Marcelo Adnet não faz mistério do sucesso de suas imitações. “Todo mundo pensa que o segredo está aqui”, e aponta para a própria garganta, “na voz. Mas não, é aqui”, e agora ele aponta o dedo para o ouvido. “É preciso prestar atenção na escuta. Tudo o que é importante vem daí, dos detalhes que a gente consegue captar.” Sempre houve grandes imitadores entre os comediantes brasileiros. Adnet, se não descobriu, pelo menos desenvolveu essa habilidade nas eleições de 2018.
“Foi quando imitei os candidatos, e deu certo. (Jair) Bolsonaro é mais fácil de imitar, uma caricatura de si mesmo. (Fernando) Haddad é mais difícil. Tem mais o tipo do homem comum. Não exagera nos gestos, nem na voz.” Antes de imitar os presidenciáveis, naquele ano Adnet concretizou um projeto que já vinha de um certo tempo, com o produtor Augusto Casé. “A gente estava num restaurante, conversamos sobre o filme que gostaríamos de fazer. Surgiu essa ideia sobre os evangélicos. Me empolguei e fiz algumas anotações no próprio guardanapo. O Casé guardou e está lá emoldurado como um quadro, no escritório dele.” As anotações ganharam vida num filme realizado por Felipe Jofilly. Nas Ondas da Fé estreia nesta quinta, 22, nos cinemas.
Adnet está cheio de expectativa, mas nem é tanto pelo sucesso de bilheteria. Durante a fase aguda da pandemia, o público ficou refratário quanto a ir aos cinemas. Os números caíram em relação a filmes, e anos, anteriores. O streaming cresceu. “Minha expectativa é mais pela repercussão. Gostaria que as pessoas vissem o filme como uma proposta de discussão.”
O crescimento do movimento evangélico pentecostal é um fato no Brasil. Você pode até pensar que Nas Ondas da Fé, com sua proposta de fazer rir, carregue um ataque aos evangélicos, mas não. Adnet esclarece. “O filme é crítico, mas não um ataque. É como no futebol. A gente critica a seleção”, e a entrevista foi feita após a eliminação do Brasil na Copa, antes da vitória da Argentina, “mas não ataca. Faz uma crítica estrutural, e no filme também é assim. Como no futebol, na vida, existem pessoas boas, e outras que não são, entre os evangélicos”.
OPORTUNIDADE. Nas Ondas da Fé conta a história de Hickson. “É o brasileiro típico, comum. O Hickson se vira. Trabalha com consertos de eletrônicos, tem um serviço de telegramas falantes para apaixonados. Mas o Hickson tem um sonho, e é colocar a voz na rádio. A oportunidade surge, e ele não perde esse bonde.”
A mulher de Hickson – a estonteante Letícia Lima –, que frequenta a igreja evangélica, apresenta-o ao pastor, que integra uma tal Igreja Internacional dos 12 Apóstolos. Através dele, Hickson chega à rádio, numa função burocrática. Um dia, Hickson faz um conserto, o telefone está ali na frente dele. Ele testa o aparelho, solta a voz – e é um sucesso de audiência. Sua vida muda. Ele vira o pastor Hickson – o apóstolo Hickson.
Na visão de Adnet e do diretor Joffily – responsável por sucessos como E aí, Comeu? e a franquia Muita Calma Nessa Hora –, Hickson arrisca-se a perder a integridade pessoal, e a ética, ao subir vertiginosamente.
Dinheiro, dinheiro. As circunstâncias, de novo, o colocam à prova. “E ele não perde a fé”, acrescenta Adnet, “nem ele, nem a mulher”. Para contar essa história, o diretor vale-se de uma interessante ideia de mise-en-scène. Em casa, na rádio, o filme muitas vezes passa-se em longos corredores. “O Adnet precisa de espaço para respirar, para soltar-se, para mostrar aquilo de que é capaz.”
Ele chega à rádio como entregador. Avança pelo corredor entregando envelopes. Daqui a pouco, o movimento é inverso e, no mesmo corredor, Hickson recebe os cumprimentos por sua ascensão social. Sua campanha dos R$ 2 é um sucesso que o leva ao alto do monte para rezar, visto por uma multidão. E o que ocorre? Ele tem um desarranjo intestinal. Precisa... Você sabe o quê. A cena, desglamourizada, mostra o alto (o monte) e o baixo (da condição humana).
Lembra Dom Pedro/Tarcísio Meira saindo detrás da moita, afivelando o cinto da calça e, sem lavar as mãos, para empunhar a espada e lançar o célebre grito em Independência ou Morte! , de Carlos Coimbra, de 1972. Não há desrespeito. Crítica, sim, provocação, talvez.
VOZES. De volta ao futebol – durante a Copa, Adnet arrasou na Globo com sua imitação de Galvão Bueno. “Galvão narrou todas aquelas Copas, essa foi a sua última. Narrou todos aqueles Grandes Prêmios (de Fórmula 1). Seus bordões se tornaram conhecidos de todos os brasileiros. Foi muito legal fazer o ‘meu’ Galvão.”
E Lula? O presidente eleito é fácil de imitar? “Desde que saiu da prisão, Lula é outro homem. Assumiu um compromisso com ele mesmo, tem mais urgência de fazer as coisas. E a voz mudou. A gente achava que era cansaço, por tantos discursos, mas era um problema sério nas cordas vocais. Seja como for, a voz, agora, será um elemento precioso nas imitações.” Adnet promete muito humor – crítico – nesse Brasil que se prepara para mudar.
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