sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

PEDRO DORIA Flávio: o que há num nome? OESP


A democracia liberal nasce do Iluminismo, do método científico, e se sustenta no debate baseado em fatos. Sem fatos, não há democracia. Estamos doentes.
26/12/2019 | 15h00
 Por Pedro Doria - O Estado de S. Paulo

Por custo e sustentabilidade, empresas retomam autoprodução de energia, OESP

Por custo e sustentabilidade, empresas retomam autoprodução de energia


Wellington Bahnemann, O Estado de S.Paulo
27 de dezembro de 2019 | 04h00


Os investimentos em autoprodução de energia elétrica voltaram ao radar das grandes indústrias. Incentivadas pela redução nos custos das fontes renováveis de energia, pelo aumento dos preços da eletricidade e por compromissos ambientais para tornar as suas operações mais sustentáveis, empresas de diferentes segmentos passaram a investir ou firmar parcerias para viabilizar a construção de novos empreendimentos eólicos e solares.
O movimento retoma uma tendência registrada entre a segunda metade dos anos 90 e o início dos anos 2000, quando indústrias eletrointensivas investiram na construção de novas hidrelétricas para ter acesso a uma fonte de energia mais barata. Foi nesse contexto que grandes empresas de mineração e siderurgia do País, como Vale, Votorantim, Alcoa e CSN, participaram da implementação de empreendimentos como Machadinho (RS/SC), Estreito (TO/MA) e Igarapava (MG/SP).
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Eólica. Ganho em escala e aumento da eficiência das turbinas baratearam preço da energia Foto: Wether Santana/Estadão
Restrições ambientais para a construção de novos projetos hidrelétricos, até então a fonte de energia elétrica mais barata, e o surgimento do mercado livre reduziram drasticamente os investimentos em autoprodução nos últimos 15 anos. A promessa de reduzir a conta de luz em 30% “da noite para o dia”, por meio da negociação direta com geradores ou comercializadores, fez com que as indústrias optassem pela migração para o ambiente livre de contratação.
Com o advento de novas tecnologias e modelos de negócio, o investimento em autoprodução tem atraído, desta vez, não apenas os eletrointensivos, mas também indústrias que desejam uma pegada mais sustentável e eficiente para as suas operações. É o caso da cervejeira Ambev. A empresa definiu duas metas até 2025: consumir 100% da sua energia elétrica de fontes renováveis e reduzir em 25% as emissões de carbono em toda a sua cadeia de valor.
Um dos primeiros passos para o cumprimento da estratégia foi a parceria com o fundo de investimento Casaforte para a construção de uma usina eólica de 80 MW de capacidade na Bahia. A cervejeira firmou contrato de R$ 600 milhões para compra de energia por 15 anos para viabilizar o projeto, que vai atender a 100% da demanda das fábricas da Budweiser e 100% das unidades fabris no Nordeste. “O projeto vai representar 35% da nossa meta de consumo”, afirmou o vice-presidente de Sustentabilidade e Suprimentos da Ambev, Rodrigo Figueiredo.
Para cumprir os outros 65%, Figueiredo afirmou que a Ambev aposta em usinas solares e em outros projetos eólicos. Além dessa frente, a Ambev também anunciou a construção de 31 usinas solares, no modelo de geração distribuída, para abastecer os seus quase 100 centros de distribuição pelo Brasil. A cervejeira firmou contratos de dez anos no valor de R$ 140 milhões com quatro empresas, que investirão R$ 50 milhões nas 31 plantas.

Unipar

Fruto dos ganhos de escala e do aumento de eficiência das turbinas, o preço da energia eólica teve uma queda substancial nos últimos dez anos. Em 2009, quando a fonte entrou com mais força nos leilões de energia nova, os investidores vendiam a oferta entre R$ 130/MWh e R$ 150/MWh. Hoje, esses valores variam entre R$ 80/MWh e R$ 100/MWh. Essa expressiva redução chamou a atenção da Unipar Carbocloro, que foi o primeiro consumidor livre do País a firmar um contrato de migração para o mercado livre em 1999 com a estatal Copel.
No começo de novembro, a Unipar constituiu uma joint venture com a geradora AES Tietê para a construção de um parque eólico de 155 MW na Bahia, um investimento total de R$ 620 milhões. Quando estiver operando em 2023, a usina fornecerá energia suficiente para 30% da demanda por energia elétrica do grupo. Os outros 70% serão adquiridos no mercado livre, mas a ideia é ampliar a participação da autoprodução. 
“Se existirem novas opções de projetos, vamos considerar a possibilidade”, afirmou o presidente da Unipar, Aníbal do Vale. Hoje, a energia elétrica representa em torno de 40% dos custos variáveis da empresa química.
A Braskem também demonstra interesse em projetos de fontes renováveis. A empresa firmou um contrato de 20 anos com a francesa EDF no valor de R$ 400 milhões, que está viabilizando a construção de uma usina eólica de 33 MW na Bahia do Complexo Folha Larga. 
O diretor de Energia da petroquímica, Gustavo Checcucci, disse que a Braskem também avalia investimentos em fontes renováveis. Com 25% da demanda suprida por autoprodução, a empresa tem intenção de ampliar o porcentual, mas sem cravar uma meta. “A autoprodução é um modelo diferente. A expectativa é que você seja mais competitivo do que em um contrato no mercado livre, mas o risco também é maior porque a indústria assume a gestão do ativo.”
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,por-custo-e-sustentabilidade-empresas-retomam-autoproducao-de-energia,70003137253

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Dois papas, sem sinal fácil na internet , Marcelo Coelho , FSP

Fernando Meirelles organizou um verdadeiro balé de personalidades, imagens e argumentos em seu “Dois Papas”.
Em cartaz nos cinemas e disponível na Netflix, o filme contrasta e aproxima as figuras de Bento 16 e Francisco, vividos respectivamente por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce.
Ilustração de dois miltra
André Stefanini
Como num clássico de futebol —esporte que é uma das paixões do papa argentino—, o espectador já sabe, e com razão, para quem torcer.
Joseph Ratzinger, o Bento 16, não foi agraciado pelas qualidades da simpatia e do carisma; quanto a Jorge Bergoglio, o papa Francisco, seu encanto e simplicidade derretem qualquer coração.
Um dos grandes desafios de “Dois Papas” é tornar humano e amável um cabeça-dura tão terrível quanto Ratzinger. Os primeiros diálogos entre ele e Bergoglio são de molde a tirar a esperança de qualquer um. 
Ratzinger é teimoso, agressivo, dificílimo. Mas termina aprendendo com Bergoglio. O coração do espectador se encanta quando o velho papa redescobre uma das mais belas virtudes evangélicas: a de se desarmar. 
Trata-se de uma abertura para o mundo; é ver nas coisas uma ocasião para a humildade, para o maravilhamento e para a graça. O tremendamente antipático Ratzinger —cujo olhar diabólico, na vida real, foi atenuado na interpretação de Anthony Hopkins— torna-se merecedor de carinho e compaixão.
O curioso é que, do ponto de vista da decência e da moral comum, a história de Francisco teve erros mais graves que a de Bento. 
“Dois Papas” dedica muita atenção ao papel de Bergoglio durante a ditadura militar argentina. Não foi bonito. Ele exigiu que padres sob seu comando interrompessem o trabalho social nas favelas. Dois deles se rebelaram. Bem ao estilo Ratzinger, retirou-lhes o privilégio eclesiástico. Na prática, entregou-os à tortura e à prisão.
Apesar de bastante didático, Fernando Meirelles foi delicado nesse ponto. Não exibiu em detalhes o horror das câmaras de tortura dos generais e almirantes argentinos. Talvez nossa disposição para perdoar Bergoglio diminuísse nesse caso.
“Dois Papas” é ainda mais complacente com Bento 16. Dá a entender que houve cumplicidade do papa no caso dos inúmeros padres acusados de pedofilia e abuso sexual. Mas nenhuma cena do filme reproduz o que pode haver de realmente horrível e chocante nesse tipo de crime.
Desse modo, tudo fica mais “perdoável”. 
Não acredito que isso seja necessariamente uma falha do filme. “Dois Papas” lança sobre seus personagens um olhar amoroso. Pode parecer delírio de minha parte, mas me arrisco a dizer que se trata de um olhar… divino. 
Ratzinger e Bergoglio são “criaturas” nas mãos do diretor e do roteirista. Como obra de arte, o filme dá coerência e simbolismo a muitas coisas que, na vida real, poderiam passar por casualidade.
Veja-se, por exemplo, a cena em que Bergoglio e Ratzinger estão a bordo de um helicóptero. O barulho do motor impede que conversem. Mas o papa mostra a Bergoglio os fones de ouvido e o microfone: graças ao aparato tecnológico, eles poderão provisoriamente se entender.
Em outro ponto do filme, Francisco quer reservar uma passagem aérea pelo telefone; a atendente da companhia não acredita que quem está falando é o papa. Eis, novamente, um problema de comunicação.
No auge de sua crise pessoal, Bergoglio interrompe um sermão, comparando seu estado de espírito ao de uma televisão que está com problemas na antena, e não consegue receber as mensagens da emissora.
Na discussão essencial sobre a renúncia de Bento 16, os dois personagens tentam decifrar os sinais divinos que possam orientar suas decisões. 
A vocação de Bergoglio, assim como o desespero de Ratzinger, se traduz numa espécie de superabundância semiótica: tudo é mensagem, tudo é sinal, cada coincidência conta, cada pequeno acontecimento pode ocultar um ato transcendental da Providência.
Fiquei os últimos dias sem internet em casa, e só consegui acessar a Netflix na última hora. Foi uma guerra.
Talvez por isso, fico pensando se não há um “inconsciente tecnológico” no filme de Meirelles. Ratzinger e Bergoglio vivem um problema de conexão. O contato é complicado, pior que nos tempos da internet discada.
Tanto faz, no fundo. Para eles, e para nós, o universo emite radiações invisíveis, carregadas de mensagens, formigando de megabytes. A questão —e, para os religiosos, isso talvez seja mais fácil— é configurar direito o software.
Marcelo Coelho
Membro do Conselho Editorial da Folha, autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”. É mestre em sociologia pela USP.

Elio Gaspari O Natal do papa Francisco, FSP

Num dos mistérios do Natal, a ordem mexicana dos Legionários de Cristo penitenciou-se pelos crimes de pedofilia cometidos por seu fundador e por outros 32 padres de seu culto.
Um dia antes, o papa Francisco obteve a renúncia do cardeal Angelo Sodano da posição de decano do Sacro Colégio. Aos 92 anos, ele já não votava no conclave que elege os papas. Durante os pontificados de João Paulo 2º e de Bento 16, Sodano foi um dos homens mais poderosos de Roma, secretário de Estado do Vaticano durante 14 anos.
Sua vida foi de diplomata, ex-núncio em Santiago, teve boas relações com o general Augusto Pinochet. Em 2005, quando o cardeal Ratzinger foi eleito, Sodano teve quatro votos no primeiro escrutínio. Pouca gente soube, mas um argentino chamado Jorge Bergoglio foi o segundo mais votado em todos os quatro escrutínios.
O pontificado de Ratzinger durou sete anos, Bergoglio virou Francisco e no mesmo fim de ano em que a Netflix apresenta o filme "Dois Papas", de Fernando Meirelles, ele congelou Sodano e desentulhou o lixo do padre Marcial Maciel, fundador e dono da ordem dos Legionários de Cristo.
("Dois Papas" é um lindo filme e mostra longas conversas de Bergoglio com Bento 16. Elas não aconteceram. Se as falas do cardeal argentino soam reais, as do papa alemão ficaram aquém da qualificação intelectual de Ratzinger. Jonathan Pryce é um Bergoglio perfeito e Anthony Hopkins tornou-se um Ratzinger simpático, coisa que ele nunca foi.)
Quindim da plutocracia mexicana, o padre Maciel foi um miliciano da Santa Madre. Inigualável arrecadador de fundos (tanto no caixa um como no caixa dois), drogava-se, seviciava jovens e teve pelo menos seis filhos, um deles com uma menor de idade.
A proteção de João Paulo 2º preservou-o, mas Bento 16 afastou-o do sacerdócio, sem que Roma expiasse na sua amplitude os crimes que havia cometido. Sodano chamava as denúncias de pedofilia do clero de "fofoca vazia".
Para o andar de cima do México e para uma parte da elite do catolicismo conservador americano, onde ele também militava, Maciel, que era chamado de "Nuestro Padre", foi uma espécie de dom Hélder Câmara dos ricos. Enquanto a elite carioca produziu um "bispo dos pobres" austero, militante e reto, os mexicanos e seus amigos encantaram-se com um Lúcifer.
Em 1992, pediu aos seus fiéis que não começassem seu processo de canonização antes que se completassem 30 anos de sua morte. Ele morreu em 2008 e em 2038 será difícil achar um conservador católico disposto a lembrar-se de sua figura. O cardeal chileno Silva Henriques chamava os Legionários de Maciel de "os milionários de Cristo".
João Paulo 2º e Sodano blindaram Maciel, e Bento 16 afastou-o, mas Francisco mostrou que está disposto a livrar a Igreja Católica da sua banda de promíscuo e onipotente regalismo. Os malfeitos de Marcial Maciel e de alguns de seus legionários têm a ver com as suas condutas.
O acobertamento teve a ver com o autoritarismo de uma parte do clero católico. A denúncia de que ele se drogava surgiu em 1956. Ele havia sido expulso de dois seminários e em 1997 foi acusado de abusos sexuais por seis homens. Seu filho mais velho tem 33 anos.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
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