sábado, 30 de dezembro de 2023

‘Somos sapos na panela, mas as empresas morrerão antes de nós se não mudarem’, diz Patrícia Ellen FSp (definitivo)

 30.dez.2023 às 15h00

BRASÍLIA

Patrícia Ellen comanda hoje a Aya Earth Partners, grupo que ajuda empresas e governos a migrar para um modelo de produção de baixo carbono. Ela defende que a melhor forma de dobrar o crescimento do PIB é atrair o setor privado com projetos voltados à bioeconomia. Só assim será possível capturar parte dos US$ 400 bilhões disponíveis no mundo.

Patrícia Ellen, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e fundadora da Aya Earth Partners
Patrícia Ellen, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e fundadora da Aya Earth Partners - Karime Xavier - 18.dez.2019/Folhapress

Boa parte das empresas se diz amiga do verde por marketing. Qual o futuro para elas?
Somos sapos cozinhando na panela [por causa do aquecimento]. Essas empresas têm de entender que desaparecerão se não mudarem o ‘software’. E morrerão antes de nós. Alguns negócios sumirão em até dez anos. Outros, em 30 anos.

Quem será extinto primeiro?
As corporações de combustíveis fósseis e, indiretamente, os negócios a eles relacionados. Os transportes precisam de uma revolução. A produção de alguns materiais, como cimento e aço, também.

Isso é um problema ou uma oportunidade?
A média de crescimento do PIB brasileiro é 2,5% ao ano. Temos a chance de dobrar essa média. O que é problema para outras economias é uma oportunidade para nós: transição energética, bioeconomia, agricultura sustentável e produção alimentar.
O Brasil precisa produzir e exportar carbono em escala, atrair indústrias de produtos de valor agregado com energia limpa, mostrar que somos a maior referência dessa economia da floresta.
A Aya prevê algo entre US$ 250 bilhões e US$ 400 bilhões por ano a mais na economia a partir de 2030.

Dá para competir com EUA e Europa, que despejam trilhões nessa transição?
É muito difícil concorrer com esse nível de incentivo. Uma startup de biotecnologia vai se registrar nos EUA, que oferecem subsídio e crédito a juro zero. Esses pacotes [EUA, Europa e China] são protecionistas. Na COP28, Joe Biden [presidente dos EUA] e Lula assinaram um acordo [dentro do programa de incentivo dos EUA]. É um momento de negociação, para que nossa vantagem produtiva se transforme em vantagem competitiva.

Estamos no caminho certo?
Sou otimista. O governo entregou a reforma tributária, a redução do desmatamento na Amazônia, a revisão das NDC [normas de redução de emissões de carbono]. Deveríamos acelerar essas metas, integrar as políticas e não dar sinais errados, como a possível adesão à Opep [bloco dos produtores de petróleo].


Raio-X | Patrícia Ellen

Formação: Administração pela FEA-USP
Carreira: Atuou por 18 anos na McKinsey. Integrou o Conselhão da Presidência da República (2016-2018) e foi CEO da Optum até 2019, quando assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de São Paulo. Em 2022, fundou a Aya.


Além dos carros, BYD é quem mais produz máscaras contra Covid no mundo e gigante dos painéis solares, FSP

 Thiago Bethônico

CAMPINAS e SHENZHEN (CHINA)

Uma empresa prestes a se tornar a maior fabricante de carros elétricos do mundo, mas não se considera uma montadora. Que assumiu a liderança global na confecção de máscaras contra a Covid sem pertencer à área da saúde. Produz mais painéis solares do que qualquer outra companhia no Brasil, mas tampouco é do ramo de infraestrutura. Parece charada, mas é a BYD.

A gigante chinesa ficou conhecida entre os brasileiros após anunciar a instalação de uma fábrica de automóveis na Bahia no começo deste ano. O que poucos sabem é que o conglomerado possui várias frentes de negócio pelo mundo: de enriquecimento de lítio a produção de chips semicondutores.

BYD (lê-se 'bi-uai-di') é uma sigla para Build Your Dreams, algo como "construa seus sonhos", em inglês. O nome tem um quê de slogan motivacional e aparece escrito por extenso na maioria dos veículos elétricos da companhia.

Josileine Almeida, funcionária da BYD, confere painel solar na fábrica da empresa em Campinas (SP) - Eduardo Knapp- 17.ago.23/Folhapress

Fundada em 1995, a BYD construiu um império diverso de números superlativos mesmo para os padrões chineses.

São 600 mil funcionários, o que faz da empresa uma das dez maiores empregadoras do mundo, segundo a revista Fortune. Dessa "Sorocaba" de empregados, 90 mil atuam somente em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e soluções, 70 mil são engenheiros.

A chinesa detém ao menos 26 mil patentes, de 40 mil solicitadas, com uma média de dez pedidos por dia, o que ajuda a dimensionar a variedade de setores onde atua.

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No complexo de formato hexagonal onde fica a sede da companhia em Shenzhen, no sudeste da China, o mural de patentes ocupa lugar de destaque no piso de acesso ao prédio principal, onde também ficam expostos os modelos de veículos recém-lançados e um showroom com a história da empresa, com amostras de suas outras divisões, como a dos ônibus elétricos e trens urbanos.

Há ainda um mural de autoridades que já passaram pelo BYD ou que se encontraram com executivos da empresa; a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff (PT) é uma das retratadas.

Mural de patentes na sede da BYD em Shenzhen; são 26 mil aprovadas, de 40 mil já pedidas
Mural de patentes na sede da BYD em Shenzhen; são 26 mil aprovadas, de 40 mil já pedidas - Divulgação

Mas nem sempre foi assim. A BYD nasceu como uma fornecedora de baterias para celular fundada por Wang Chuanfu —que vem sendo chamado de Elon Musk chinês.

Diferentemente do dono da Tesla, Wang não veio de família rica que explorava minas de esmeraldas na África do Sul. Nascido numa das províncias mais pobres da China, Wang perdeu os pais ainda jovem e foi criado pelos irmãos mais velhos, que apostaram nos estudos dele. Deu certo.

Alguns anos depois da fundação, a BYD já era das principais fornecedoras de marcas como Motorola e Nokia. A empresa projeta que dois em dez aparelhos como celulares e tablets no mundo tenham componentes fabricados por ela.

A estreia na indústria automobilística só aconteceria em 2003. A ideia de Wang era substituir os motores à combustão dos carros por baterias elétricas. A empreitada era ambiciosa para a época, mas atraiu o investidor bilionário Warren Buffett, que comprou 10% da companhia em 2008.

Nos anos seguintes, a BYD agiu para expandir seu portfólio, começando a fabricar caminhões, ônibus, trens de monotrilho e até empilhadeiras elétricas.

O crescimento nessa indústria viria com o tempo, paralelo ao amadurecimento desse mercado e aos incentivos bancados pelo governo chinês. Desde 2014, os veículos de energia limpa são isentos de um um imposto de cerca de 10% –a empresa já pleiteou com o governo brasileiro um incentivo similar.

Em meio ao recente boom de carros elétricos (estimulado principalmente pela pressão por alternativas aos combustíveis fósseis), a BYD está prestes a ultrapassar a Tesla e se tornar a maior produtora mundial em número de vendas.

Entre julho e setembro de 2023, por exemplo, a empresa vendeu 431 mil veículos, apenas 3.000 a menos que a rival americana. Quando os resultados do quarto trimestre forem divulgados, é muito provável que a BYD tenha destronado a Tesla.

Marcello Schneider, diretor institucional da BYD no Brasil, diz que a companhia mantém estrutura verticalizada, o que dá a ela mais controle sobre tudo o que precisa.

"Produzimos praticamente tudo o que necessitamos, microchips, processadores, motores, inversores e toda parte elétrica. Basicamente não fazemos os vidros e os pneus", diz.

A envergadura da cadeia produtiva, segundo Schneider, foi um diferencial durante a pandemia, quando montadoras tiveram dificuldades em adquirir peças devido a problemas com o fornecimento. "A BYD não teve nenhum problema."

O controle sobre diversos aspectos da produção aparecem na estrutura da BYD também na forma de novos negócios. A entrada no mercado de painéis solares guarda certa relação com esse interesse.

Segundo Schneider, a companhia entendeu que não era estratégico alimentar um carro elétrico com uma energia poluente.

"Uma indústria, por exemplo, pode usar nossas empilhadeiras elétricas e ter o painel solar que vai elementar não só esses veículos, mas eventualmente os carros da frota. Conseguimos casar um pouco de todos os produtos e vender uma solução completa."

Marcello Schneider, diretor institucional e líder da divisão de ônibus elétricos da BYD, segura uma placa de células fotovoltaicas na fábrica de painéis solares da empresa, em Campinas (SP) - Eduardo Knapp - 17.ago.23/Folhapress

Atualmente, o conglomerado produz os módulos fotovoltaicos em apenas dois países: China e Brasil.

A fábrica fica localizada em Campinas e garante à BYD o título de maior produtora de painéis solares do país. O negócio começou em 2017 e foi um dos primeiros que a chinesa teve no Brasil, de olho nos leilões de geração de energia que o governo preparou para aquele ano.

Além da fábrica de módulos, a BYD tem hoje no Brasil uma produção de ônibus elétricos —também em Campinas— e uma unidade em Manaus para montagem de baterias.

Outro exemplo dessa capacidade vem da produção de máscaras faciais. No começo da pandemia de Covid-19, houve escassez desse produto em todo mundo, inclusive na China.

"Em menos de uma semana, um corpo de engenheiros mudou uma linha de produção para produzir máscara —a princípio para os próprios funcionários. Rapidamente isso se tornou uma unidade de negócio e, hoje, a BYD é a maior fabricante de máscaras faciais do mundo, com mais de 100 milhões de unidades produzidas por mês", afirma.

Com a diversidade de frentes de negócio, faz sentido para a BYD evitar o rótulo de montadora. "Encaramos a companhia como uma greentech, uma empresa de tecnologia verde que tem seus vários negócios", diz o diretor.

A nova frente de controle da cadeia de negócios no segmento de carros elétricos está na mineração. Hoje a BYD tem acordos de compra dos minerais necessários para a produção de bateria com Chile, Brasil, entre outros países com reservas na África e Oceania.

Em julho deste ano, a Bloomberg mostrou que a BYD estava deslocando uma equipe de engenharia como parte de um projeto para iniciar o processamento de lítio no Chile, país que abriga as maiores reservas mundiais do metal.

O objetivo, segundo a agência, é construir uma fábrica de cátodos de lítio de US$ 290 milhões no norte do país.

De acordo com Schneider, também existe um planejamento para que o conglomerado comece a atuar na parte de beneficiamento de lítio no Brasil. A ideia é conseguir fabricar as células das baterias aqui no país —processo que hoje é feito na China.

O diretor afirma que ainda não há planos para atuar na extração direta do mineral, mas ressalta que a companhia está sempre de olho em "oportunidades interessantes". Parcerias com empresas como a Sigma Lithium, que está explorando lítio no Vale do Jequitinhonha, não estão descartadas.


RAIO-X

Fundação: 1995
Lucro líquido em 2022: US$ 2,5 bilhões
Funcionários: 600 mil
Carros vendidos em 2022: 1,86 milhão
Principais concorrentes: Tesla, Volkswagen, Volvo