Jair Bolsonaro é o primeiro dos grandes líderes da leva de autoritários populistas do século 21 a ser preso por atentar contra a democracia. Seus aliados internacionais seguem não apenas livres, mas firmes.
Nos Estados Unidos, Donald Trump voltou à Presidência antes que o julgamento de seus processos atrapalhasse seus planos eleitorais. Na Hungria, Viktor Orbán se prepara para uma difícil eleição, mas os 15 anos que acumula no poder podem ser um trunfo para garantir sua permanência como primeiro-ministro.
Enquanto isso, Bolsonaro passará seus dias, ao que parece, em uma sala da Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Cabe perguntar: por que o ex-presidente teve um destino diferente dos seus pares?
Em primeiro lugar, a manutenção de uma Suprema Corte independente foi fundamental para fazer valer a lei e punir a ameaça democrática. Cientistas políticos que estudam a qualidade das democracias costumam identificar o Judiciário como o último bastião frente aos avanços de um autocrata.
Não foi, claro, por falta de tentativas. Bolsonaro e aliados falharam em levar para frente no Congresso a pauta do impeachment dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Antes do segundo turno das eleições de 2022, vale lembrar, o ex-presidente afirmou que havia recebido projetos para aumentar o número de ministros da corte e que poderia discutir o tema com o Parlamento após o pleito.
Bolsonaro, porém, foi derrotado pelo presidente Lula naquele ano (e não teve apoio da cúpula militar para uma investida golpista). A cooptação do Judiciário não saiu do papel. Essa foi outra diferença fundamental que dividiu os destinos do ex-presidente e de seus aliados globais: Bolsonaro teve um único mandato.
É consenso entre pesquisadores do tema que líderes que tentam minar o sistema democrático pelo qual foram eleitos têm muito mais sucesso na empreitada conforme avançam seus mandatos. Nos primeiros anos, o aspirante a autocrata prepara o terreno. Depois, com a estrutura pronta (geralmente um arcabouço legal que possa dar ares de legitimidade às suas ações), passa a colocar em prática as medidas mais autoritárias.
Assim foi com Trump, que em 2020 não encontrou os 11.780 votos de que disse precisar no estado da Geórgia para vencer as eleições. Até o pleito de 2024, foi processado, mas não julgado, por ter tentado encontrá-los de forma antidemocrática, pressionando o secretário de Estado.
Finalmente, Trump derrotou Kamala Harris e, de novo na Presidência, tem agido de maneira mais autoritária do que no primeiro mandato –tentando preencher órgãos públicos de funcionários leais a ele, desmantelando o Departamento de Justiça, buscando controlar universidades e escritórios de advocacia e caçando imigrantes sem o devido processo legal.
Também prejudicou os avanços antidemocráticos de Bolsonaro não ter tido ampla maioria no Congresso. Nesse sentido, o presidencialismo de coalizão serviu como antídoto contra esses abusos.
Outros líderes, como Viktor Orbán e Nayib Bukele, em El Salvador, tiveram a sorte de chegar ao primeiro mandato com o Parlamento nas mãos. Assim, o húngaro reescreveu a Constituição, dominou o Judiciário e expulsou instituições críticas do país. Também com o Congresso, Bukele cooptou o Judiciário por meio da destituição de ministros (o que permitiu a reeleição, antes proibida) e, no mandato seguinte, garantiu a possibilidade de se reeleger indefinidamente.
Por ser inédita nesta nova fase de ascensão populista autoritária, não se sabe quais efeitos a prisão de Bolsonaro terá sobre a reconstrução da democracia no país.
Por um lado, pode sinalizar o compromisso das instituições com a democracia e inibir novos avanços autoritários. Por outro, não é suficiente (e nem pretende sê-lo) para mudar as condições que permitiram a chegada de Bolsonaro ao poder — um eleitorado que desconfia das instituições, da política tradicional e da capacidade do Estado de atender demandas básicas.
A prisão do ex-presidente deixa um vácuo que pode ser aproveitado por outro político de tendências semelhantes, e as eleições de 2026 estão logo ali.

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