quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Belas Artes lança streaming com clássicos do cinema, FSP

Teté Ribeiro
SÃO PAULO
Com investimento de R$ 2 milhões e patrocínio da mesma marca de cerveja que apoia o cinema do qual é dono, André Sturm vai se aventurar no digital com o lançamento do canal de vídeo sob demanda Petra Belas Artes à la Carte, nesta quinta (31).
Serão pouco mais de cem títulos no começo, e toda quinta-feira entrarão quatro novos. A aposta é oferecer filmes que não estão em nenhum outro canal de streaming e que desapareceram com o fim das videolocadoras de vídeo.
"Teremos três blocos principais", diz Sturm. "Os classicões, com os filmes de Federico Fellini, Bernardo Bertolucci, Ingmar Bergman etc. Aí tem os mais recentes, que acabaram de sair de cartaz e os que mais me instigam, que são os cults, que não são necessariamente de um diretor incrível, não são supercomerciais, mas são legais de ver."
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Nesse último bloco ele inclui títulos como "O Casamento de Muriel", com Toni Collette, "Longe do Paraíso", com Julianne Moore e Dennis Quaid, "O Pequeno Buda", de Bertolucci, e "Possessão", com Isabelle Adjani.
Além desses, o serviço terá uma seleção de ultraclássicos, filmes mudos, como as comédias do americano Buster Keaton (1895-1966) e "Aurora", do alemão F.W. Murnau (1888-1931). "Faço questão", afirma o criador da plataforma.
O canal vai cobrar uma assinatura mensal de R$ 9,90, mas também terá a opção de pagar filme por filme, com preços começando em R$ 4,90. "Há 5.500 municípios no Brasil, mas só 500 têm cinemas. E desses, uns 350 têm um multiplex e só. É muito raro ter uma opção de cineclube ou um cinema com programação diferente", diz Sturm.
A partir de março, uma obra estreará ao mesmo tempo no cinema Petra Belas Artes, na rua da Consolação, e no streaming, com a cidade de São Paulo bloqueada para não desestimular o público local de ver na tela grande.
"Apesar disso, não acho que ninguém deixe de ir ao cinema para ver um filme na televisão. A pessoa deixa de ir porque não está com vontade de sair de casa. É que nem futebol, tem jogo no sábado o dia inteiro, mas os estádios continuam lotados", afirma Sturm.
A ideia principal é que o espectador saiba mais ou menos o que procura ao chegar a esse canal. "Ninguém vai precisar gastar 20 minutos procurando ao que assistir, como acontece hoje em dia", afirma. Será como uma extensão do Petra Belas Artes, que tem um perfil bem definido. "Se você é fã da Marvel, nem perca seu tempo", diz o dono.
O desafio agora é chegar ao público-alvo. Sturm e sua equipe usarão anúncios no cinema e nas redes sociais, mas ainda não sabem como chegar aos cinéfilos com mais de 60 anos, gente que pode não ter companhia para ir ao cinema ou que pode não gostar mais de sair de casa ou não usar redes sociais. "Estamos procurando meios de chegar a essas pessoas, ainda não tenho essa resposta."

Doria anuncia reajuste de 5% e frustra policiais em SP, FSP

Rogério Pagnan
SÃO PAULO
Muito longe de atender as expectativas dos policiais de São Paulo, que aguardavam uma valorização histórica, o governador João Doria (PSDB) anunciou nesta quarta-feira (30) um aumento salarial de 5% para as forças de segurança paulista.
O aumento, que deve valer a partir de 1º de janeiro, foi considerado pelas associações de classe quase uma afronta em razão da discrepância entre a promessa de campanha, quando Doria prometeu o melhor salário do país às suas polícias, e o anunciado, que não repara a defasagem salarial acumulada há anos.
“Um reajuste muito pífio, debochado, que fica muito distante da retórica adotada por ele próprio quando assumiu o compromisso de pagar os policiais paulistas o maior salário da federação, até o final do seu mandato. No caso dos delegados, que precisariam de um aumento de 100%, faltam agora 95% [para os próximos três anos de gestão Doria]”, disse o delegado Gustavo Galvão Bueno, presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil.

reajuste salarial Doria
O governador João Doria (PSDB) durante anúncio do reajuste salarial de 5% às forças de segurança estaduais, no Palácio dos Bandeirantes - Divulgação/Governo de São Paulo

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“É um clima de velório, de frustração, de decepção. Lamentavelmente, a gente vai ter que lembrá-lo que, para policiais, palavra não faz curva. No meio policial, a palavra é muito importante. Se para ele pode não valer, para nós, é muita cara. Ele vai ser lembrado disso”, disse o delegado.
As críticas dos policiais acontecem porque, desde o ano passado, Doria prometia reajustes recordes às forças de segurança paulista para mudar o quadro do estado, que tem um dos piores salários do país. Também acontece dias após o governador chamar de "vagabundos" um grupo de manifestantes em Taubaté, interior de São Paulo, que desagradou policiais militares e aposentados.
Ainda que considerassem algo difícil, integrantes das polícias ouvidos pela Folha acreditavam que o reajuste poderia chegar a 20%. Essa expectativa foi se reduzindo com o passar dos dias, quando a equipe econômica informou que essa porcentagem seria impossível.
A pasta de Henrique Meirelles (Fazenda) apontou, durante reuniões sobre salários, a possibilidade de melhorar os salários com pagamento de bônus. A ideia foi rejeitada por representantes da polícia, mas um dos anúncios feitos por Doria foi o pagamento bimestral de bônus de produtividade.
“O policial se sente valorizado quando ele consegue suprir as necessidades de seus familiares. Hoje, os policiais paulistas, não conseguem fazer isso sem recorrer a atividades extras, ou fazendo bico oficial, ou dando aula”, disse o presidente da Eduardo Becker, presidente do Sinpcresp (Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo).
Além do reajuste de 5% e dos bônus, a gestão Doria também anunciou outras melhorias, como assistência jurídica gratuita, equiparação do auxílio alimentação e adicional de insalubridade —também válido para agentes penitenciários.
Para o governador tucano, as medidas anunciadas são o primeiro passo. “Esse é o primeiro movimento de um projeto permanente de valorização salarial dos policiais em São Paulo. [...] Portanto, um conjunto de medidas, um pacote de valorização da categoria de policiais, conforme eu venho prometendo desde o início que eu assumi o governo do estado de São Paulo, em 2 de janeiro, compromisso de campanha”, disse Doria.
“Isso representa um impacto de R$ 1,5 bilhão no orçamento do estado de São Paulo para o ano que vem. Com isso, reafirmamos o nosso compromisso de melhorar ano a ano a condição salarial dos policiais e do sistema prisional. Durante quatro anos, nós promoveremos melhoras para as polícias e para os agentes que atuam no sistema prisional. Este é um compromisso de governo”, disse o governador.
O presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar, coronel da reserva Antonio Chiari, mais moderado, disse que a categoria não ficou feliz com o reajuste anunciado pelo governador paulista. No entanto, ele diz reconhecer um esforço do tucano em valorizar a polícia.
“Satisfez? Não. Mas ele prestigiou a área de segurança, deu a cara a bater dando esse reajuste só para a segurança. Então, tenho que respeitar essa atitude dele”, disse. “Estou feliz? Não, mas infeliz fico com o reajuste dado ao soldado, que foi insignificante. Para eles, é algo que não satisfez mesmo. O soldado vai ganhar R$ 130 de aumento, o cabo R$ 140, o terceiro sargento R$ 160. Desculpe, são valores que não significam nada”, complementou ele.

Fernando Schüler O poder e a liberdade de imprensa, FSP (definitivo)

Segundo o Ministério Público, o porteiro mentiu. É isso. Mesmo antes do MP se manifestar, muita gente já “sabia” que era mentira. Uma outra turma, mesmo depois, continua “sabendo” que é tudo verdade. A verdade líquida, na era digital, tem dessas coisas.
De qualquer forma, tenho uma intuição. Se tudo se mostrar de fato um balão furado, Bolsonaro sairá disso com um bônus retórico semelhante ao que ganhou após o atentado que sofreu, antes das eleições.
Mas há um tema complicado aí, que diz respeito às relações do poder com a liberdade de imprensa. É aí que Bolsonaro insiste em um erro. Não um erro em sua estratégia política, mas para nossa democracia. De um tipo que tem uma longa história.
Bolsonaro fala em transmissão ao vivo em rede social na noite desta terça (29), madrugada de quarta (30) na Arábia Saudita - Reprodução/Facebook
Todos se lembram de Leonel Brizola e sua infatigável disputa com a Rede Globo. Segundo Brizola, concessões de TV eram como linhas de ônibus, “não pode transportar uns e não transportar outros”. O problema, por óbvio, era explicar o que isso significava exatamente.
Mesmo que o princípio abstrato do “transportar a todos” seja correto, sua aplicação será dada pela própria imprensa. Cada veículo definirá quando e de que jeito cada um entra em cena. É injusto? Talvez.
Justo seria um mundo onde uma equidistante inteligência distribuísse a verdade, para todos, ou desse espaços iguais a cada inverdade? Lamento. Esta superinteligência não existe, e todas as vezes que alguém tentou fantasiar algo nessa linha foi um desastre.
No início de seu mandato, Lula protagonizou um episódio dantesco, tentando expulsar do país o então correspondente do The New York Times no Brasil, Larry Rohter. Foi um episódio isolado, mas revelador.
Todos se lembram, ainda há exatos três anos, do repórter Caco Barcellos sendo agredido no centro do Rio de Janeiro, aos gritos de “abaixo a Rede Globo”. Os donos da verdade, à época, eram outros.
Outros presidentes, incluindo-se aí Sarney, Fernando Henrique, Dilma e Temer, tiveram posturas de um modo geral republicanas com a imprensa. Diante da quase obsessão de setores da esquerda em “regular a mídia”, Dilma cravou a frase que deveria ser exposta permanentemente no Palácio do Planalto: “Sobre a mídia, só o controle remoto”. 
São exemplos importantes por uma simples razão: é disso que é feita a democracia. O argumento em favor da liberdade de expressão é há muito conhecido. Um de seus heróis foi John Stuart Mill, dizendo o óbvio: que a única razão para permitir que apenas ideias verdadeiras fossem veiculadas seria uma extrema confiança na infalibilidade humana.
Tudo isso é sabido, ainda que frequentemente esquecido por quem detém o poder. Recentemente tivemos um exemplo disso, vindo de nossa Suprema Corte. No episódio de interdição da revista Crusoé, o presidente da corte nos brindou como uma frase lapidar: “Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso (...) e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim”. 
Na verdade, é bem complicado. Ninguém tem, na democracia, o dom de revelar a verdade. Ela surge, a mais das vezes, do contraditório, da fratura, do cotejo dos fatos. A condição para o acerto, no mundo da informação, é precisamente a possibilidade do erro. 
É claro que se deseja que as pessoas ajam com responsabilidade (por muito tempo se discutirá se a Globo agiu com responsabilidade, neste episódio, e imagino que a própria emissora fará esta avaliação). É evidente que a imprensa pode ser criticada, inclusive por quem ocupa posições de poder. A imprensa está longe de ser uma “instituição” que observa a sociedade de fora.
As democracias vêm assistindo, em nossa época, a um processo agudo de polarização, e boa parte da imprensa terminou igualmente polarizada. Isto é um erro, sinal de mau jornalismo, na minha visão, mas é a expressão de um direito. O parcialismo da imprensa profissional fará apenas com que ela perca mais e mais espaço e credibilidade em meio ao caos informacional de nossa época. Mas quem deve julgar isso são os leitores, os ouvintes, os cidadãos. Não o poder. 
É exatamente nisso que consiste o erro do presidente Bolsonaro. Ele tem o direito de criticar este ou aquele veículo de mídia, e eventualmente extravasar a sua indignação.
Mas não pode, sob nenhuma hipótese, lançar mão de instrumentos de poder que a República lhe confere para arbitrar ou interferir nesta ou aquela opinião, neste ou naquele jornalista ou veículo de mídia. E não pode por uma singela razão: ele lida com poderes dos quais é um guardião, mas que não lhe pertencem.
Porque somos uma república, afinal de contas.
Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação

Vocação de poder, FSP

Vocação de poder

Peronistas têm disposição para mudar de rumo a fim de manter o poder

Bom conhecedor da vida pública de seu país, o jornalista Rosendo Fraga, falando da figura mais importante da Argentina contemporânea, o três vezes presidente Juan Domingo Perón (1895-1974), disse que “(ele) podia girar da esquerda para a direita sem perder seu objetivo político, que era alcançar, reter ou recuperar o poder”. 
O mesmo se aplica às principais lideranças do peronismo, movimento de muitas faces e facções que detém —nas ruas e nas urnas— o indisputado apoio das camadas populares. Apoio de raízes fundas, porque ser peronista é uma forma duradoura de identidade política para milhões de argentinos, sejam eles trabalhadores, pobres sem trabalho ou membros das camadas baixas da classe média.
“Desde bebê/ em minha casa havia uma foto de Perón na cozinha/ e agora que sou grande/ unidos e organizados estamos com Cristina” cantam por toda parte os fervorosos apoiadores da vice-presidente recém-eleita.
De 1946 em diante, os peronistas só perderam eleições para a Casa Rosada quando foram proscritos entre 1955 e 1973; durante a ditadura militar de 1976 a 1982; ou quando concorreram, divididos, com mais de uma candidatura. Feitas as contas, ocuparam a Presidência durante 24 dos 36 últimos anos. No governo, aplicaram pragmaticamente, conforme as circunstâncias, políticas neoliberais, com Carlos Menem, ou redistributivas, com Nestor Kirchner e sua viúva e sucessora, Cristina K. Sobretudo mostraram enorme vocação para o mando quando a hiperinflação e os movimentos de rua fizeram desmoronar duas vezes —e antes do tempo regulamentar— os mandatos de seus adversários do Partido Radical, Raúl Alfonsin (em 1989) e Fernando de la Rua (em 2001).
Há quem atribua ao peronismo a culpa pelo crônico impasse político que teria gerado a decadência econômica da Argentina. Diz-se também que os peronistas, mobilizados nas ruas e dilacerados por dissidências, são os maiores inimigos daqueles a quem elegeram. O que nenhum analista nega é o realismo político de seus dirigentes e sua disposição para mudar de rumo a fim de manter o poder.
Eis por que é no mínimo prematura a crença de todos quantos, a começar pelo amargurado Bolsonaro, auguram que o presidente eleito, Alberto Fernández, repetirá inevitavelmente as políticas de Cristina Kirchner que deixaram em má situação a moeda e as contas públicas nacionais. A vocação de poder e o pragmatismo que cimentaram a união dos peronistas em torno de Fernández, somados à força relativa dos derrotados e à delicadíssima situação econômica do país, poderão dar outros rumos ao novo governo.
Maria Hermínia Tavares de Almeida
Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.