sexta-feira, 14 de novembro de 2025

É preciso unir o Estado empreendedor e o de bem-estar social sob o mesmo teto’, diz Mariana Mazzucato em palestra na COP30 -Agência Fapesp

 Elton Alisson, de Belém | Agência FAPESP – Para corrigir distorções na avaliação de quais problemas são mais urgentes é preciso começar a priorizar aqueles que afetam o estado de bem-estar social, como as mudanças climáticas, avaliou Mariana Mazzucato – professora da Universidade College London, da Inglaterra, e uma das principais referências da área econômica na atualidade – em um painel que aconteceu ontem (13/11) na Zona Verde, durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). A economista, nascida na Itália e radicada na Inglaterra, se notabilizou ao defender a ideia de um “Estado empreendedor” e de uma economia orientada para a resolução de grandes desafios sociais por meio de “missões”.

“É preciso começar pelos problemas que afetam o bem-estar e organizar o Estado, a economia e a inovação para implementar as ações. Para isso, é preciso unir o Estado empreendedor e o de bem-estar social sob o mesmo teto”, apontou.

Mazzucato refuta as alegações de restrições orçamentárias utilizadas por países, principalmente os mais ricos, para se esquivar do financiamento de ações de combate às mudanças climáticas. “Os governos alegam que não têm dinheiro para a saúde ou para o clima. Essas restrições orçamentárias são falsas. Quando se quer fazer algo, o dinheiro é criado.”

“Precisamos de uma teoria do bem comum, que é mais interessante e diferente do que o bem público. O bem comum é um objetivo por meio do qual o poder das relações, o respeito, a dignidade e o valor que atribuímos uns aos outros importa tanto quanto o que estamos tentando construir”, comparou a economista, que acaba de escrever um livro sobre o assunto, previsto para ser publicado em 2026.

Para definir o que representa o bem público, o conhecimento indígena será muito mais útil do que o econômico, analisou Mazzucato.

A maneira como o conceito de bem público é abordado na economia se baseia no fundamento de corrigir algo que as empresas não fazem e esperam que o Estado ponha em marcha. Já para os indígenas, a compreensão do que é um bem comum está no cerne da visão que esses povos originários têm sobre o que é o mundo e como moldá-lo, comparou a economista.

“É preciso não apenas preservar o conhecimento tradicional, mas respeitá-lo, valorizá-lo e colocá-lo no centro da estrutura de governo, da economia e dos sistemas de inovação”, avaliou.

Economia invisível

Os serviço ecossistêmicos prestados pelos povos indígenas, por meio de seus conhecimentos tradicionais e práticas de manejo sustentável da terra, representam uma economia invisível que não tem sido devidamente reconhecida e contabilizada, sublinhou André Baniwa, consultor de medicinas indígenas da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde.

“Essa economia invisível sustenta a floresta, os rios, igarapés e lagos, e não é contabilizada pelos Estados. Espero muito que, a partir dessa COP, as pessoas possam refletir sobre isso”, afirmou Baniwa.

Essa forma dos povos indígenas de conviver com a floresta, e que permite mantê-la de pé, é o que a torna tão valiosa para a sociobieconomia – o modelo de desenvolvimento econômico que valoriza a biodiversidade e o conhecimento de comunidades tradicionais para gerar renda e promover a inclusão social e ambiental –, cujo conceito é adotado no âmbito da Amazônia+10, avaliou João Reis, representante da iniciativa.

Lançada pela FAPESP em 2022 e encampada pelo Conselho Nacional da Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap) a iniciativa reúne 25 FAPs de todo o país e dez parceiros internacionais com o objetivo de financiar a pesquisa na Amazônia, com protagonismo local.

“A liderança e a coordenação dos projetos apoiados no âmbito da iniciativa são sempre de pesquisadores vinculados a instituições baseadas na Amazônia Legal. A integração com conhecimentos tradicionais é outro componente importante e existente na maior parte dos projetos já apoiados”, afirmou Reis.

Um dos objetivos da iniciativa no campo da sociobioeconomia é fomentar a inovação orientada por missões para criar um mercado de bioeconomia na Amazônia. Para isso, contudo, é preciso superar barreiras, como a estruturação de mercados para algumas cadeias bioprodutivas, sem a imposição de uma lógica de mercado, apontou Reis.

“Não faz sentido impor a lógica de mercado para os povos tradicionais, que têm uma outra forma de se relacionar com sua produção, com elementos do coletivo, que dizem respeito a sua espiritualidade”, disse.

São os povos originários que podem e devem dizer de que maneira seus conhecimentos e práticas devem ser institucionalizados pelo mercado e não o contrário, ponderou Nirvia Ravena, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA).

“São eles que têm que dizer para nós o que entendem por regulação frente ao Estado nacional e não nós criarmos dispositivos. Ninguém tem que trazer inovação para os povos tradicionais, mas nós é que temos que aprender sobre a inovação originária deles”, afirmou.
 

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