domingo, 28 de fevereiro de 2021

Sem contracheque ou cargo de repórter, seu Frias foi funcionário exemplar, FSP

 Hélio Schwartsman

SÃO PAULO

Ele não recebia contracheque e odiava ser chamado de jornalista. Ainda assim, por mais de 40 anos, foi um funcionário exemplar da Folha: decisivo, assíduo, exigente —consigo mesmo e com os outros— e, embora não fosse propriamente um repórter, participou da apuração de alguns dos grandes furos do jornal.

Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), ou “seu” Frias, como ele preferia ser chamado, foi o publisher do jornal de 1962 até sua morte. No espírito de seu Frias de ser tão direto quanto possível, talvez seja bom esclarecer que publisher é só um termo pomposo para “dono”.

O então publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira, em viagem a Chicago (EUA), em 1969
Octavio Frias de Oliveira, então publisher da Folha, em viagem a Chicago (EUA) em 1969 - Folhapress

“Foi uma loucura” era uma das expressões que ele usava para descrever a compra, em agosto de 1962, poucos dias após seu aniversário de 50 anos, do Grupo Folha, com os sócios Carlos Caldeira Filho e Caio de Alcântara Machado —este saiu do negócio meses depois.

Frias era essencialmente um homem de negócios. Já havia atuado em vários ramos, como o financeiro e a construção civil. Foi ele quem trouxe o arquiteto Oscar Niemeyer para fazer projetos em São Paulo e foi responsável pela incorporação do edifício Copan, entre outros prédios icônicos da cidade. Um ano antes da aquisição da Folha, Frias e Caldeira inventaram e administravam a velha rodoviária de São Paulo, na zona central, aquela de teto colorido de que os mais velhos se lembrarão.

Folha, que pertencia a José Nabantino Ramos, estava em sérias dificuldades econômicas. Frias fez o que sabia. Deu um cheque, “bom para segunda-feira”, e depois foi corrigindo os muitos problemas empresariais que encontrou e tentando aprender alguma coisa sobre jornalismo. Aprendeu relativamente rápido.

Em meados dos anos 1970, em parceria com o jornalista Cláudio Abramo, que comandava a Redação, Frias decidiu reformular as páginas de opinião do jornal, abrindo-as para que personalidades de todas as tendências políticas se manifestassem.

Passou a ser comum encontrar nomes de opositores ao regime militar, como os de Fernando Henrique Cardoso e Marilena Chauí, assinando artigos. Também contratou intelectuais, como José Serra, para escrever os editoriais, que fazia questão de revisar pessoalmente, palavra a palavra.

Seu Frias com o filho, Otavio, em foto de 1960
Seu Frias com o filho, Otavio, em foto de 1960 - Folhapress

Frias era, no fundo de sua alma, um pluralista. Ouvia a todos com igual interesse. Ao longo dos mais de dez anos em que trabalhei a seu lado como editorialista, vi-o improvisar inúmeras sondagens, em que consultava todos os que estivessem ao alcance —isto é, repórteres especiais, editorialistas, secretárias, contínuos e garçom— acerca de um tema polêmico. Às vezes se dobrava à maioria, às vezes, não. Não é coincidência que tenha criado o Datafolha.

Se a esquerda se tornou presença constante nas páginas da Folha, nomes da direita, como Plinio Corrêa de Oliveira, nunca deixaram de aparecer.

A pluralidade foi um dos ingredientes que contribuíram para que a Folha, uma década mais tarde, com a Redação já sob comando de Otavio Frias Filho (1957-2018), se tornasse o jornal mais identificado com a redemocratização e, a partir daí, conquistasse a liderança de mercado.

Outra característica de seu Frias que se incorporou à cultura da empresa é a preocupação quase obsessiva com a independência financeira, que ele classificava como condição necessária para a independência editorial. Ele não se envergonhava de catar clipe no chão. Quando o provocávamos por tentar economizar com migalhas, ele dizia que era essa atitude que garantia que pudéssemos escrever o que quiséssemos.

Ao contrário do pai, Luiz Torres de Oliveira, e do filho Otavio, Frias não tinha preocupações nem ambições intelectuais. Respeitava muito a figura do especialista, mas seu negócio eram pessoas e ele sabia lidar muito bem com elas. Estabelecia ligações fortes e duradouras com muitas delas, desde funcionários humildes até figuras do poder.

Em off, jargão jornalístico para informações cuja fonte deve ser mantida em sigilo, figuras importantes de meios empresariais, políticos, médicos etc. lhe contavam tudo. E isso o transformou num repórter informal. É ao seu Frias que a Folha deve furos memoráveis, como a informação de que Tancredo Neves tinha um tumor e não uma diverticulite, como anunciavam os canais oficiais.

Essa extrema sociabilidade também tinha o seu reverso. A empresa costumava montar uma verdadeira operação de guerra para que os resultados das pesquisas eleitorais do Datafolha que seriam publicadas na edição impressa do dia seguinte não vazassem.

Mas, assim que os números chegavam ao seu Frias, ele não resistia e se punha a ligar para políticos com os quais tinha maior intimidade, contando tudo. Ele era o vazamento. A confiança é uma via de mão dupla —e Frias sabia disso.

A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA

  • 1912: Nasce em 5 de agosto, no Rio de Janeiro.
  • 1926: Deixa o colégio para trabalhar. Seu primeiro emprego foi como office-boy da Companhia de Gás.
  • 1948: Com um grupo de amigos, liderados por Orozimbo Roxo Loureiro, funda o Banco Nacional Imobiliário, que teria papel relevante na edificação de arranha-céus em São Paulo.
  • 1955: Perde a 1ª mulher, Zuleika, e o irmão José em desastre de carro. Pouco depois conhece Dagmar de Arruda Camargo, com quem viria a se casar e ter filhos, netos e bisnetos.
  • 1961: Torna-se sócio de Carlos Caldeira Filho na Estação Rodoviária de SP, a primeiro do gênero.
  • 1962: Com Caldeira e Alcântara Machado, compra a Folha de S.Paulo de Nabantino Ramos.
  • 1975: Após sanear as finanças da empresa, dá início às reformas editoriais que tornariam a Folha pluralista, cada vez mais influente no cenário nacional e líder de circulação diária.
  • 1983: Publisher da Folha se convence da necessidade de engajar o jornal no movimento das Diretas Já.
  • 1991: Frias e Caldeira dissolvem a sociedade. Coube ao primeiro a empresa de comunicações e, ao segundo, os negócios na área de imóveis.
  • 2007: Morre em 29 de abril, após quadro de insuficiência renal

Samuel Pessôa - Auxílio e recuperação econômica, FSP

 Foi divulgado na semana passada o texto substitutivo do senador Márcio Bittar (MDB-AC) à proposta de emenda à Constituição, PEC 186 de 2019, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

O texto permite que o Executivo envie uma medida provisória ao Congresso Nacional para abrir crédito extraordinário a fim de financiar, por meio de aumento de endividamento público, a extensão do auxílio emergencial (AE) em 2021. Evidentemente, o gasto seria além do teto dos gastos como definido pela emenda constitucional 95.

Como a Constituição permite esse tipo de gasto somente se for para “despesas imprevisíveis”, o que não é o caso da epidemia que está conosco há um ano, é necessário a aprovação da PEC para dar segurança jurídica à extensão do AE. Além disso, há que superar a vedação a endividamento adicional (regra de ouro) e excepcionalizar o impacto do gasto na meta de resultado primário.

Na mesma PEC há diversas contrapartidas para melhorar o equilíbrio fiscal.

Uma é muito polêmica: a desvinculação de receita de impostos e contribuições para a saúde e a educação. A desvinculação constitui mudança importante em nosso contrato social e precisa de um debate mais aprofundado e qualificado.

Por exemplo, me parece correta a manutenção da vinculação para saúde e educação, mas relativamente ao gasto primário total, e não à receita. Contudo, certamente trata-se de tema para ser discutido em outro momento —na sexta-feira (26), aliás, Bittar indicou que vai retirar o dispositivo da PEC.

As outras contrapartidas fiscais à extensão do AE, que estão no substitutivo de Bittar, são temas mais do que discutidos pela sociedade e pelo Congresso.

A contrapartida mais importante é melhorar a redação do trecho da emenda constitucional 95, que estabeleceu o teto para o gasto primário, para especificar melhor a condição de acionamento das medidas corretivas, sempre que o limite for excedido.

Outra medida importante é não tornar a União solidária no pagamento de dívidas dos estados. Assim, a PEC revoga a obrigação da União de conceder crédito aos estados para pagar dívida judicial estadual transitada em julgado, isto é, precatórios.

Também constitucionaliza artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que recentemente o STF decidiu que não poderia ser legislado por meio de lei complementar, que é o caso da LRF.

A medida faz com que os Poderes e órgãos autônomos —Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas e Defensoria— sejam solidários com o Poder Executivo sempre que houver frustração de receita em relação ao orçamento.

Na situação atual, toda frustração de receita é arcada pelo Executivo dos estados e municípios, isto é, pela saúde, pela educação e pela segurança.

Estabelece que gasto com pensionista de servidor deve ser contabilizado como gasto com pessoal, como recomenda o manual do Tesouro Nacional. Trata-se de importante medida para harmonizar a contabilidade pública.

Também fornece relevante instrumento de gestão aos governadores e prefeitos: sempre que o gasto obrigatório atingir 95% da receita corrente líquida (RCL), o gestor (se quiser) poderá acionar as mesmas medidas de controle dos gastos obrigatórios que valem para a União.

Adicionalmente, exime a União de ser obrigada a avalizar dívida nova de estados e municípios que estejam com gasto corrente obrigatório acima de 95% da RCL. Como no caso dos precatórios, trata-se de relevante medida de reequilíbrio da Federação.

Essas medidas são importantes e não são polêmicas. Se aprovadas conjuntamente com a extensão do AE, contribuirão para que a recuperação econômica seja mais forte e a queda da taxa de desemprego, a partir do segundo semestre, seja mais rápida.

Lembremos que o cenário inflacionário tem se deteriorado rapidamente. Teremos IPCA a 7% ao ano em junho.

Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

Gerador solar e térmica a óleo travam disputa para fornecerem luz na Amazônia. FSP

 Na tentativa de abocanhar parte do mercado de geração de energia na Amazônia, produtores de energias renováveis defendem mudanças nas regras dos leilões do governo, alegando que o modelo atual favorece térmicas a diesel, mais poluentes.

A disputa envolve os chamados sistemas isolados, localidades que não estão conectadas à rede de transmissão de energia do país, seja pela distância dessa rede, seja por estarem em meio à floresta. Há hoje 211 localidades nessas condições, lista que inclui comunidades indígenas e ribeirinhas, ilhas e cidades na floresta.

Em geral, elas são abastecidas por térmicas ou geradores a diesel e óleo combustível, cujo custo é rateado por todos os consumidores brasileiros de energia via CCC (conta de consumo de combustíveis). Em 2021, essa custo deve chegar perto de R$ 8 bilhões.

Além do alto valor, a geração a diesel na região é ineficiente e poluente, admite a estatal EPE (Empresa de Pesquisa Energética), responsável pela realização dos leilões. Em geral, gasta-se mais combustível para transportar o diesel pelas longas distâncias da Amazônia do que para gerar energia.

Em 2019, a empresa estimou que as emissões pelos geradores dos sistemas isolados chegariam a 2,87 milhões de toneladas de CO2 equivalente no ano seguinte. O volume se equipara às emissões de Recife em 2015, por exemplo, segundo inventário feito pela prefeitura naquele ano.

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O governo pretende realizar em abril um leilão para o atendimento de 23 desses sistemas, localizados no Amazonas, no Acre, no Pará, em Rondônia e em Roraima. A ideia é contratar uma potência instalada total de 97 MW (megawatts).

Projetos movidos a óleo diesel dominam o volume de energia cadastrados para a disputa, com metade dos 1.300 MW habilitados. Estreante no mais recente leilão desse tipo, realizado em 2019, o gás natural aparece em segundo, com 382 MW.

Já a energia solar, que já tem tido peso na expansão da capacidade de geração no sistema interligado nacional, representa apenas 6% da oferta cadastrada. Apesar da redução de custos da tecnologia nos últimos anos, o setor alega que as regras do leilão dificultam a participação na concorrência.

O Fórum de Energias Renováveis, entidade que tem entre seus membros empresas do setor, enviou cartas ao MME (Ministério de Minas e Energia) solicitando alterações nas regras, sob o argumento de que a inserção de renováveis poderia acelerar a transição energética na Amazônia.

Estudo elaborado para o Fórum pela Volt Robotics afirma que, apesar do investimento maior no início, projetos de geração solar com baterias têm menor custo operacional e reduziriam a conta rateada pelos consumidores no longo prazo.

Considerando uma central geradora de 18 MW, diz o estudo, o custo de operação com óleo combustível chegaria a R$ 462 milhões em cinco anos, o equivalente ao investimento necessário para construir um parque fotovoltaico de mesmo porte, que não demandaria a compra de combustível.

“Avaliando horizontes mais longos, de 25 anos, o custo de operação da solução a óleo diesel é de R$ 2,3 bilhões, enquanto o custo da solução renovável é de R$ 4,4 milhões”, diz o texto.

O setor admite, porém, que é difícil atender os sistemas isolados apenas com energia solar, principalmente porque em muitas dessas cidades o uso de ar condicionado eleva o consumo durante a noite, quando o sistema dependeria só de baterias.

Mas argumenta que o problema seria resolvido com o uso de modelos híbridos, que limitariam o consumo de óleo diesel ou combustível aos momentos de maior consumo. O curto tempo para análise do leilão, alegam, teria dificultado o cadastramento desses projetos.

O setor pede à EPE que reveja as regras da concorrência, ampliando prazo para elaboração dos projetos e dos contratos de fornecimento de energia, com o objetivo de viabilizar financiamentos de longo prazo.

“Estamos perdendo a oportunidade de deixar a Amazônia renovável, de fazer aquilo um laboratório para a transição energética”, diz Donato Filho, sócio-fundador da Volt Robotics, que fez o estudo para o Fórum de Energias Renováveis.

A elevada carga tributária sobre as baterias, que pode chegar a 80%, é outro obstáculo, diz a a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica). “Existe uma barreira tributária que atrasa a entrada dessas novas soluções em razão da mão pesada dos impostos”, afirma o presidente da entidade, Rodrigo Sauaia.

A EPE diz que o objetivo do governo é atrair para os leilões o maior número possível de alternativas. Mas no caso das renováveis tem que considerar o custo e a garantia de segurança energética para as localidades.“A gente não pode afirmar que, daqui a 15 anos, não vamos achar os preços de hoje proibitivos”, diz Bernardo Folly Aguiar, superintendente de projetos de geração da EPE.

gás natural produzido na Amazônia vem surgindo como alternativa. Em 2019, a Eneva venceu um contrato para a construção de uma térmica a gás em Boa Vista, que será suprida pela produção da empresa no Amazonas —as cargas de gás serão levadas de caminhão. A empresa já se inscreveu no próximo leilão para tentar replicar o modelo para outras localidades.