sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Fábrica de chips bilionária abandonada em Minas pode ser chance de o Brasil entrar na briga global, OESP

 Anunciada em 2012 e com previsão de início de operações três anos depois, mas inativa até agora, a fábrica de semicondutores da Unitec em Minas Gerais, um investimento de mais de R$ 1,2 bilhão, virou uma espécie de “isca” para atrair grupos internacionais para produzir o componente no Brasil. Hoje, ele é importado da Ásia e sua escassez desde o início da pandemia tem provocado paradas em várias fábricas no mundo, principalmente as de veículos.

Os dois principais acionistas da Unitec são, atualmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a empresa argentina Corporación America, com 33% de participação cada. Entre os minoritários estão o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e as empresas Matec e Intecs.

O uso de suas instalações e infraestrutura em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, poderia antecipar em dois anos o início da produção local de chips. Uma fábrica nova pode levar no mínimo quatro anos para ficar pronta.

Foi esse “benefício” – de já ter estrutura para acelerar o processo – que um grupo de dirigentes do setor automotivo e de representantes do governo federal apresentou a dois fabricantes de semicondutores em viagem ao Japão nas duas últimas semanas. Uma delas é a Renesas, uma das grandes produtoras de chips no mundo, com sede em Tóquio.

Fábrica de semicondutores está pronta, mas sem operações
Fábrica de semicondutores está pronta, mas sem operações Foto: Washington Alves/Light Press/Estadão

O governo brasileiro também informou que, em breve, editará uma Medida Provisória estabelecendo desoneração tributária, alternativas de financiamento e infraestrutura a interessados em investir na produção local.

Outro ponto destacado pelo grupo é o tamanho do mercado brasileiro. Só a indústria automotiva deve demandar quase 4 bilhões de chips por ano, tendo como base uma produção anual de 2,3 milhões de veículos, segundo cálculos da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Cada carro novo tem aproximadamente 1,5 mil microchips.

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“Dirigentes das duas empresas japonesas (uma pediu para não ter o nome divulgado) ouviram as propostas, pediram mais informações e vão agendar novos encontros, aqui no Brasil, para discutir o tema”, informa o presidente da entidade, Márcio de Lima Leite, que liderou o grupo em visita ao Japão.

Ele lembra que, em vários países, especialmente na Ásia, há 29 fábricas de semicondutores em construção, projetos que foram iniciados antes da crise de escassez provocada pela pandemia. “Hoje, para comprar equipamentos para a produção, há fila de espera de dois a três anos.”

A produção local passou a ser imprescindível para a indústria brasileira, avalia Leite. A demanda por chips, já bem elevada, vai aumentar substancialmente com o uso do 5G, da internet das coisas e a chegada de carros elétricos, conectados e autônomos.

Histórico conturbado

Há várias justificativas para o não funcionamento da fábrica que seria a primeira da América do Sul a operar em várias etapas da produção de chips. Ela foi idealizada em 2005 pelo ex-presidente da Volkswagen do Brasil, Wolfgang Sauer – que era um dos acionistas, mas faleceu em 2013. Teve como principal sócio, ao lado do BNDES, o empresário Eike Batista, que vendeu sua parte à Corporación America em 2014, logo após os escândalos que levaram seu grupo à falência.

Com essa aquisição de ações, o nome da empresa foi alterado de Six para Unitec, o mesmo que a fábrica de chips do argentino tem no país, onde produz chip para cartões de celulares, documentos de identidade, passaportes e outras aplicações.

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A empresa brasileira está em recuperação judicial, com dívidas trabalhistas e tributárias de R$ 600 milhões. A situação se aprofundou em 2019, quando a IBM, então dona de 18,8% das ações e provedora da tecnologia, abandonou o projeto. A matriz americana vendeu suas operações globais da área de semicondutores, e o comprador não se interessou pela fábrica local.

Fábrica chegou a ter 150 funcionários e foram feitos testes de maquinário e produção
Fábrica chegou a ter 150 funcionários e foram feitos testes de maquinário e produção Foto: Washington Alves/Estadão - 27/10/2017

Marco Aurélio Barreto, sócio da Tauá Partner e responsável pelo processo de recuperação judicial da Unitec, afirma que o projeto também passou por dificuldades em razão de alterações do câmbio, que elevaram os custos dos investimentos em reais pois a maior parte dos equipamentos era importada.

“O que a Unitec mais precisa hoje é de um operador que entenda do tema, que faça design e produção de semicondutores, que tenha clientes e fornecedores”, diz Barreto. O Brasil abriga oito empresas que realizam partes do processo de produção de chips, mas nenhuma que faça a maior parte das etapas.

Em nota enviada ao Estadão, a Corporación America informa também que, em 2015, os bancos públicos suspenderam as linhas de crédito originalmente previstas. “Esta circunstância levou à necessidade dos acionistas aumentarem seus compromissos de capitalização”, diz.

“A Corporación América manifestou interesse em fazer as contribuições correspondentes ‘pari passu’ com os demais sócios mas, infelizmente, eles não quiseram continuar fazendo contribuições de capital”, acrescenta a nota, e hoje a planta permanece em “estado pré-operacional”.

A companhia argentina diz que fez diversas contribuições extraordinárias para garantir a manutenção da empresa e a proteção de seus ativos e que também concedeu linhas de crédito para apoio à Unitec e à proteção de seus ativos. Segundo informações, alguns equipamentos já teriam sido vendidos.

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Dívidas trabalhistas

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e região, Geraldo Valgas, diz que a Unitec chegou a ter 150 funcionários que prepararam a fábrica e fizeram testes de produção e simulações. Em 2020, eram apenas 30. A entidade representa dez deles em uma ação trabalhista que, segundo o sindicalista, já está no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao todo, o grupo pede cerca de R$ 7 milhões em indenizações.

Quem também tem ação contra a empresa é o BNDES que, além de acionista, emprestou R$ 173 milhões à Unitec. A instituição afirma que já foi determinada a expedição de carta precatória para penhora de um imóvel dado em hipoteca – uma área da Fazenda Mato Grosso, na própria Ribeirão das Neves.

Segundo o BNDES, “neste momento, com o aquecimento do mercado global de semicondutores, a companhia e seus acionistas têm buscado investidores estratégicos que se alinhem ao seu plano de negócios, com vistas a tornar a empresa operacional.” O BDMG vai na mesma linha e diz apoiar “o processo de busca por um plano de reestruturação que envolva a atração de novos investidores”.

Componente usado em diversos produtos está escasso desde o início da pandemia
Componente usado em diversos produtos está escasso desde o início da pandemia Foto: Washington Alves/Estadão - 27/10/2017

Já a Prefeitura de Ribeirão das Neves informa que não está participando do processo de busca de novos investidores, mas tem interesse em acompanhar o tema. O governo de Minas também diz que a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Econômico tem interesse em atrair investimentos para o setor, considerado fundamental para a economia. “Neste sentido, apresentações com potenciais investidores estrangeiros já foram realizadas”, informa a pasta, sem informar se algum deles manifestou interesse.

4,5 milhões de carros deixaram de ser produzidos no mundo

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A falta de semicondutores ainda aflige a indústria automobilística no mundo todo. O fornecimento melhorou em relação ao ano passado, mas está longe de se normalizar. A previsão é de que o problema se mantenha em 2023, mas com menor impacto em relação a este ano. De janeiro até agora, o Brasil deixou de produzir cerca de 170 mil veículos por falta de chips e outros componentes. Em 2021 inteiro foram 378 mil.

Lá fora há 29 fábricas em construção e se o Brasil não entrar nessa onda vamos fica muito atrasados

Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea

Dados da consultoria internacional AutoForecast Solution (AFS) indicam que, no mundo todo, há uma perda acumulada de produção de 4,2 milhões de veículos neste ano, somando cerca de 15 milhões de unidades desde o início da pandemia. Para o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, a reindustrialização do Brasil passa pela produção de itens hoje só importados, como os semicondutores.

“Lá fora há 29 fábricas em construção e se o Brasil não entrar nessa onda vamos ficar muito atrasados”, diz o executivo. Segundo Leite, nos dois últimos anos ficou muito clara a dependência do Brasil e de outros países da Ásia - maior produtora do componente -, mas governos como o dos EUA, de países europeus e mesmo os asiáticos estão investindo na localização de chips. “Nós não temos escolha”.

Bomba-relógio, Luís Francisco Carvalho Filho, FSP

 A tentativa de detenção de Guilherme Boulos (PSOL) por policiais militares durante ato de campanha em São Paulo é sinal aparente da corrosão política que o governo de Jair Bolsonaro patrocina no Brasil. Boulos não é apenas candidato a deputado federal, é ativista de esquerda, com notória carreira voltada para a reforma urbana e para o direito à moradia. O recado é claro.

Agentes da segurança recebem estímulos do próprio presidente da República para transformar a divergência ideológica, raiz da democracia, em caso de polícia. Por isso, pequenos desmandos tornam-se rotina.

Em redes sociais, soldados da PM postam, sem medo de punição, frases como "cacete, bala e bomba nesses esquerdas". Um certo coronel Washington Lee, bolsonarista que se declara descendente de samurai, deputado estadual no Paraná, acha "interessante" a ideia de militares tomarem o poder por um golpe de Estado.

Presidente Jair Bolsonaro posa para foto com vários policiais militares
Com o discurso de legitimação da letalidade policial e de defesa da impunidade para abusos contra direitos humanos, Jair Bolsonaro estabelece uma situação de inegável conforto para as tropas - Isac Nóbrega - 4.ago.22/PR

O que aconteceu com o coronel Aleksander Lacerda, militante bolsonarista e comandante da PM em Sorocaba, afastado por Doria em agosto de 2021, por atacar autoridades federais não alinhadas ao ideário fascista de Jair Bolsonaro? Está preso? Foi expulso? Ou, "arrependido", permanece na corporação, em algum "Estado-Maior Especial", recebendo salário e conspirando contra a democracia?

O que aconteceu com o patético e suspeito general Eduardo Pazuello que, na ativa, desrespeitou os regulamentos militares e participou de ato político-partidário? Nada. É candidato bolsonarista no Rio de Janeiro.

Segundo reportagem do UOL, em Jundiaí, interior de São Paulo, oficiais instruem a tropa a votar em Jair Bolsonaro e na figura também repulsiva de Tarcísio de Freitas.

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A politização das PMs faz parte de um processo complexo e gradual, que evidentemente não se inicia em 2018, mas a figura nefasta de Jair Bolsonaro, com o discurso de legitimação da letalidade policial e de defesa da impunidade para abusos contra direitos humanos, estabelece uma situação de inegável conforto para tropas vocacionadas para a violência e para o racismo.

Cresce a chamada bancada da bala no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas. Governadores são omissos e convivem com a insubordinação. A Justiça Militar reafirma periodicamente sua tolerância infinita.

O recente informe "Policiais, Democracia e Direitos", publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, merece uma leitura pessimista. Se os resultados globais indicam adesão majoritária dos profissionais de segurança pública à "democracia", há indicadores alarmantes.

Estima-se que entre 15% e 40% dos respondentes "podem ser considerados radicalizados ou potencialmente radicalizáveis, a depender da conjuntura política e institucional". Estes são os que "não discordam ou relativizam um golpe de Estado".

Se Jair Bolsonaro é considerado legítimo representante do povo, da família e dos cristãos, líder democrata perseguido pelo autoritarismo infame e patife do Supremo Tribunal Federal, vítima do arranjo fraudulento das urnas eletrônicas, a mobilização de forças de segurança em favor de ruptura institucional não parece algo distante ou surpreendente.

Mesmo que seja derrotado domingo ou no segundo turno, mesmo que Lula assuma a Presidência da República sem um visível trauma institucional, Jair Bolsonaro deixa bombas-relógio nos quartéis do Brasil. Desarmá-las é um dos principais desafios da nossa conturbada democracia.


KPS consegue liminar e pode operar térmicas suspensas pela Aneel, FSP

 

BRASÍLIA

A KPS (Karpowership Futura Energia), empresa turca da área de energia, recorreu a uma liminar para concluir o processo que libera a operação comercial de 2 das suas 4 térmicas a gás que haviam sido suspensas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O despacho que autoriza a operação foi publicado no DOU (Diário Oficial da União) desta sexta-feira (30).

Os quatro projetos originais totalizam 560 MW de potência instalada, o suficiente para abastecer 2 milhões de pessoas.

A Aneel autorizou o funcionamento de Karkey 019 e Porsud 1. Os projetos são térmicas flutuantes, modelo conhecido como powerships, e estão no Porto de Itaguaí, na Baía de Sepetiba (RJ).

Barcos pesqueiros na Baía de Sepetiba (RJ); região foi escolhida para receber térmicas flutuantes - 28.08.15 - Rony Maltz/Folhapress

As usinas da KPS estão entre os 11 projetos que venceram o PCS (Procedimento Competitivo Simplificado), mas não entraram em operação até o prazo final, 31 de julho. No total, 17 projetos foram habilitados no certame realizado em outubro do ano passado.

A liminar garantiu a liberação de documentação da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) atestando que a KPS está adimplente (pré-requisito para o regulador liberar a operação). A medida também suspendeu o pagamentos de multas pelo atraso dos projetos, que já somam quase R$ 600 milhões.

Em nota enviada à reportagem, a companhia declarou que "segue os trâmites administrativos, cumpre todas as normas e demandas das autoridades, respeitando a legislação brasileira. O projeto está pronto para operar com tecnologia de ponta e segue altos padrões internacionais de sustentabilidade".

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O PCS foi realizado para contratar uma espécie de seguro-apagão. As térmicas deveriam operar de 1º de maio de 2022 a 31 de dezembro de 2025 para poupar água nos reservatórios das hidrelétricas. Como o prazo para a construção era curto, foi oferecido como incentivos um alto preço pela energia gerada, R$ 1.560 o MWh (megawatt-hora).

Foi estimado que custariam R$ 39 bilhões aos consumidores nos poucos mais de três anos em operação.

A título de comparação, caso essas usinas não tivessem o contrato do PCS e entrassem em operação hoje, elas receberiam R$ 55 pelo MWh, o preço no mercado à vista.

Como o risco de racionamento foi afastado e o custo dessas térmicas vai pesar na conta de luz, entidades do setor reivindicaram a suspensão do contrato das usinas que não cumprissem o prazo.

Na primeira semana de agosto, a CCEE notificou todos os empreendimentos atrasados e pediu explicações. As empresas têm direito a apresentar justificativas para o atraso e solicitar a prorrogação, via um mecanismo chamado de excludente de responsabilidade. Todas as 11 usaram o expediente.

A Aneel já negou 5 deles, sendo 4 da KPS, revogando as autorizações para a implantação das usinas. A KPS, no entanto, pediu a revisão da decisão na Aneel, e ela foi suspensa. Isso abriu espaço para a empresa cumprir o procedimento burocrático e acionar dois dos empreendimentos. Em paralelo, usou o instrumento da liminar para finalizar o processo de liberação da operação comercial.

A KPS também teve problemas com o licenciamento ambiental dos projetos. Atendendo a pedidos de organizações de defesa do meio ambiente, a Justiça do Rio chegou a suspender a implantação das usinas em julho. Os ambientalistas destacaram que a área de mangue nas proximidades das térmicas flutuantes servia como criadouro de peixes e crustáceos, sustentando a maior comunidade de boto-cinza do estado.

Há quase dois meses a diretoria da Aneel mantém em suspenso as discussões sobre as térmicas do PCS, deixando os projetos numa espécie de limbo regulatório, avaliam especialistas. Enquanto os contratos do PCS não forem rescindidos, fica valendo esse valor casos as usinas sejam acionadas a qualquer tempo.

"A Aneel precisa julgar os excludentes e rescindir os contratos quando avaliar que não há justificativa para o atraso", diz Vitor Iocca diretor de energia da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres). "Sem isso, a agência mantém um ambiente de incerteza, pois não sabemos quantas vão conseguir o excludente e quanto isso vai custar para o consumidor de energia."

Alvaro Costa e Silva - Eleição com armadilhas e suspense até o fim, FSP

 Angústia demais, emoção de menos. Uma irritante estabilidade tem marcado a campanha presidencial desde agosto: nem Lula nem Bolsonaro se movimentaram nas pesquisas além da chamada margem de erro. Se bem que o primeiro cresce, pontinho a pontinho, enquanto o segundo está estagnado, com a cabeça batendo no próprio teto. O voto útil, o voto envergonhado ou amedrontado e a abstenção de sempre vão decidir a parada.

O empenho de Lula pela vitória no primeiro turno é garantia de suspense até o fim. Aos poucos, o ex-presidente formou uma onda, uma frente eclética, com significativas adesões de última hora, um leque vermelho que vai de FHC e Joaquim Barbosa a Xuxa e Angélica. O que pode atrapalhar é o salto alto de alguns petistas.

Encurralado e abandonado até por aliados do centrão, Bolsonaro recebeu o reforço de Neymar e voltou a praticar o antijogo democrático: falsas mensagens sobre urnas e pesquisas, notas apócrifas, teorias da conspiração sobre o TSE, patriotadas, baixarias. A primeira-dama propôs um "jejum pelo Brasil", mas nem precisava: três em cada dez famílias já passam fome.

A expectativa de que o debate na Globo —que começou tarde da noite e terminou de madrugada— pudesse mudar o resultado da eleição frustrou-se. Satisfez apenas quem gosta de memes e de programas humorísticos no estilo de "A Praça é Nossa". O ponto mais baixo foi o tal padre de festa junina, que não soma 1% no Datafolha, mas teve, em combinação com o chefe, o direito de tumultuar. O curioso é que pelo menos três candidatos só estavam ali para fazer rachadinha com Bolsonaro, que conseguiu ser o menos empolgado da turma. Lula ficou no zero a zero.

Melhor notícia: até segunda-feira (3) está proibido em todo o país o transporte de armas e munições por colecionadores, atiradores, caçadores e que tais. Só será possível lamber o cano da espingarda entre quatro paredes.

Lula e Bolsonaro trocam ataques pessoais em debate marcado por bate-boca e acusações, FSP

 Joelmir Tavares

SÃO PAULO

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder da corrida ao Planalto, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), em segundo nas pesquisas, protagonizaram trocas de ataques e acusações no debate entre candidatos à Presidência na TV Globo nesta quinta-feira (29), a três dias do primeiro turno.

Eles fizeram sucessivos pedidos de resposta por ofensas pessoais, ofuscando os outros cinco candidatos no estúdio. O clima geral foi de nervosismo e tumulto, com participantes se atropelando nas falas.

Lula também foi alvo de Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil), Padre Kelmon (PTB) e Felipe D'Avila (Novo), que mencionaram casos de corrupção na era PT como o mensalão e o petrolão e a derrocada econômica da gestão Dilma Rousseff (PT).

Bolsonaro também recebeu ataques de CiroTebet e Soraya, mas teve apoio de Padre Kelmon e D'Avila ao longo do debate. Ele não fez pergunta diretamente ao seu principal adversário quando teve a oportunidade.

Foram concedidos dez direitos de resposta nos quatro blocos, quatro favoráveis a Lula, quatro a Bolsonaro, um a Kelmon e um a Soraya. O debate, que começou às 22h30, entrou pela madrugada, terminando à 1h50 de sexta-feira (30).

Os candidatos à Presidência da República nos estúdios da TV Globo, antes do debate - Eduardo Anizelli/Folhapress

Lula logo no início atacou Bolsonaro pelo descaso com a pandemia e a economia, revidou os ataques dos rivais, saiu em defesa dos governos do partido e usou o espaço para reforçar mensagens de sua campanha, como a promessa de combate à fome, redução da desigualdade e retomada do desenvolvimento.

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Agitado, Bolsonaro foi repreendido em diferentes momentos pelo mediador William Bonner por tentativas de interrupção quando não tinha o direito de fala.

O jornalista pediu obediência às regras acordadas previamente com todas as campanhas. Lula também foi orientado a respeitar as normas nos momentos em que falou fora de seu tempo oficial.

"O presidente quando aparecer aqui, por favor, minta menos", disse o petista, perguntando ao antagonista sobre o sigilo de 100 anos adotado por Bolsonaro sobre questões sensíveis para aliados e familiares, as denúncias de desvios no MEC e a "quadrilha da vacina", que tentou negociar imunizantes contra a Covid-19 com cobrança de propina.

O candidato à reeleição rebateu: "O ex-presidiário diz que eu decretei o sigilo da minha família. Qual o decreto, me dá o número do decreto? [...] Para de mentir". Bolsonaro contrariou fatos ao afirmar que faz "um governo limpo, sem corrupção, orgulho nacional".

O mandatário e o ex-presidente apontaram escândalos um do outro, citando acusações que envolvem filhos, como a investigação de rachadinhas no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

O presidente, que chamou Lula de mentiroso e traidor da pátria, devolveu: "Rachadinha é teus filhos roubando milhões de empresas após a tua chegada ao Poder. Que governo de propina? Não tem propina. Nada tem [de escândalo] contra o meu governo, nada. Deixe de mentir. Tome vergonha na cara, Lula".

O candidato à reeleição trouxe ainda ao encontro o assassinato do prefeito petista Celso Daniel, em 2002, buscando associar Lula ao crime. Lula rebateu: "Eu fui procurar o Fernando Henrique Cardoso para a Polícia Federal entrar no caso".

Demonstrando irritação com o tom dos ataques e se desculpando pelo excesso de pedidos de resposta —que, segundo ele, atrapalhavam o ritmo do debate—, o ex-presidente disse que o principal oponente mentia: "Seja responsável, você tem uma filha de 10 anos assistindo o programa que você está fazendo".

Bolsonaro se referiu ao petista várias vezes como ex-presidiário e usou a pauta da corrupção para fustigá-lo, dizendo que "a roubalheira imperava" e que ele acabou "com a mamata". Ele também usou temas morais e religiosos para se contrapor ao petista, com alusões a comunismo e desarmamento.

O presidente afirmou que antes havia no país uma "cleptocracia", que "o governo Lula foi o chefe de uma grande quadrilha" e que "o que está em jogo é o futuro de uma nação".

"Nós não podemos continuar num país da roubalheira. O governo que nos antecedeu não tinha qualquer compromisso, qualquer respeito com a família brasileira. É um governo que quis impor a agenda da ideologia de gênero [...], que quer a liberação das drogas. Esse governo do PT, ou melhor, desgoverno... Por exemplo, Lula defendia que se roubasse um celular para tomar uma cervejinha."

Felipe D'Avila disse, nas considerações finais, que lamentava que o debate fosse marcado por baixaria.

Bolsonaro, que começou o debate em evidência, sobretudo pelos embates com o líder nas pesquisas, ficou apagado a partir do segundo bloco. Em duas oportunidades, procurou se desvincular do pagamento das emendas de relator do Orçamento no Congresso.

Ciro foi outro que começou em alta, mas perdeu espaço. No início, o pedetista chamou Lula para debater, expondo acusações de corrupção.

O ex-presidente repetiu medidas de seu governo para fortalecer órgãos de controle e investigação, acrescentando exaltações a conquistas que os mais pobres tiveram durante seu governo e a ganhos também dos mais ricos.

Ciro e Lula tiveram momentos de acerto de contas no ar, expondo mágoas do passado em que foram aliados e da campanha atual, em que o pedetista adotou retórica agressiva contra o ex-parceiro.

Lula disse que nunca escondeu que teve a ajuda do ex-ministro para governar e retrucou críticas que ele tem feito ao PT. Ciro afirmou ter deixado o governo "justamente por conta das contradições de economia e, o mais grave, as morais".

O candidato do PDT não ensaiou recuar. Salpicou falas sobre corrupção generalizada, falou em delatores que confessaram desvios e citou devoluções de dinheiro.

Em dado momento, disse que Lula é mais hábil que Bolsonaro para desviar a atenção do público, ao distorcer números para exaltar governos do PT. Acusou o oponente de fazer conchavos e não reconhecer erros.

"O mais grave é que parece que o presidente Lula não quis aprender nada com as amargas lições que tomou. Não dá para aceitar esse tipo de nonsense de que não aconteceu nada [em matéria de corrupção]. Não dá para fazer de conta que não aconteceu. Esse paraíso que ele descreve quando vem aqui resultou na tragédia do Bolsonaro."

Ciro também provocou Bolsonaro ao evocar acusações contra seu governo e seus familiares. Ele fez seus últimos apelos por votos, colocando-se como alternativa à polarização, queixando-se de que "esse país está mergulhado num conchavo absolutamente mortal".

A série de imprevistos e direitos de resposta prolongou a duração do debate. Só na parte final a discussão tomou um rumo menos bélico, com espaço para exposição de ideias sobre habitação, agricultura e educação.

O nanico Kelmon fez dobradinha com Bolsonaro, unindo-se ao presidente em críticas a Lula e à esquerda usando argumentos parecidos com o do presidente.

Ele reverberou a narrativa de que o petista, se eleito, contribuirá para uma suposta aniquilação de cristãos no Brasil e buscou relacionar o líder nas pesquisas a episódios de perseguição na Nicarágua.

"Nós sabemos que a esquerda quer calar a voz dos padres, da igreja, que denigre aqueles que querem fazer o bem. Estamos procurando colocar isso como informação para que as pessoas tenham consciência de que nessa eleição precisam escolher homens de direita."

O religioso também se desentendeu com Soraya sobre a proposta da candidata de criar um imposto único. Ele disse que o país não precisa de mais tributos e que a oponente o desrespeitou, o que ela contestou.

"Nós temos um candidato cabo eleitoral do candidato Jair Bolsonaro, que por sua vez é o cabo eleitoral do candidato Lula", disse a senadora sobre Kelmon.

Em pergunta sobre combate ao racismo, o candidato do PTB novamente bateu boca com Soraya, que disse que o adversário é um "padre de festa junina". A candidata ainda falou que ele e Bolsonaro são "nem-nem, nem estuda nem trabalha". Kelmon reclamou, em direito de resposta, de desrespeito religioso.

Lula e Kelmon entraram em uma discussão ríspida no terceiro bloco que levou Bonner a interromper o debate. Os microfones foram cortados, e as câmeras não mostraram a cena por completo. O petista demonstrou irritação e reagiu a provocações de Kelmon sobre corrupção chamando-o de "candidato laranja".

O religioso assumiu a candidatura do PTB após o ex-deputado Roberto Jefferson ser impedido pela Justiça Eleitoral.

"Quando quiser falar de corrupção, olhe para outro, e não para mim", disse o ex-presidente. Kelmon se referiu a ele como "descondenado" e "cínico". Lula chamou o padre de impostor, de "alguém disfarçado", que não pode se dizer padre nem cristão.

Na confusão, Bonner chegou a pedir para o religioso ficar calado. O jornalista reiterou a necessidade de obediência às regras previamente acordadas.

Lula, Bonner e Kelmon durante o debate nesta quinta-feira (29) - Reprodução TV Globo

Tebet afirmou lamentar o nível do debate, com pouco espaço para discussões sobre os problemas reais do país e muito tempo dedicado a brigas.

Ela tentou aproveitar o espaço para falar de saúde, ambiente, economia e redução da desigualdade, mas também alfinetou Bolsonaro pela demora na compra de vacinas contra a Covid-19. "Hoje o que vemos aqui não é apresentação de propostas, mas ataques mútuos", disse a emedebista.

Tebet e Lula, ao falar de ambiente, criticaram a política do presidente nessa área. Antes, a emedebista já havia dito que na questão ambiental Bolsonaro foi o pior presidente da história do país.

Bolsonaro disse que o Brasil é exemplo para o mundo e que há florestas que periodicamente sofrem com incêndios. "Então a falta de chuva é responsabilidade minha?", disse.

Ao responder Tebet na parte final do encontro, Bolsonaro pediu votos em Mato Grosso do Sul para o candidato ao governo Capitão Contar, do PRTB, embora o PL, seu partido, apoie no estado o tucano Eduardo Riedel.

O presidente teve altercações também com Soraya, mas saiu do debate sem ofensas de maior gravidade às mulheres participantes, como vinha ocorrendo em suas aparições.

Um dos motivos de discussão foi a indicação de cargos por ela no governo federal. A presidenciável se elegeu senadora em 2018 com campanha vinculada à do atual mandatário e posteriormente rompeu com ele.

Felipe D'Ávila demonstrou concordância com o atual presidente em assuntos de economia e afirmou que a volta da esquerda seria um desastre para o país.

O postulante do Novo defendeu a ideologia liberal, que é a base de seu programa de governo, e uma nova reforma trabalhista.

O debate foi o segundo ao longo da campanha de primeiro turno com a presença dos principais candidatos, já que Lula só compareceu ao primeiro evento do tipo, no fim de agosto, e se ausentou de outro realizado no último sábado (24). Bolsonaro participou de ambos.

No primeiro turno, um debate entre candidatos pode se estender até as 7h da sexta-feira imediatamente anterior ao dia da eleição, segundo resolução de 2019 do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). De acordo com o texto, no caso de segundo turno, os horários de realização dos debates não poderão ultrapassar a meia-noite da sexta-feira imediatamente anterior ao dia do pleito.

O embate na Globo é tratado como decisivo pelas duas campanhas, já que o ex-presidente tem a possibilidade de vencer em primeiro turno, mas não possui margem folgada nas pesquisas —ele alcançou 50% dos votos válidos no Datafolha divulgado nesta quinta.

Enquanto a candidatura do PT avalia como determinante o desempenho do presidenciável para tentar conquistar votos de indecisos na reta final e combater a abstenção, a equipe de Bolsonaro espera que o debate renda algum fôlego ao presidente e desgaste o rival, aumentando a chance de segundo turno.