A gênese do PL Antifacção aprovado pela Câmara dos Deputados é indicação alarmante da desmoralização política do Brasil.
A começar pela escolha do relator, o capitão Derrite, bolsonarista de carteirinha e secretário do presidenciável Tarcísio de Freitas. Derrite não é especialista em segurança pública, é especializado em letalidade policial.
O capitão Derrite deixou a PM depois de ser investigado em operações que resultaram em 16 homicídios, informou a revista piauí. Letal demais, o "matador de ladrão". Em 2024, o estado de São Paulo teve o maior crescimento de mortes decorrentes de intervenção policial do país (60,9%).
Muito além da disputa eleitoral em torno da narrativa da segurança pública em 2026, operando para derrotar a proposta legislativa do governo Lula, um dos alvos da missão Derrite é enfraquecer a PF.
A explicação é simples. A partir do governo FHC, sobretudo no governo de Lula, a Polícia Federal experimentou um processo de profissionalização, moralização e modernização que destoa das policias estaduais. A PF ainda é vulnerável —como se viu no governo Bolsonaro. Às vezes, não é eficiente, demora. Erra também. Mas a PF adquiriu inquestionável capacidade técnica para desbaratar com inteligência esquemas criminosos mais ou menos sofisticados.
Não é coincidência. O enfraquecimento da PF interessa a partidos políticos do centrão. A Operação Compliance Zero, por exemplo, incomoda a bancada Master no Parlamento e, aparentemente, os governos do Rio de Janeiro e de Brasília e diversas prefeituras municipais.
A PF recolhe sinais de delito que se consuma graças à permissividade de autoridades locais, sinais ignorados pelos investigadores. As polícias estaduais estão contaminadas pela corrupção, pela inépcia e pelo abuso de poder. As corregedorias são enfeites institucionais, não costumam funcionar. O enriquecimento ilícito é amplamente tolerado. Milícias e facções proliferam porque contam com o envolvimento direto e indireto de agentes do poder público. Policiais criminosos só são identificados e punidos quando imagens comprometedoras aparecem nas redes sociais e no noticiário.
Não há relação hierárquica entre a Polícia Federal e as policiais estaduais, mas a PF tem atribuição constitucional de apurar crimes federais eventualmente praticados por policiais estaduais, como evasão de divisas, contrabando, descaminho.
A primeira investida de Derrite (recuou depois) foi para condicionar a ação da PF à vontade de governadores, uma tentativa inusitada de blindagem formal. Depois, a ideia era sufocar as finanças da PF, para torná-la inoperante, drenando recursos de financiamento de suas atividades para fundos locais, como que entregando para vampiros a guarda de bancos de sangue.
A nova lei, qualquer que seja o texto final, não fará desaparecer do panorama político brasileiro o crime organizado. É suspeitíssimo, porém, o esforço para afastar a PF da luta contra o crime organizado, assim como é sintomático o descaso em relação à corrosão moral das polícias e sua incapacidade de reagir com inteligência.
O modelo carioca de enfrentamento armado —danem-se os inocentes— é o paradigma que Derrite e seus aliados, atrás de votos, querem espalhar pelo país.


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