domingo, 25 de dezembro de 2022

A nova era da China, L21 FSP

 

Juan Pablo Cardenal

Juan Pablo Cardenal é jornalista e especialista na internacionalização da China. Associado ao Centrode Abertura e Desenvolvimento da América Latina . Entre 2003 e 2014, ele foi correspondentena China. Autor do relatório "A arte de fazer amigos: como o Partido Comunista Chinês seduz ospartidos políticos na América Latina"       

Após a poeira baixar alguns anos depois de Tiananmen e até a chegada de Xi Jinping ao poder em 2012, a China e o mundo ocidental desfrutaram de três décadas de relações plácidas. Não era uma época isenta de tensões, mas todos ganhavam. A China definiu o rumo da modernização, empreendeu reformas estruturais e se incorporou ao comércio global com o apoio entusiasta do Ocidente.

A fábrica do mundo e a globalização emergiram, a demanda interna chinesa começou a abalar os mercados e a China iniciou sua internacionalização. Tudo estava indo bem. Pequim também conseguiu passar a ideia de que precisava de tempo para realizar reformas políticas. Com este álibi, as democracias seguiram se beneficiando da conjuntura favorável enquanto mantinham sua consciência tranquila.

Entretanto, depois da chegada de Xi Jinping ao poder, tudo começou a mudar. Ele herdou uma China mais poderosa e próspera: competindo globalmente, adquirindo ativos e tecnologia, construindo infraestrutura e influência. Um gigante que rivaliza diplomaticamente, que se opõe à ordem mundial, que não se submete ao escrutínio de ninguém, que não tolera críticas.

No plano doméstico, a pujante classe média urbana e um setor privado inovador e interconectado com o mundo encarnaram a modernização e o bem-estar relativo do país. Um salto qualitativo que Xi Jinping não viu como uma força, mas como uma ameaça. Como em Taiwan e na Coréia do Sul, e em tantos países latino-americanos, a China reunia os requisitos e começava a estar madura para uma transição política.

Diante da perspectiva de um movimento de democratização imparável e com a lição do colapso da União Soviética bem aprendida, Xi ativou os freios. E, de acordo com sua lógica política, o regime impulsionou – em autodefesa – a recentralização da autoridade do Partido Comunista (PCC) a fim de assegurar seu controle da sociedade, o comando da economia e a eliminação preventiva de qualquer oposição.

Assim, para erradicar o que Xi chama de ventos torcidos, lançou uma campanha contra os perigos ocultos decorrentes da corrupção, da dissidência ideológica e da influência ocidental. Com o chamado Documento nº 9, uma circular interna de 2013 que proíbe a promoção na China dos "perigosos" valores democráticos, desenvolveu-se a hostilidade ideológica contra o Ocidente e seu sistema de valores políticos baseado na liberdade.

Esta China à imagem e semelhança de Xi, e cada vez mais autoritária, forjada na última década, foi afirmada no 20º Congresso do PCCh. Este conclave consolidou não só o terceiro mandato de Xi e talvez também sua perpetuação no poder, mas também explodiu a liderança coletiva instituída há quase meio século para evitar que os desvios personalistas levassem a anarquia à China, como ocorreu no maoísmo.

Rodeado de colaboradores cujos méritos residem na lealdade que lhe professam, e sem oposição interna na cúpula comunista, Xi terá livre arbítrio para exercer o poder como bem entender. Tudo isso afeta a América Latina. Vejamos o porquê. A relação forjada desde a virada do século com a China tem sido construída sobre o pressuposto indiscutível de que tal vínculo traz para a região um ganho econômico fundamental.

Exportações, investimentos, crescimento do PIB e outros números macroeconômicos respaldam esta ideia e, portanto, se apresentam habitualmente como evidência dos benefícios que a América Latina obtém graças à demanda chinesa e sua presença no continente. É verdade que uma análise mais fina introduziria nuances. Por exemplo, a América Latina não soube aproveitar suas tratativas com a China para criar indústrias de valor agregado que geram riqueza, e assim consolidou sua posição como mero exportador de recursos naturais não processados.

Ou as sequelas do modelo chinês em termos de impacto socioambiental, assim como a dependência comercial ou financeira que alguns países já sofrem com a China. No entanto, os aspectos negativos são ofuscados por uma ideia mais forte: que a China é estratégica para o futuro latino-americano. Toda a relação com a potência asiática está assim subordinada ao pragmatismo econômico, o que explica a aquiescência – e o silêncio – oficial em relação ao autoritarismo chinês.

Mas e se a China sofresse a maior deterioração econômica dos últimos 40 anos? Isso mudaria o cenário para a América Latina? A questão é pertinente porque a conjuntura econômica na China não parece boa. O que durante décadas pareceu impossível, uma forte desaceleração, está acontecendo. O Banco Mundial prevê um crescimento de 2,8% para este ano, um dado que social e politicamente, no contexto chinês dispara todos os alarmes.

A queda não é conjuntural, mas uma consequência da crise habitacional, que ameaça contagiar o resto da economia, e das restrições draconianas da política de covid zero que afundaram o consumo e estimularam a indignação e os protestos sociais em todo o país, segundo Freedom House. Estes não são os únicos desafios.

O modelo de desenvolvimento baseado em exportações, urbanização e grandes investimentos mostra sinais de esgotamento. O desacoplamento seletivo do mundo democrático e os controles de exportação de semicondutores dos EUA, cujo impacto é colossal para a China, pinta um futuro complexo e preocupante para o governo comunista.

Sem mencionar as incertezas geopolíticas. A festa está chegando ao fim e, portanto, a China e sua relação com o resto do mundo entram em uma nova era, sem dúvida mais complicada. A América Latina, que por mais de duas décadas se beneficiou da bonança chinesa, pôde ver suas expectativas em relação ao gigante asiático serem frustradas.

Se os maus presságios se cumprirem, os governos latino-americanos terão que se adaptar a um cenário diferente, o de lidar com uma China menos sedutora por sua deriva autoritária e por não oferecer as oportunidades de costume.

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