segunda-feira, 29 de julho de 2013

IDHM do Brasil avança 47,5% em 20 anos, mas educação ainda é o maior desafio


Classificação do País passou de 'Muito Baixo' (0,493 em 1991) para 'Alto' (0,727) no índice divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento nesta segunda

29 de julho de 2013 | 14h 24

Ricardo Della Coletta - Agência Estado
BRASÍLIA - O Índice do Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Brasil, divulgado nesta segunda-feira, 29, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e com a Fundação João Pinheiro, revela um expressivo avanço do Brasil nos últimos 20 anos, mas também um quadro em que a educação se mantém como o principal desafio do País. Entre 1991 e 2010, o índice cresceu 47,5% no País, de 0,493 para 0,727. Inspirado no IDH global, publicado anualmente pelo PNUD, esse índice é composto por três variáveis e o desempenho de uma determinada localidade é melhor quanto mais próximo o indicador for do número um.
A classificação do IDHM do Brasil mudou de 'Muito Baixo' (0,493 em 1991) para 'Alto' (0,727). É considerado 'Muito Baixo' o IDHM inferior a 0,499, enquanto a pesquisa chama de 'Alto' o indicador que varia de 0,700 a 0,799. Publicado uma vez a cada dez anos, o indicador traz para o âmbito municipal o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) global, divulgado anualmente pelo PNUD e que mede o desenvolvimento humano dos países. O IDHM, que faz parte do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, é medido por uma escala que vai de zero a um - quanto mais próximo de um, melhor o desenvolvimento do local.
O subíndice educação, uma das variáveis que compõem o IDHM, é o que mais puxa para baixo o desempenho do País. Em 2010, a educação teve uma pontuação de 0,637, enquanto os subíndices renda (0,739) e longevidade (0,816) alcançaram níveis maiores.
Embora seja o componente com pior marcação, foi na educação que mais houve avanço nas duas últimas décadas, ressaltaram os pesquisadores. Em 1991, a educação tinha um IDHM 0,279, o que representa um salto de 128% se comparado à pontuação de 2010. "Saímos de um patamar muito baixo e isso mostra o esforço que o País fez na área", avaliou Marco Aurélio Costa, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um dos parceiros na realização do estudo. "A gente ainda não está bem, o IDHM educação é o que menos contribuiu e onde temos os maiores desafios para superar", concluiu.
Longevidade. O componente da longevidade, por sua vez, que é calculado pela expectativa de vida da população ao nascer, é a área na qual o Brasil apresenta melhor pontuação. É o único componente que está na faixa classificada pela pesquisa como um IDHM 'Muito Alto', quando o índice ultrapassa 0,800. Desde 1991 como o subíndice mais bem avaliado, foi também na longevidade em que a variação ao longo dos últimos 20 anos foi menor. O IDHM Longevidade era de 0,662 em 1991, de 0,727 em 2000 e de 0,816, na atual edição.
Já a renda mensal per capita saltou 14,2% no período, o que corresponde a um ganho de R$ 346,31 em 20 anos. As três instituições que elaboram o Atlas - PNUD, Ipea e Fundação João Pinheiro - ressaltam que 73% dos municípios avançaram acima do crescimento da média nacional. No entanto, há 11% de municípios com IDHM Renda superior ao do Brasil, "evidenciando a concentração de renda do País".

São Caetano do Sul, em SP, continua na liderança de melhor IDHM do País

Cidade tem índice de 0,862; na comparação entre Unidades da Federação, o índice é liderado pelo Distrito Federal, com 0,824 e, em seguida, vêm São Paulo (0,783) e Santa Catarina (0,774)

29 de julho de 2013 | 14h 43
Ricardo Della Coletta - Agência Estado
BRASÍLIA - A cidade paulista de São Caetano do Sul, na região do ABC, manteve a liderança no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), divulgado nesta segunda-feira, 29, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e com a Fundação João Pinheiro. A cidade atingiu IDHM de 0,862 e, nas duas últimas vezes em que o índice foi divulgado, em 1998 (referentes a dados de 1991) e em 2003 (com dados de 2000), São Caetano também aparece no topo da lista do País.
Publicado uma vez a cada dez anos, o indicador traz para o âmbito municipal o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) global, divulgado anualmente pelo PNUD e que mede o desenvolvimento humano dos países. O IDHM, que faz parte do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, é medido por uma escala que vai de zero a um - quanto mais próximo de um, melhor o desenvolvimento do local.
Nesta edição, o município com pior desempenho, por sua vez, foi Melgaço, no Pará, que tem 24,8 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atingindo IDHM de 0,418. Em 2003, ano em que o último IDHM foi publicado, o município com o pior quadro no Brasil foi Aroeiras do Itaim, no Piauí, com IDHM de 0,208. A paraense Melgaço registrava um IDHM, naquela época, de 0,260.
É importante ressaltar que houve alterações no cálculo do IDHM nesta edição, e que os pesquisadores, para comparação com as edições anteriores, recalcularam os valores com base na nova metodologia.
Com mais de 180 indicadores para os mais de 5.500 municípios do País, a atual edição do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil também permite uma análise das cidades mais bem colocadas por região. A capital do Tocantins, Palmas, por exemplo, atingiu IDHM de 0,788 e lidera o desenvolvimento humano na Região Norte.
No Nordeste, a ilha de Fernando de Noronha (IDHM de 0,788) é a mais bem colocada, enquanto a maranhense Fernando Falcão (0,443) ocupa o outro extremo da tabela. O ranking no Centro-Oeste é encabeçado por Brasília, com IDHM 0,824, enquanto a pior pontuação fica com Japorã (MS), com IDHM 0,526.
Os municípios das Regiões Sul e Sudeste com maior índice de desenvolvimento são Florianópolis (0,847) e São Caetano do Sul, respectivamente. A outra ponta da tabela é ocupada, nas duas regiões, pela paranaense Doutro Ulysses (0,546) e pela mineira São João das Missões (0,529).
A cidade que mais avançou no IDHM nos últimos 10 anos foi Mateiros, no Tocantins. Desde 2000, Mateiros conseguiu um avanço de 0,326 pontos no indicador, passando de 0,281 para 0,607 pontos.
Estados. Na comparação entre Unidades da Federação, o IDHM é liderado pelo Distrito Federal, com 0,824. Em seguida, vêm São Paulo (0,783) e Santa Catarina (0,774). Os Estados com o desempenho mais fraco são Alagoas (0,631) e Maranhão (0,639).

Governo sem marca, por José Roberto de Toledo

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO - O Estado de S.Paulo
Indagados pelo Ibope em qual de 25 áreas o governo de Dilma Rousseff tem melhor desempenho, um em cada três brasileiros disse "nenhuma" ou não soube responder. Mas esse nem é o maior problema da presidente. O que deve preocupar Dilma, seus subordinados e o PT é o que responderam os outros dois terços.
O terço sem resposta é, na maior parte, formado pelos que acham a atual gestão ruim ou péssima. Neles, Dilma pode perder a esperança: não são, não foram, nem serão seus eleitores. Se a presidente tem chance de se reeleger, será graças aos outros dois terços. E esses estão, na melhor das hipóteses, dispersos.
Nenhum dos 25 temas apresentados pelos pesquisadores aos entrevistados chegou a 10% das respostas. Elas se pulverizaram em taxas de um dígito entre assuntos tão distintos quanto "agricultura" e "capacitação profissional" (ambas com 6% de citações); entre "energia elétrica" (5%) e "cultura e lazer" (6%); "geração de empregos" (5%) e "educação" (3%).
Áreas que projetaram o governo Lula, como combate à "fome/miséria", tiveram - perdão pelo trocadilho - míseros 7% de citações. O maior destaque da atual gestão é "habitação/moradia", com 8% de lembranças. Vale lembrar que o Minha Casa, Minha Vida é uma herança. Mais do mesmo. Ou, como diria Dilma, Lula não vai voltar porque nunca saiu.
A menos que se acredite que o governo vai tão bem que as pessoas não sabem escolher qual sua maior qualidade, o significado da pesquisa é que o governo Dilma não tem marca. Não se distingue por nada especial no imaginário popular. Não diz a que veio.
As causas variam de acordo com o ponto de vista do observador. É culpa da "má comunicação oficial", dirão uns. É da "imprensa golpista", responderão outros. Melhor mirar as consequências.
Se não fica marcado como solução, o governante se torna o problema. Indagados sobre em qual área o governo tem pior desempenho, 99% dos brasileiros identificaram logo uma resposta. E, ao contrário das virtudes, mais da metade dos defeitos se resume a três áreas. Infelizmente para Dilma, são todas fundamentais: saúde (36%), educação (12%) e corrupção (9%).
Se um em cada três brasileiros diz que a maior falha do governo federal é na saúde, por outro lado nenhum afirma que a saúde é onde ele se sai melhor. Difícil imaginar por que o PT cogita lançar o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para concorrer ao governo de São Paulo. Só se for para trocar o ministro.
Entre os paulistas, por causa da queda da aprovação de Geraldo Alckmin depois dos protestos, o governador tucano ficou no zero a zero em termos de aprovação. As avaliações ruim +péssimo (26%) anularam o ótimo+bom (também 26%). Virou um governo regular (46%). A diferença é que Dilma tem saldo negativo de 15 pontos em São Paulo: 23% de ótimo+bom contra 38% de ruim+péssimo.
Além de ajudar a explicar a queda repentina da popularidade de Dilma, a falta de uma marca positiva do governo federal é um desestímulo aos militantes do PT e aos simpatizantes da presidente. Não há um argumento sólido, baseado na opinião pública, para defender a sua reeleição. Volta-se sempre aos "dez anos" de conquistas, ou seja, a continuidade da era Lula.
Esse circunstância pode ser passageira. Mas para ela passar, dependerá de o governo federal realizar algo notável nos próximos 14 meses e saber comunicar o feito. Não é um desafio pequeno em meio a um cenário econômico mundial adverso.
Do contrário, resta à presidente confiar no petismo, que costuma garantir pelo menos 25% dos votos e uma vaga no segundo turno da corrida presidencial. E torcer para que seu adversário no turno final, por comparação, pareça pior do que ela ou uma incógnita arriscada demais para o eleitor.

A OBSESSÃO PELO MELHOR, por Leila Ferreira


Leila Ferreira é uma jornalista mineira com
mestrado em Letras e doutora em
comunicação em Londres,
que optou por viver uma vida
mais simples, em Belo Horizonte
Estamos obcecados com "o melhor".
Não sei quando foi que começou essa mania, mas hoje só queremos saber do "melhor".
Tem que ser o melhor computador, o melhor carro, o melhor emprego, a melhor dieta, a
melhor operadora de celular, o melhor tênis, o melhor vinho.
Bom não basta.
O ideal é ter o top de linha, aquele que deixa os outros pra trás e que nos distingue, nos
faz sentir importantes, porque, afinal, estamos com "o melhor".
Isso até que outro "melhor" apareça e é uma questão de dias ou de horas até isso
acontecer.
Novas marcas surgem a todo instante.
Novas possibilidades também. E o que era melhor, de repente, nos parece superado,
modesto, aquém do que podemos ter.
O que acontece, quando só queremos o melhor, é que passamos a viver inquietos, numa
espécie de insatisfação permanente, num eterno desassossego.
Não desfrutamos do que temos ou conquistamos, porque estamos de olho no que falta
conquistar ou ter.
Cada comercial na TV nos convence de que merecemos ter mais do que temos.
Cada artigo que lemos nos faz imaginar que os outros (ah, os outros...) estão vivendo
melhor, comprando melhor, amando melhor, ganhando melhores salários.
Aí a gente não relaxa, porque tem que correr atrás, de preferência com o melhor tênis.
Não que a gente deva se acomodar ou se contentar sempre com menos. Mas o menos,
às vezes, é mais do que suficiente.
Se não dirijo a 140, preciso realmente de um carro com tanta potência?
Se gosto do que faço no meu trabalho, tenho que subir na empresa e assumir o cargo de
chefia que vai me matar de estresse porque é o melhor cargo da empresa?
E aquela TV de não sei quantas polegadas que acabou com o espaço do meu quarto?O restaurante onde sinto saudades da comida de casa e vou porque tem o "melhor chef"?
Aquele xampu que usei durante anos tem que ser aposentado porque agora existe um
melhor e dez vezes mais caro?
O cabeleireiro do meu bairro tem mesmo que ser trocado pelo "melhor cabeleireiro"?
Tenho pensado no quanto essa busca permanente do melhor tem nos deixados ansiosos
e nos impedido de desfrutar o "bom" que já temos.
A casa que é pequena, mas nos acolhe.
O emprego que não paga tão bem, mas nos enche de alegria.
A TV que está velha, mas nunca deu defeito.
O homem que tem defeitos (como nós), mas nos faz mais felizes do que os homens
"perfeitos".
As férias que não vão ser na Europa, porque o dinheiro não deu, mas vai me dar à
chance de estar perto de quem amo...
O rosto que já não é jovem, mas carrega as marcas das histórias que me constituem.
O corpo que já não é mais jovem, mas está vivo e sente prazer.
Será que a gente precisa mesmo de mais do que isso?
Ou será que isso já é o melhor e na busca do "melhor" a gente nem percebeu?
Sofremos demais pelo pouco que nos falta
e alegramo-nos pouco pelo muito que temos.
Shakespeare

domingo, 28 de julho de 2013

Quem quer ler em voz alta? - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR


GAZETA DO POVO - PR - 28/07

Prova ABC, da organização Todos pela Educação, confirma que a criança brasileira não consegue compreender o que lê. Já são horas de enfrentar o motivo de não conseguirmos dar conta do que é essencial

Faça o teste: peça para alguém ler em voz alta. Ainda que seja diante de uma pequena audiência, as resistências em soltar o gogó costumam ser impertinentes, principalmente se o leitor for jovem. As desculpas são previsíveis – de “ler em voz alta é coisa do grupo escolar” a “minha voz não é boa”.

Talvez a explicação seja outra. Vivemos uma tremenda crise numa das práticas mais importantes da educação: a leitura pública, aquele que pede pausa breve nas vírgulas, pausa longa nos pontos, entonação para as exclamações e interrogações, capacidade de prender a atenção da plateia. É grave a ponto de tantos e tantos a considerarem infantil, tatibitate, assunto para os infantes às voltas com os primeiros livrinhos.

Em sã consciência, quem trabalha com educação – em todos os níveis, do ciclo infantil aos doutorados – sabe que não é verdade. Com perdão ao clichê, ler em voz alta é uma prova de fogo, pois testa a nossa compreensão do texto. É fato que as implicações da leitura pública “pegam mais” no ciclo fundamental e médio, mas não se pode esquecer que o último Índice de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado ano passado, apontou em até 30% o número de graduados com dificuldade de compreensão de texto.

O nó da questão pode estar em afirmar que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Posso ler muito mal em voz alta e compreender muito bem o que leio em silêncio. Mais: argumenta-se que a prova da leitura foi o tormento de tantos infantes, acuados pelas risadas da turma diante dos erros e pelas correções impertinentes do professor. Há também quem tenha vergonha da própria voz, se anasalada, se estridente, se fraca como o pio de um passarinho.

Não faltam no cinema cenas memoráveis a respeito. Uma delas no filme Minhas tardes com Margueritte, de Jean Becker. Já adulto, por ironia, o leitor traumatizado da trama se reconcilia com as letras graças a uma idosa que lê para ele – em voz alta. Em suma, não é por causa dos bêbados que se deve acabar com o vinho. Ninguém provou que os exercícios de leitura são ruins pela própria natureza. Pelo contrário, potencializam-se se acompanhados de alguma ciência pedagógica.

Às falas. Mais uma vez pesquisa comprova que o país tropeça em questões de leitura. Não se trata diretamente da leitura pública, mas da compreensão de texto. E convenhamos: uma depende da outra. Os dados dessa vez não são do exame internacional Pisa, no qual sempre saímos acanhados, amargando as últimas posições, mas da Prova ABC, da ONG Todos pela Educação, recém-publicada. Mais da metade das crianças da faixa dos 8 anos, avaliadas em 2012, saíram-se mal em Língua Portuguesa. Dessas, metade não conseguiu identificar nem o tema, nem o personagem principal da narrativa. Em Matemática, os resultados foram ainda mais assustadores: 67% dos avaliados tiveram nota abaixo da média. Exames e quetais não são verdades de fé, sabe-se, mas ajudam a pensar a educação. Nesse caso, tome susto.

Vale sempre lembrar o que diz a gestora educacional Cláudia Costin: parece faltar às licenciaturas e às faculdades de Pedagogia interesse e pesquisa nas práticas de ensino. O que abunda nas investigações sobre teoria educacional falta quando o assunto é o básico: ensinar. Daí a vantagem sobre nós de países mais pobres, como qualquer ranking – maldito ou não – pode comprovar.

Num “bate pronto” com professores, ao perguntar por que nossas crianças leem tão mal (logo, por que compreendem tão pouco o que leem), a resposta vem como um jogral bem ensaiado: porque as salas de aula estão muito cheias. Nenhum regente de turma ou auxiliar, em sã consciência, dizem, se aventura com frequência por sessões de leitura em voz alta, temendo algo parecido com a pororoca.

É de suspeitar que há uma descrença entre educadores sobre as virtudes da leitura caprichada – tão elogiadas em teses, tão pouco cultivadas no cotidiano. Não se deixou de fazer teatro, jogos da primavera, passeios, gincanas por causa da excitação das crianças. A desculpa não vale. Realmente, ensinar a ler exige esforços redobrados e cuidados, sempre sujeitos a frustrações. Ninguém disse que era fácil, mas já disseram, e bem dito, que é essencial.

E aí, presidente?, por PETER HAKIM

Para o autor, os manifestantes acabaram com o longo período de Dilma Rousseff como líder popular, mas agora estão dando a ela a oportunidade de se tornar uma grande governante

27 de julho de 2013 | 16h 33

Peter Hakim
Embora os brasileiros gostem de multidões, foi uma surpresa praticamente geral quando mais de 1 milhão de manifestantes saíram às ruas em mais de cem cidades para protestar. Eles reclamaram dos abusos, do desperdício e da corrupção do governo, tudo isso escancarado aos olhos do público com os bilhões de dólares gastos nos preparativos da Copa do Mundo de 2014 enquanto os serviços públicos – da educação e saúde aos transportes e à polícia – continuam estagnados na mediocridade. Ninguém viu os preparativos dos protestos. Ninguém aparentemente se deu conta da profundidade da revolta e da frustração dos brasileiros – a presidente do País, qualquer outro líder político, a imprensa ou seus gurus, os acadêmicos ou os analistas. Nem os banqueiros, os empresários ou os investidores estrangeiros. Os próprios organizadores das primeiras manifestações, que protestavam contra um aumento de 6% das passagens de ônibus, ficaram espantados com o número enorme de adesões.
Promessas. Eles pediam ‘tudo’ – e ela disse sim. Mas quem pagará a conta? - Fernando Bizerra Jr./EFE
Fernando Bizerra Jr./EFE
Promessas. Eles pediam ‘tudo’ – e ela disse sim. Mas quem pagará a conta?
Os brasileiros têm muitas razões para se sentirem satisfeitos consigo mesmos. Desde 1985, eles desfrutam do período mais longo de governo democrático ininterrupto jamais vivido pela nação. Nos últimos dez anos, sua estatura e influência internacional atingiram níveis sem precedentes. A economia do País, embora recentemente em ritmo reduzido, veio registrando uma expansão mais acelerada que em qualquer outro momento numa geração. A pobreza e o desemprego nunca foram tão baixos. Pela primeira vez na história, a classe média ultrapassa o número da população pobre.
Mais desconcertante ainda é talvez o fato de que, antes do início dos protestos, as pesquisas de opinião sugeriam que os brasileiros estavam satisfeitos com seus líderes. A presidente Dilma Rousseff tinha os índices de aprovação mais altos do mundo, superando todos os outros 34 chefes de Estado do Hemisfério Ocidental em popularidade. Quando seu predecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, deixou o cargo, há dois anos e meio, o índice de aprovação dele chegava a estratosféricos 83%. É quase como se os próprios brasileiros não tivessem consciência ou tivessem esquecido seu descontentamento até que os manifestantes tomassem as ruas e revelassem a crescente revolta contra políticos corruptos, Legislativos ineficientes, funcionários incompetentes pagos com supersalários, desmazelo com os serviços públicos essenciais e persistente esbanjamento do dinheiro dos contribuintes.
Embora exprimissem preocupações semelhantes aos de manifestantes de outras partes do mundo, os protestos brasileiros se diferenciaram dos de outras nações da América Latina, Europa, Oriente Médio e Ásia. Em primeiro lugar, eles praticamente não encontraram oposição. Ninguém discordou muito das queixas expressas pelos manifestantes. Além de alguns defensores dos gastos milionários com os preparativos da Copa de 2014, quase todo mundo (inclusive a presidente Dilma Rousseff) apoiou os manifestantes. Em que outro lugar as enormes passeatas pelas ruas das cidades foram universalmente recebidas com aplausos, seus participantes não foram criticados e não encontraram oposição?
Além disso, embora a lista de reclamações fosse longa, os manifestantes brasileiros não apresentaram prescrições concretas e fizeram poucas exigências específicas. Ao contrário do que aconteceu nos protestos no Egito e na Turquia, em Portugal e na Espanha, não pediram a renúncia ou destituição de sua presidente ou de outros integrantes do governo. Não elaboraram um programa de ação sobre questões específicas – contrariamente aos ativistas do Chile, que exigiam a reforma da educação, ou do México, que pediam mudanças na política contra a criminalidade e a droga, ou das marchas nos Estados Unidos em favor de uma ampla redistribuição da renda. Os brasileiros não insistiram na aprovação de novas leis importantes, como a legalização do casamento gay ou a reforma da imigração, como os manifestantes nos EUA; nem pressionaram pela revogação de leis e de acordos internacionais existentes, como fizeram os gregos e os espanhóis “indignados” que reivindicaram a anulação das medidas de austeridade. Manifestações do tamanho e da duração das do Brasil costumam ter maior intensidade e paixão. Os brasileiros, claro, estão revoltados com as falhas e fracassos do governo, e profundamente empenhados em mudar a maneira como o governo usa sua autoridade. Mas é impossível lutar intensa e apaixonadamente por um leque tão amplo de temas. Paixão significa escolher e investir totalmente nas próprias escolhas – sejam elas políticas ou pessoais. Os brasileiros ainda não fizeram suas escolhas. O jornal The New York Times noticiou que, quando o repórter perguntou a uma jovem manifestante o que ela pretendia, ela respondeu: “Nós queremos tudo, e queremos agora”.
Os brasileiros comuns fizeram sua parte. Mostraram seu descontentamento e pediram amplas mudanças, quase todas razoáveis e justificadas. Agora, cabe à liderança do País, tanto na área pública quanto na privada, elaborar as alternativas, propor prioridades e deixar clara a necessidade de chegar a determinados compromissos. Até o momento, os resultados têm sido desencorajadores.
O principal ônus da responsabilidade cabe à presidente Dilma Rousseff. Ela demorou excessivamente para responder aos protestos e, quando por fim o fez, aparentemente achou que seria suficiente concordar com a lista de reivindicações dos manifestantes, e adotá-la. Ela prometeu reformas políticas para aplacar as queixas de que os políticos não arcam com suas responsabilidades e não há transparência no governo. Respondeu aos apelos por melhores escolas e hospitais com a promessa de mais recursos para ambos. As preocupações com os perigos das ruas e o trânsito insuportável receberam a garantia de maiores investimentos na segurança pública, em novas estradas e na melhoria dos serviços de ônibus e trens. Ao que tudo indica, os brasileiros não consideraram sua resposta aceitável ou convincente – e os índices de aprovação da presidente despencaram cerca de 30 pontos.
Os brasileiros instintivamente pareceram concluir que ela não estava mostrando a capacidade de liderança necessária – ao contrário, sua mensagem era populista, mesmo arrogante. Ao eleitorado que queria “tudo”, ela prometeu que teria. A presidente anunciou mais atenção e novos gastos para quase todas as reivindicações – sem informar quais os gastos a serem reduzidos, os compromissos a serem assumidos e quem pagaria a conta. Deixou de responder a questões fundamentais, como de que modo o desperdício do governo poderia ser reduzido e os impostos cortados, ao mesmo tempo que teriam de ser feitos novos e enormes investimentos. Ela nunca mostrou ter plena consciência da dificuldade na implementação das mudanças que estavam sendo reivindicadas. Apesar de semanas de enormes manifestações criticando o funcionamento do governo brasileiro, ela não desmentiu nem propôs a renúncia de um único representante da administração. Mas Dilma não é a única culpada pelas falhas. Governadores estaduais, senadores e prefeitos não apresentaram propostas melhores, nem os líderes da oposição, acadêmicos ou a comunidade empresarial.
Até os manifestantes irem às ruas, parecia que a presidente tinha a certeza de reeleger-se para um segundo mandato no ano que vem. Embora continue liderando em várias pesquisas, as eleições de 2014 tornaram-se uma competição das mais acirradas para ela. Se o apoio do eleitorado cair ainda mais, Lula, seu predecessor, a figura política mais popular do Brasil, talvez seja pressionado pela liderança do partido a desafiar sua protegida. Já não está fora de questão a possibilidade de surgir um adversário político não pertencente à área do governo. Marina Silva, que recebeu 20% dos votos como candidata do Partido Verde, em 2010, desta vez poderá mostrar-se ainda mais competitiva.
Por enquanto, porém, a eleição pressupõe Dilma na disputa. Como presidente, todas as atenções se concentram nela, que manda nos holofotes e tem o maior megafone. Precisará mostrar que está traçando um novo curso para o Brasil e tem a capacidade de responder efetivamente às novas reivindicações que os brasileiros fazem a seu governo, não importando quão amorfas sejam. Se ela fizer boas escolhas e demonstrar capacidade de liderança, ninguém poderá derrotá-la. Decisões erradas ou falta de decisão poderão acabar com sua carreira política. Por exemplo, talvez esteja na hora de considerar a nomeação de um novo gabinete, assinalando um compromisso com a mudança e estabelecendo sua independência de Lula.
Os protestos devem ser vistos como uma evolução animadora para o Brasil e tornar as pessoas mais otimistas com o futuro do País. Os manifestantes escolheram as questões certas – todas fundamentais para o Brasil e sua possibilidade de avançar rumo a uma economia desenvolvida e uma sociedade mais justa e segura. As passeatas e manifestações também aumentaram a importância política dos problemas apontados, fazendo com que seja impossível continuar a ignorá-los. O mais importante é talvez o fato de que os cidadãos brasileiros assumiram um novo papel – o de fiscais do governo. Como contribuintes, eles têm o direito e a responsabilidade de supervisionar o uso que o governo faz do dinheiro dos impostos.
Evidentemente, muitas vezes a mudança acaba provocando conflitos partidários e ideológicos, e isso poderá ocorrer no Brasil. Será difícil planejar e implementar as reformas necessárias – políticas, econômicas e sociais. Talvez o Brasil não tenha instituições suficientemente fortes que funcionem na prática. Entretanto, o País – hoje mais forte e capaz que em qualquer outro momento de sua história – encontra-se em melhor posição que nunca para manter seus sucessos.
Os brasileiros deram uma extraordinária oportunidade à primeira mulher a governar o País: presidir um momento histórico de mudanças políticas e econômicas de grande envergadura. Os manifestantes legitimaram um programa de transformação nacional e mostraram que ele exige profundo apoio. Eles acabaram com o longo período de Dilma Rousseff como presidente popular – mas estão dando a ela a oportunidade de se tornar uma grande presidente. Oxalá... / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

* PETER HAKIM É PRESIDENTE EMÉRITO DO DIÁLOGO INTERAMERICANO

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Carta à Presidente Dilma Rousseff



25/07/2013
Prezada Presidente
Li no jornal O Estado de S. Paulo do dia 21 de julho: O presidente do Banco Central Alexandre Tombini afirmou que o processo de retomada do crescimento do País foi prejudicado por um abalo de confiança que trava os investimentos. Foi uma entrevista franca em que ele se compromete batalhar contra a inflação e manter o câmbio sob estrita vigilância com os instrumentos que a Constituição e suas leis complementares lhe permitem. Admite, correto a meu ver, que a falta confiança da sociedade que a senhora e seus ministros negam em suas declarações, existe mesmo. Tombini não discute as outras ações que o governo precisa tomar para dominar a inflação – como o ajuste fiscal, investimentos públicos – mas diz que o governo tem que fazer e explicar a todos, com clareza, o que fez, porque fez e com qual objetivo. Coisas que têm passado longe do discurso empolado e até diversionista do ministro da Fazenda.
Em minha opinião, o governo do PT ignorou todas as oportunidades de dar bom segmento à ordem e ao progresso do País que recebeu sem inflação, com muitos brasileiros já podendo comer frango, com aprovação popular e reformas estruturais iniciadas. Reconheço o mérito de poder resgatar milhões de brasileiros para a ceia dos cidadãos e da solidariedade; distribuir renda porem, não teve a inteligência e a determinação de desenvolver um plano estratégico para o Brasil condicionado pelo poder delineado e alimentado pelos acordos e práticas condenados à exaustão no passado.
O Brasil enfrentou a “marolinha” de 2008 com relativo sucesso e o “tsunami” da crise europeia, aliado à recuperação dos Estados Unidos e ao menor crescimento futuro da China sobraram em suas mãos cuja sua equipe econômica, em minha opinião, subestimou problemas com medidas insuficientes e pontuais, como as desonerações de impostos.
Estamos aqui – a senhora e todos que não estabeleceram nenhuma diretriz mais duradoura – no túnel onde ganhava uma lanterna do governo quem se sentia mais incomodado com a escuridão. Em situações mais graves, o governo tem justificado a falta de iluminação à sabotagem, a má vontade e aos inimigos da travessia – os conservadores, como disse outro dia o ex-presidente Lula. Ele os conhece bem, teve que fazer muitos acordos que o velho PT não faria. Não o critico. Lula é disciplinador, disciplinado e precisava governar, ao tempo em que fazia o que mais gostava: negociar, mesmo que não vendesse ou nada comprasse.
É claro que estou no mesmo barco, como parlamentar. Mas não é fácil, do lado de quem, no legislativo, por causa das imensas pressões do seu governo sobre o Congresso, acaba se limitando à análise de medidas provisórias, sob pena de ver se despejada sistematicamente às costas dos políticos (Câmara e Senado) a responsabilidade pelas mazelas que sufocam o País.
Mas agora se descobre que a historia é outra: não havia luz no início e não há luz no fim do túnel. É preciso controlar a inflação e depois mirar nos investimentos.
Tombini tem razão em se preocupar. As altas do dólar, desde o fim de maio, estão aquecendo a caldeira da inflação que poderá ser radiante, em setembro próximo. Os ganhos marginais da inclusão econômica da população; da expansão de crédito (o Banco do Brasil está subindo suas taxas de juros para pequenas e médias empresas, perto das taxas dos bancos privados); e da explosão da demanda estão esgotados. A inadimplência das famílias brasileiras cresceu 72% entre 2007 e 2013. E no meio desta semana soube-se do desequilíbrio das contas e das taxas de emprego e desemprego que poderão em poucos meses, segundo os analistas mais neutros, assustar a Nação.
A senhora sabe disso. Tem medo de dizer isso aos brasileiros? Ou de perder as próximas eleições e compromete o velho projeto hegemônico de poder do seu partido?
O PIB do País vai crescer, mas devagar, como a arrecadação, os salários, os benefícios fiscais Os juros no mundo vão aumentar e a mútua dependência econômica estabelecida entre Estados Unidos e China, da qual continua se beneficiando o mercado internacional, não preservará subdesenvolvidos, emergentes, periféricos, ou seja, lá os classificados que sobrarem do novo arranjo mundial. Disso a senhora está cansa de saber, embora ninguém lhe ajude a formular qualquer estratégica.
O Brasil só é importante por ser estratégico, do ponto de vista dos recursos naturais e da geopolítica. Eu sei que a senhora sabe. Tem muito mais informação do que eu. Não vai encontrar uma saída patriótica para esta difícil situação conversando com seus marqueteiros, com o ex-presidente Lula e com alguns partidários que lhe querem ver pelas costas. Precisa assumir que é presidente de todos os brasileiros, muito além de presidir as reuniões dos seus 39 ministros. Repito uma questão de artigo anterior: Vossa Excelência vai se apequenar e ceder a questões eleitoreiras ou irá, como estadista, assumir realmente a Presidência e conduzir o Pais?
Cordialmente

Arnaldo Jardim - Deputado federal PPS/SP.

Copas, Olimpíadas e falta de saneamento, por Arnaldo Jardim




18/07/2013
Volto ao assunto, neste Ano Internacional da Cooperação pela Água, porque a memória dos compromissos políticos e administrativos assumidos no País costuma se esvaecer, depois das comemorações. A data, estabelecida pela ONU, tem a finalidade de ampliar a conscientização sobre os desafios da gestão, acesso e distribuição deste recurso natural cuja qualidade está cada vez mais comprometida.
Com algumas “ilhas” de terra firme, cerca de dois terços de sua superfície do Planeta são dominados por vastos oceanos. Os polos e suas vizinhanças ainda estão cobertos pelas águas sólidas de gigantescas geleiras. A pequena quantidade de água restante divide-se entre a atmosfera, o subsolo, os rios e os lagos. Ao contrário do que se pensa, os terráqueos dispõem – há muito tempo – de 1,35 bilhão de quilômetros cúbicos de água, mais de 97% deles salgados, dos oceanos. O problema é a crescente contaminação dos restante 3%.
O Brasil é a grande ambição da Terra. Além de ser uma das suas maiores “ilhas”, detém cerca de 12% de todos os recursos hídricos mundiais e grande parte da maior bacia hidrográfica do Planeta, na Amazônia. E até sob as regiões semidesérticas do Nordeste aninha volumosos aquíferos reservados há milhares de anos. A abundância das águas brasileiras – nem sempre bem repartida –, o tamanho do território e as grandes diferenças regionais, além da cobiça internacional, têm configurado o desafio básico de estabelecer e promover políticas públicas consistentes na administração sustentável dos recursos hídricos nacionais numa corrida contra o que já se perdeu e a favor da conservação do que pode valer muito, ainda neste século.
Pode-se pintar o mapa do Brasil com as cores fortes dos desafios que o Estado enfrenta para democratizar a conservação e a utilização dos seus recursos hídricos. A Região Norte tem muita água, com baixa qualidade, o que traz prejuízos à biodiversidade e ao uso das populações. O foco principal no território semiárido, na Região Nordeste, é o da gestão. O Centro-Oeste é uma região estratégica para o País, detém grande quantidade de recursos hídricos e vastas áreas de agricultura. As regiões Sudeste e Sul, com grandes aglomerações urbanas, sofrem com problemas de enchentes, inundações, escassez de abastecimento público, tratamento e disposição de esgotos.
Mas a maior ameaça às nossas águas continua sendo a falta de saneamento. Apenas 50,6% da população urbana brasileira são atendidas pela rede de esgoto e só 34,6% do volume de esgotos coletado recebe tratamento. As 81 maiores cidades do País, com mais de 300 mil habitantes, despejam diariamente 5,9 bilhões de litros de esgoto sem tratamento algum, contaminando solos, rios, mananciais e praias com impactos diretos à saúde da população. Mais de 100 milhões de brasileiros não têm seus esgotos tratados.
O Brasil é o 9º colocado no ranking mundial “da vergonha” com 13 milhões de habitantes sem acesso a banheiro. Apenas 3% da população relacionam saneamento às saúde: 31% desconhece o assunto e 41% não pagariam para ter sua casa ligada à rede coletora de esgotos.
Com 84% dos brasileiros vivendo nas cidades, a nossa vulnerabilidade reside no ambiente urbano. Estudos da ANA (Agência Nacional das Águas) mostram os reais riscos de escassez, sendo que de um total de 29 aglomerados urbanos no país, 16 já precisam buscar novos e distantes mananciais para garantir o abastecimento até 2015, entre eles Campinas, Baixada Santista e a cidade de São Paulo.
A taxa de mortalidade de crianças de 1 a 6 anos que moram em locais sem coleta de esgoto é 32% maior do que entre as que dispõem deste serviço, conforme estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizado para a OSCIP Trata Brasil. A coleta e tratamento de esgotos são os serviços que atendem menos cidadãos, os que têm menor ritmo de ampliação e a pior qualidade quando comparados com outros serviços como, por exemplo, a coleta de lixo e o abastecimento de água.
O setor de saneamento básico se caracteriza pela necessidade de um elevado investimento em obras e constantes melhoramentos e os resultados, na forma de receitas e lucros, são de longa maturação. Mas De acordo com estudos do IBGE, cada R$ 1 milhão investido em obras de esgoto sanitário gera 30 empregos diretos e 20 indiretos, além de empregos permanentes quando o sistema entra na fase de operação. Isso significa que ao investir bilhões de reais necessários à universalização dos serviços, milhares de empregos poderiam ser criados e mantidos todos os anos.
Com a universalização do acesso a rede de esgoto, a estimativa é que a massa de salários, que hoje gira em torno de R$ 1,1 trilhão, se eleve em 3,8%, provocando um aumento na renda de R$ 41,5 bilhões por ano.
A universalização do acesso à rede de esgoto pode ainda proporcionar uma valorização média de até 18% no valor dos imóveis, alcançando cerca de R$ 74 bilhões, valor 49% maior que o do custo das obras de saneamento, avaliado em R$ 49,8 bilhões (considerando apenas novas ligações). Em longo prazo, o acesso à rede de esgoto implicaria um aumento na arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) na mesma proporção do valor médio dos imóveis, um ganho estimado de R$ 385 milhões ao ano.
A lei federal Nº 11.445 de 5 de janeiro de 2007 estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico e definiu uma Política Federal de Saneamento Básico. Logo em seu artigo 2º destaca entre seus princípios fundamentais: o abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente.
Faltam projetos e recursos para que esta atividade econômica se desenvolva com a velocidade e a qualidade desejada e necessária. A lei de regulação estabelecia a obrigatoriedade de elaboração de Planos Diretores de Saneamento Básico pelos municípios e operadores brasileiros até final de 2010. Mas a meta até hoje não foi cumprida.
O tamanho do problema e a enorme ameaça que a falta de saneamento causa ao desenvolvimento brasileiro me faz sim, voltar ao assunto, na qualidade de presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura Nacional do Congresso, para alertar o governo central e os estados, principalmente, sobre as urgentes tarefas de assessorar as prefeituras e desburocratizar os procedimentos que permitam aos municípios desenvolver seus planos de saneamento e as obras necessárias em tempo curto. 
Inteligência, gerência e tecnologia na área o País tem de sobra, tanto em executivos estaduais quanto nas empresas públicas e privadas que prestam serviços de saneamento. Basta haver um esforço comum de república federativa e determinação do governo – como houve para a Copa das Confederações e está havendo ainda para a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas. Ou o Brasil não merece sair rapidamente do ranking mundial da vergonha?

Arnaldo Jardim - Deputado federal PPS/SP.
E-mail: arnaldojardim@arnaldojardim.com.br
Site oficial: www.arnaldojardim.com.br