta o volume do DVD e diz que, na hora, escutava o som do aparelho abrindo um orifício em sua cabeça. "Tudo, tudo, eu escutava tudo!"
Gritava: "Ai, meu Deus! Meu Deus do Céu!". "O Paulo [Niemeyer, neurologista que comandou a cirurgia] avisava os outros: 'O sangue está escorrendo!' E eu sentia o sangue na minha cabeça."
"É agora! Atenção", diz Martins, olhos grudados na tela. A voz do médico destaca-se no barulho dos equipamentos cirúrgicos. Ele pede a Martins que abra a mão esquerda. O maestro bate os dedos no próprio corpo, simulando tocar piano. "Isso tudo com o crânio aberto, miolos aparecendo", diz, ao rever a cena. "Não é impressionante?" Na tela, gira o pulso, estica os dedos. "Eu não abria a mão havia dez anos..."
O maestro sofre de uma disfunção cerebral conhecida como "distonia do pianista", explica Niemeyer à coluna. "É algo que pode acometer, por exemplo, quem escreve muito e tem a 'cãibra do escrivão'." São contrações involuntárias que comprometem os movimentos. No caso de Martins, ela evoluiu a ponto de seu braço esquerdo quase grudar no peito. Em pouco tempo, ele poderia ser obrigado a deixar de reger.
Seria a segunda tragédia profissional de sua vida. Até 1998, Martins era pianista reconhecido internacionalmente, considerado um dos maiores intérpretes de Bach. Daí, o primeiro baque: começou a ter dores "insuportáveis" na mão direita, lesionada anos antes numa partida de futebol. "Era como uma faca entrando na minha pele." Os médicos decidiram cortar o nervo para que ele perdesse a sensibilidade. A mão atrofiou. Passou a tocar apenas com a mão esquerda.
Quatro anos depois, a distonia começou a afetar a outra mão. Em 2002, ele se despediu do piano em um concerto em Pequim. Reencontrou a música em 2004, quando passou a reger. Há alguns meses, alertado pelo maestro Julio Medaglia, percebeu que estava perdendo o movimento dos braços.
Procurou a clínica de Niemeyer. Que disse a ele que seria possível, numa cirurgia, recuperar o movimento dos braços. João Carlos Martins insistiu: "Eu pedi que ele tentasse também abrir as minhas mãos. Aí, qual é o meu sonho? É voltar a tocar piano com a mão esquerda. Mas ele não prometeu isso. Prometeu abrir o meu braço. Eu já estava com o braço aqui atrás".
Na cirurgia, realizada no Rio, Niemeyer fez um furo no crânio do maestro. Por ali, programado por um computador, um equipamento levou um eletrodo até núcleos do cérebro responsáveis pela modulação dos movimentos. O paciente precisa ficar consciente porque são feitos testes para ver se o eletrodo está bem posicionado. Se ele apresentar algum distúrbio visual ou dormência, por exemplo, é sinal de que o aparelho não está no lugar correto dentro da cabeça.
Do eletrodo partem fios que, entre o osso e a pele, descem pelo pescoço até a região peitoral. Ali, são ligados a estimuladores, como marcapassos, que inibem as cargas elétricas que provocam as contrações no braço do maestro.
Martins puxa a camiseta, mostra o lugar onde foram instalados "os chips". "Aqui. Um japonês e outro americano. Se um pifar, tem outro. Os médicos agora vão regulando toda semana, até o ideal."
"A única coisa que eu posso dizer é que o Paulo Niemeyer é um gênio. Uma pessoa com uma coragem incrível. E, fora ser um ícone, mantém 150 leitos para pessoas carentes no Rio de Janeiro. É de uma humildade, uma dedicação...", diz o maestro.
"Hoje faz uma semana que eu estou aqui de volta, regendo." Aponta para a camiseta e lê a frase estampada nela: "A música venceu".
Diz que teve medo. "Claro. Claro. Em 1966, eu regi um concerto com o apêndice supurado. Eu tinha 26 anos. Saí do palco, fui internado, tive uma embolia pulmonar e fiquei dois meses em coma. Qualquer um que já tenha vivido isso sente muito medo."
Na hora em que "estava ouvindo o barulho daquela serra cortando a minha cabeça, pensei: 'Meu Deus, o que estou fazendo aqui?'. Com 71 anos, você não tem que arriscar mais nada na vida. Mas, no momento em que minha mão abriu na operação, já comecei a sonhar: 'Vou continuar a reger. E quem sabe volto a tocar piano também'. Porque, no fundo, eu não me conformo de não poder tocar. É uma dor. É como um cadáver enterrado lá dentro".
"Eu já fiz 20 operações", diz ele. "Troco toda uma vida por um sonho. E ele está relacionado à música."
A TV Globo acompanhou cada passo da cirurgia de João Carlos Martins. Dias antes, filmaram o maestro regendo com o braço esquerdo colado ao corpo. Captaram imagens dele fazendo a barba, com a cara ensanguentada -com movimentos precários, ele se cortava involuntariamente. Registraram sua entrada na sala de cirurgia. E um médico fez imagens das nove horas da operação que depois foram entregues à emissora. Tudo vai ao ar nesta terça, no "Profissão Repórter", comandado por Caco Barcellos. O programa vai falar de superação.
"Lá em Rondônia, ninguém sabe meu nome. Mas falam: 'Olha, o cara da novela, o cara da Vai-Vai, o cara da superação", diz Martins, que em 2009 participou do encerramento de "Viver a Vida", trama das oito da Globo, e foi tema de samba-enredo da escola de samba paulista. "No aeroporto, por onde eu ando, as pessoas vêm com lágrimas nos olhos me dizer: 'Perdi meu filho e o seu exemplo me inspirou'. Ou dizem que tiveram câncer, tudo o que você pode imaginar."
O maestro diz que, agora, começa a segunda parte da "longa estrada" de sua recuperação. "A minha mão esquerda estava atrofiada. Eu tenho que fazer todo um aprendizado para usá-la de novo." Ergue uma garrafa de Fanta Laranja com o polegar e os dois primeiros dedos da mão esquerda. "É uma superação psicológica. Meu maior adversário serei eu mesmo."
Mesmo sem a garantia de que voltará a tocar, começará a estudar piano de novo, "como uma criança de seis anos". E faz planos: "Estreei como pianista aos 20 anos, no Carnegie Hall de Nova York. Eleanor Roosevelt estava na plateia". Na casa de shows, regeu a Orquestra Bachiana Filarmônica em 2008 e chorou ao ver tremularem, na plateia, duas bandeiras do Brasil. "No Carnegie Hall, eu tive as maiores emoções da minha vida. Meu sonho é viver, lá, tudo isso de novo."
Apenas a chamada classe C recebeu mais de 40 milhões de novos integrantes nos últimos sete anos. São agora 103 milhões (ou 54%) dos brasileiros, aponta o estudo O Observador Brasil 2012, da consultoria Cetelem BGN, do Grupo BNP Paribas (veja o Confira). E essa massa de consumidores vai migrando para planos de saúde, porque não quer mais depender só da precariedade dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).
Desde 2005, o número de beneficiários de planos médicos hospitalares cresceu 29%. Já são 47 mil. E há ainda 16 milhões atendidos por planos odontológicos (veja o gráfico). Ao final de 2011, quase 1,6 mil operadoras atuavam no País – apontam estatísticas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O Instituto de pesquisas Data Popular indica que, em dez anos, despesas com serviços de saúde feitas só pelas classes médias aumentaram 130%.
A expansão provém tanto da estabilização econômica obtida no período Fernando Henrique como das políticas de crescimento de renda do período Lula-Dilma.
O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida, festeja o novo filão: “É a classe C no foco dos negócios das empresas de saúde”. As seguradoras têm 9,0% do mercado; cooperativas médicas, 28%; e empresas de medicina de grupo, 33%.
O sonho do plano de saúde vem logo em seguida do sonho da casa própria, observa Bruno Sobral, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS. Mas os problemas se acumulam. Enquanto a busca pelo serviço de saúde desaba sobre o mercado como cachoeira, a oferta recolhe essa demanda com algumas bacias. Só no primeiro trimestre deste ano, primeiro de vigência dos novos prazos máximos de atendimento estipulados pela ANS, registraram-se 2.981 infrações – 19% das empresas do segmento foram objeto de queixas.
O setor começou a se expandir nos anos 70 para atender às necessidades das classes médias. Mas avançou com mentalidade amadora, sem muita preocupação com qualidade gerencial, sem ganhos de escala e sem controle de custos. A grande demanda dos últimos dez anos parecia boa chance para avanços em racionalidade administrativa. Mas as fusões e incorporações se limitaram às grandes operadoras. Poucas mudanças aconteceram na maioria do setor, de pequenas e médias.
A população quer qualidade e nem sempre tem noção da atual desproporção entre os custos crescentes dos serviços de saúde e as contribuições que faz. Dante Montagnana, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo, pergunta: “Como esperar que serviços pagos com R$ 50 por mês atendam a toda essa demanda? Só para comparar, grandes operadoras cobram mais de R$ 400 mensais de fatias pequenas da sociedade, as classes A e B (22% da população), e também já não dão conta”. Essa desproporção motivou, nesta semana, manifestações de médicos em 12 Estados do Brasil, inconformados com o pagamento mínimo de R$ 12 por consulta.
Os planos de saúde não se prepararam para a demanda do mercado e, assim, frustram o sonho de toda essa gente. Essas coisas têm consequências. / COLABOROU GUSTAVO SANTOS FERREIRA
CONFIRA
O gráfico mostra como os brasileiros de baixa renda ascenderam às camadas de maior poder aquisitivo. São eles que mais pressionam por casa própria, atendimento de saúde, educação e segurança. É também a faixa da sociedade mais visada pelos setores da economia que procuram por novos mercados – especialmente instituições financeiras, empresas do setor de viagens (transportes aéreos) e de instrução.
A história do rapaz que recebe do SUS o tratamento mais caro do mundo revela um dos maiores desafios do Brasil: resolver o conflito entre o direito individual e o direito coletivo à saúde
Capítulo 1 Como Rafael Favaro ganhou uma briga jurídica e um tratamento de primeiro mundo
Quem acompanha o tratamento médico de Rafael Notarangeli Fávaro – um rapaz de 29 anos formado em gestão ambiental – se convence de que o sistema público de saúde no Brasil é um dos melhores do mundo. Sábado sim, sábado não, ele entra sozinho no próprio carro, um Meriva financiado, e dirige os 84 quilômetros que separam São José dos Campos de São Paulo. Sente-se tão bem-disposto que nem sequer precisa de acompanhante. É atendido com presteza e simpatia quando chega ao Hospital Sírio-Libanês, a instituição de elite famosa por cuidar da saúde das celebridades e dos figurões da República. No 2o andar, Rafael é instalado numa confortável poltrona de couro para receber, numa veia do braço direito, uma dose do tratamento mais caro do mundo. De acordo com um ranking elaborado pela revista americana Forbes, nenhum tratamento clínico é tão dispendioso quanto usar o medicamento Soliris (eculizumab) para amenizar as complicações de uma forma raríssima de anemia, denominada hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), causadora de vários problemas que podem levar à morte. O Soliris ainda não é vendido no Brasil. Importado, vem em pequenos frascos.
Cada vidrinho de 30 mililitros custa mais de R$ 11 mil. Em menos de meia hora, a corrente sanguínea de Rafael absorve o conteúdo de três frascos, diluído numa bolsa de soro. São R$ 35 mil a cada 15 dias. Cerca de R$ 70 mil por mês. Mais de R$ 800 mil por ano.
O remédio não cura, mas melhora a qualidade de vida. Se Rafael quiser continuar levando uma rotina normal, precisará receber o Soliris para sempre. Vida normal, no caso dele, significa acordar cedo e trabalhar em horário comercial numa empresa que faz geoprocessamento de imagens de satélite. No final do dia, voltar para casa a tempo de jantar com a mulher, Fabiana, no pequeno apartamento de São José dos Campos emprestado ao casal pelos pais dele. Rafael não precisa se preocupar com o aluguel. Nem com as despesas de seu tratamento. Em cinco anos, os gastos (apenas com o medicamento) ultrapassarão os R$ 4 milhões. Quem paga é o SUS, o Sistema Único de Saúde. Religiosamente. Sem atraso. Como ele conseguiu isso tudo? Como milhares de outros doentes em todo o Brasil, Rafael entrou na Justiça com uma ação contra o governo estadual.
Qualquer um que estivesse na pele dele provavelmente faria o mesmo. Aos 23 anos, recém-casado, ele sofreu uma trombose (formação de coágulos nos vasos sanguíneos que pode provocar infarto, AVC, insuficiência renal ou embolia pulmonar). Poderia ter morrido. Aquele foi apenas o evento mais grave de uma lista de problemas de saúde que o impossibilitavam de trabalhar e viver como um jovem normal. Enfrentou constantes e fortes dores abdominais, uma cirurgia para extrair 21 centímetros do intestino que haviam necrosado, anemia, sucessivas transfusões de sangue. Todo o sofrimento era decorrente da já citada HPN. De uma forma simplificada, pode-se dizer que a HPN é uma anemia crônica causada pela decomposição excessivamente rápida dos glóbulos vermelhos.
Quando recebeu o diagnóstico, Rafael descobriu que pacientes como ele podem ser submetidos a um transplante de medula. É uma alternativa muito mais barata (custa cerca de R$ 50 mil ao SUS) e a única capaz de curar. Apesar disso, nem sequer procurou um doador. Como o tratamento mais caro do mundo estava ao alcance das mãos, considerou que valia a pena optar pela nova droga e evitar os riscos da solução tradicional. O transplante cura metade das pessoas que têm HPN. Mas 30% podem morrer ou ter alguma complicação grave. O Soliris não cura, mas reduz a destruição dos glóbulos vermelhos e os sintomas da doença. Ainda assim, não elimina totalmente o risco de trombose. É por isso que Rafael também precisa tomar anticoagulante para sempre.
Se tivesse de pagar o tratamento do próprio bolso, importar o remédio estaria fora de cogitação. Faria o transplante pelo SUS e teria fé na cura. Várias pessoas, no entanto, o incentivaram a tentar conseguir o Soliris pela via judicial. Um médico de São José dos Campos o encaminhou à capital para ser atendido de graça pelo hematologista Celso Arrais Rodrigues, do Sírio-Libanês. Rodrigues explicou como o Soliris funcionava e indicou uma advogada que entrara com ações contra a Secretaria Estadual de Saúde em nome de outros pacientes. Rodrigues afirma que decidiu cuidar de Rafael e de outros pacientes de HPN sem cobrar nada, por mero interesse científico. Graças a Rodrigues, eles foram incluídos no programa de filantropia do Sírio-Libanês e, por isso, o tratamento inteiro é feito no hospital cinco estrelas. Para o Sírio, o atendimento de doentes como Rafael é vantajoso, porque garante isenção de alguns impostos federais. No final das contas, quem paga o tratamento do rapaz num dos melhores hospitais do Brasil é o contribuinte.
O hematologista Rodrigues diz não ter vínculos com a fabricante do remédio, a americana Alexion. Mas é pago por ela para dar aulas sobre HPN. “A empresa junta um grupo de médicos e me paga para falar sobre a doença e o tratamento”, afirma. Rodrigues indicou a Rafael a advogada Fernanda Tavares Gimenez. Ela é remunerada pela Associação Brasileira de HPN, uma ONG de pacientes que recebe apoio financeiro da Alexion. Fernanda diz cobrar cerca de R$ 5 mil de cada cliente. “No caso do Soliris, não tenho causa perdida”, afirma.
A estratégia é insistir no argumento da urgência e sustentar que, sem o remédio, a morte do paciente é iminente. “Sou uma advogada que sai da cadeira. Marco audiências com juízes e desembargadores e explico o caso do paciente pessoalmente.” Alguns magistrados se sensibilizam. Outros, não. São minoria. No ano passado, o governo estadual foi obrigado a fornecer o Soliris a 34 pacientes. Fernanda foi a advogada de 28 deles.
“Isso virou uma grande indústria. Alguns médicos recebem estímulos do fabricante(viagens, benefícios) para prescrever medicamentos de alto custo. As empresas financiam as ONGs de pacientes e a isso tudo se associam os advogados”, diz o secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Giovanni Guido Cerri. O ponto de vista de quem enfrenta uma doença grave é outro. “Todos os brasileiros deveriam ter o atendimento que estou recebendo. Não sou melhor que ninguém, mas sinceramente não sei qual é o critério do governo para decidir quem deve viver e quem deve morrer”, diz Rafael.
Capítulo 2 O que o caso de Rafael ensina sobre a saúde pública brasileira
Ninguém quer a morte de Rafael. Nem de qualquer outro doente que recorre à Justiça para conseguir outros medicamentos caríssimos. Mas, quando são obrigados a fornecer remédios caros da noite para o dia (ao preço que o fabricante se dispõe a vender), os gestores do orçamento público da saúde tiram o dinheiro de outro lugar. Com isso, milhares (ou milhões) de cidadãos perdem. A verba destinada à compra de um frasco de Soliris seria suficiente para garantir milhares de doses de anti-hipertensivos e de outros medicamentos baratos que atingem a maior parte da população. Sem interrupções. É preciso reconhecer que priorizar o direito individual em detrimento do direito coletivo tem consequências sobre a saúde pública.
Se os pacientes ficarem sem esses medicamentos, o resultado pode ser uma trombose, um AVC, um infarto – todas as ameaças que o Estado procura evitar ao fornecê-los a Rafael. Para salvar uma vida, pode abrir mão de muitas outras. “Os recursos para cumprir as demandas judiciais saem do orçamento público para ações prioritárias, como a prevenção básica de problemas de saúde entre os mais pobres”, diz André Medici, economista sênior do Banco Mundial, em Washington. “As demandas judiciais aumentam a iniquidade do sistema de saúde e diminuem a qualidade de vida dos que detêm menos recursos.”
O maior desafio dos administradores públicos é preservar o direito do doente ao melhor tratamento sem que o Estado se torne perdulário. É preciso lembrar que a saúde no Brasil é subfinanciada. O país aplica em saúde cerca de 8,5% do PIB (considerando os gastos públicos e privados). É pouco. A França investe 11%. O México gasta menos que o Brasil (5,9%), mas tem taxas de mortalidade infantil e materna mais baixas, dois parâmetros importantes para avaliar a qualidade da assistência à saúde prestada por um país. O Brasil gasta pouco e gasta mal. Diante das verbas limitadas, um bom gestor é aquele que evita o desperdício de recursos ou o investimento em tratamentos inadequados. A pressão crescente das ordens judiciais impede que isso aconteça.
Em 2005, o Ministério da Saúde foi citado em 387 ações. Gastou R$ 2,4 milhões para atender essas três centenas de pacientes. Em 2011, foram 7.200 ações. A conta disparou para R$ 243 milhões. As ações contra o governo federal são uma pequena parte do problema. Como todas as esferas do Poder Público (federação, Estados e municípios) são corresponsáveis pelo financiamento da saúde, a maioria dos pacientes processa só o secretário municipal, só o estadual ou ambos.
Segundo os advogados, é mais fácil ganhar as ações quando os citados são os gestores das esferas inferiores. O Estado de São Paulo foi o que mais gastou com essas ações em 2010. As despesas chegaram a R$ 700 milhões para atender 25 mil cidadãos. Isso é quase metade do orçamento do governo estadual para a distribuição regular de medicamentos (R$ 1,5 bilhão) a toda a população paulista. Os gastos com as ações judiciais crescem R$ 200 milhões por ano. “Daria para construir um hospital novo por mês”, diz o secretário estadual Giovanni Guido Cerri.
As ações são baseadas no Artigo 196 da Constituição, segundo o qual a saúde é direito de todos e dever do Estado. Nem todos os juízes, porém, interpretam esse artigo como uma obrigação explícita de que o Poder Público deve prover ao paciente todo e qualquer tratamento solicitado. Muitos, no entanto, dão sentenças favoráveis ao doente. Quando isso acontece, o gestor citado é obrigado a fornecer o medicamento rapidamente. Se ignorar a determinação, pode ir para a cadeia.
O Brasil dispõe de uma relação de remédios regularmente distribuídos no SUS. Ela inclui as drogas necessárias para tratar as doenças que afetam a maioria da população. Além dela, existe uma lista de medicamentos excepcionais – em geral, de alto custo. São drogas novas, criadas para tratar doenças raras ou cada vez mais comuns, como o câncer.
As associações de pacientes reclamam que o governo demora a incluir nas listas drogas caras, mas de benefício inegável. Por isso, defendem ações judiciais como uma forma legítima de pressão. “As ações estão crescendo de forma desesperadora para os governos, mas elas os obrigam a arrumar verbas. Se eles arranjam dinheiro para outras coisas, por que não podem conseguir para remédios?”, afirma Fernanda Tavares Gimenez, advogada de Rafael.
Não há dúvida de que alguns pedidos de pacientes são justos e fundamentados. É verdade também que o SUS deveria ser mais ágil na atualização das listas. Muitos juízes, porém, não têm condição técnica de avaliar se um medicamento importado é melhor que o tratamento existente. Nem se sua eficácia foi comprovada. Nem se é capaz de provocar danos irreversíveis ao doente, além de rombos orçamentários.
A expressão “cada cabeça uma setença” se aplica perfeitamente ao caso dos pedidos de medicamentos. O entendimento sobre o assunto varia entre os magistrados. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma série de audiências públicas sobre a questão – e a controvérsia persiste. No Rio Grande do Norte, o juiz Airton Pinheiro negou o pedido de uma paciente que pretendia receber o Soliris. Argumentou que o SUS já oferece um tratamento para a doença (o transplante). E sustentou que o fornecimento desse remédio provocaria um abalo financeiro no orçamento da saúde do Estado, prejudicando toda a coletividade que depende do SUS.
No Ceará, o entendimento foi outro. O Estado foi obrigado a fornecer o Soliris a quatro pacientes. Por enquanto, o governo comprou a droga para dois deles. “O dinheiro necessário para atender os quatro corresponde a 67% do valor repassado pelo governo estadual para a compra de medicamentos básicos do município de Fortaleza inteiro”, afirma Einstein Nascimento, supervisor do departamento que controla os medicamentos de alto custo da Secretaria da Saúde do Ceará. “Esse caso ilustra muito bem o impacto dessas ações sobre o orçamento da saúde pública.”
Nos pequenos municípios, as decisões podem ser arrasadoras. É o caso de Buritama, uma cidade de 15 mil habitantes no interior de São Paulo. O orçamento do município para fornecimento de remédios é de R$ 650 mil por ano. No ano passado, mais da metade foi destinada apenas ao cumprimento de demandas judiciais. Um único paciente pediu na Justiça – e ganhou – uma cirurgia de implante de eletrodos para amenizar o mal de Parkinson. Preço: R$ 108 mil. “Todos os pacientes que entraram na Justiça ganharam a causa. E o Judiciário nem mandou o Estado compartilhar os gastos conosco”, diz Nancy Ferreira da Silva Cunha, secretária de Saúde de Buritama. “Essas ações estão acabando com os pequenos municípios.”
Cada nova ação que chega à Justiça torna explícito o conflito entre o direito individual e o direito coletivo à saúde. Os que administram orçamentos públicos parecem ter a resposta na ponta da língua. “A saúde pública tem de priorizar o interesse coletivo. Os interesses individuais devem ser bancados pelas famílias. É como o transporte público. O transporte é o mesmo para todos. Quem quiser andar de carro importado tem de pagar esse luxo”, diz Cerri, secretário estadual de São Paulo.
Além dos pacientes, quem mais se beneficia da judicialização são as empresas que fabricam os medicamentos. ÉPOCA procurou a Alexion, empresa americana que fabrica o Soliris. Nenhum representante aceitou dar entrevista. Nem no Brasil nem nos Estados Unidos. Em nota preparada pela assessoria de imprensa, a empresa afirmou não comentar suas atividades no Brasil nem o número de brasileiros que atualmente recebem o medicamento.
As ordens judiciais já não estão restritas apenas ao fornecimento de remédios. Além dos gastos com drogas que não estavam previstos no planejamento, em 2011 os juízes obrigaram o governo paulista a fornecer outros itens que consumiram mais R$ 80 milhões. Não são medicamentos, mas os juízes aceitaram a argumentação de que seriam indispensáveis à saúde e, portanto, deveriam ser fornecidos pelo Poder Público. Parece lista de supermercado: sabão de coco em pó, escova de dente, antisséptico bucal, xampu anticaspa, pilhas, copos descartáveis, chupetas, papel toalha, creme fixador de dentaduras, fraldas geriátricas, filtros de água, óleo de soja, creme de leite, fubá, amido de milho, farinha láctea...
Os administradores dos recursos da saúde tentam basear suas decisões em avaliações técnicas do custo e do benefício dos medicamentos. Os orçamentos para comprar remédios estão cada vez mais ameaçados pelos preços altíssimos das novas drogas. Ele é justificado, segundo a indústria farmacêutica, pelo investimento de longos anos em pesquisa refinada e pelo universo relativamente reduzido de consumidores, no caso das doenças raras. Grande parte dos custos nesse setor também está relacionada a investimentos vultosos de marketing para promover as novas marcas.
Os preços elevados combinados ao aumento da parcela da população que sofre de doenças crônicas ameaçam o atendimento à saúde até mesmo nas nações mais ricas. “Nos países desenvolvidos, o tratamento do câncer transformou-se numa cultura de excessos”, escreveu o professor Richard Sullivan numa edição da revista Lancet Oncology, publicada em setembro de 2011. “Diagnosticamos demais, tratamos demais e prometemos demais.” Lá, é cada vez mais frequente a pergunta cruel: é justo que o Estado gaste centenas de milhares de dólares para prolongar a vida de um doente de câncer em apenas dois meses?
Capítulo 3 E se Rafael fosse inglês?
No caso de doenças raras como a de Rafael, cada país age de uma forma. Na Inglaterra, o governo garante o Soliris apenas aos pacientes que tenham recebido pelo menos quatro transfusões de sangue no último ano. Na Escócia, o governo não paga.
Nos Estados Unidos, alguns planos de saúde oferecem o remédio. A maioria não o garante. O Medicare, o sistema público de saúde para maiores de 65 anos, paga a droga apenas em raras situações. No Canadá, que dispõe de um sistema público de saúde abrangente, apenas uma província (Quebec) garante o Soliris. No Chile e na Argentina, alguns doentes conseguem o remédio ao processar os planos de saúde ou os governos.
É possível fazer diferente. Com critérios técnicos, gestores públicos poderiam decidir como aplicar o orçamento da melhor forma possível, para garantir a saúde do maior número de cidadãos por mais tempo. Existem ferramentas matemáticas capazes de comparar os benefícios oferecidos por diferentes formas de cuidado médico.
Para cuidar disso, o Reino Unido criou o Instituto Nacional para a Saúde e a Excelência Clínica (Nice). Em atividade desde 1999, o órgão faz esses estudos e realiza reuniões com representantes da sociedade (pacientes, médicos, indústria farmacêutica) para debater o que deve ou não ser oferecido pelo National Health Service (NHS), o sistema que banca 95% de toda a saúde no país. O que o Nice decide oferecer vale para todos. Isso não quer dizer que os britânicos estejam satisfeitos com os serviços prestados. Os protestos são constantes. Em 2008, doentes de câncer renal fizeram uma grande mobilização para exigir que o governo oferecesse uma nova droga. O remédio só foi adotado muitos meses depois – mesmo assim para pacientes que preenchiam critérios predeterminados. Não há exemplo, no mundo, de país que tenha um orçamento tão elástico que seja capaz de satisfazer todos os desejos. Há sempre um grupo exigindo mais drogas para alguma doença. Mas, pelo menos, as regras podem ser transparentes e universais. “Economias emergentes como o Brasil enfrentam desafios semelhantes aos do Reino Unido: enquanto as doenças crônicas avançam e demandam mais e mais recursos, os dois países têm de zelar pela equidade no acesso à saúde”, diz Kalipso Chalkidou, uma das diretoras do Nice. “Temos trocado experiências com o governo brasileiro e esperamos estreitar essa parceria em 2012.”
Por enquanto, o volume das decisões judiciais leva o Ministério da Saúde a pedir suplementações orcamentárias ao Congresso Nacional. “Poderíamos estar pedindo esse dinheiro extra para melhorar a atenção básica à população”, afirma Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. “Em vez disso, pedimos dinheiro para bancar medicamentos que podem ser danosos ao cidadão que solicitou um remédio que não foi aprovado pela Anvisa. Isso é uma irracionalidade.”
Em outubro, a presidente Dilma Rousseff regulamentou a Lei no 12.401, que estabelece parâmetros para a inclusão de medicamentos no sistema público. Ela determina que o SUS não deve fornecer medicamentos, produtos ou procedimentos clínicos e cirúrgicos experimentais sem registro na Anvisa. É possível que a lei sirva de parâmetro técnico aos juízes. Muitos advogados, porém, acreditam que sempre será possível argumentar com base na garantia constitucional e, dessa forma, garantir o fornecimento do remédio pelo sistema público.
Além de destinar mais recursos à saúde, o Brasil precisa definir explicitamente o que vai e o que não vai financiar. A regra deve ser clara e válida para todos – indistintamente. É uma decisão dura e impopular, mas é a melhor forma de amenizar a desigualdade. No cenário atual, Rafael é um felizardo. “Melhorei 100% com esse remédio. Parece que foi instantâneo. Logo na primeira infusão, fiquei cheio de pique.” Nas missas de domingo, ele agradece. Toca guitarra enquanto a mãe canta. Com 1,80 metro e 103 quilos, risonho e falante, não poderia parecer mais saudável.