Ser gentil é uma virtude. Significa respeitar o próximo e tratá-lo com cortesia e de uma maneira educada. O que vale para as pessoas vale também para a arquitetura e o urbanismo. Na construção de prédios ou em qualquer tipo de obra, a gentileza inclui ações que melhorem a qualidade de vida da população, aproximem o espaço público do privado e agradem os moradores da vizinhança
Infelizmente, a gentileza urbana em São Paulo ainda tem muito a evoluir. A aversão aos pobres e os problemas de segurança inibem saltos mais altos. Nas novas obras ainda sobram, por exemplo, muros e grades. Raramente se vê um banco onde um pedestre possa sentar ou um pequeno jardim externo. Além disso, a maioria das fachadas ativas com lojas abertas ao público estão ociosas.
O Plano Diretor de 2014 atenuou o problema com os incentivos para a construção de prédios de uso misto. E falou-se bastante do assunto na revisão do plano, em 2023. O problema, porém, é que várias incorporadoras consideram essa uma questão secundária. Por falta de criatividade, por uma questão de custos ou para aproveitar ao máximo a área do terreno preferem deixar a gentileza de lado.
"A situação melhorou, mas pode melhorar muito mais", diz Fernando Forte, sócio do escritório FGMF. "Nos nossos projetos buscamos sempre aproximar o térreo da rua e integrar os espaços". Ele fala de edifícios com passagens que liguem uma rua a outra e que podem ser utilizadas por qualquer pedestre. Ou de áreas internas de livre acesso que favoreçam um agradável convívio entre os moradores e quem vem de fora.
As galerias do Centro, com mais de 50 anos, são um exemplo de gentileza urbana por permitirem o acesso ao seu interior por transeuntes que querem cortar caminho ou fazer compras e utilizar serviços em suas pequenas lojas. Embora antigas, elas seguem um conceito extremamente moderno. Um caso bem conhecido é o do edifício Copan.
As fachadas ativas são outra ideia promissora. Deixam o entorno mais seguro e aproximam o espaço público do privado. O morador pode descer para tomar um café, comprar um chocolate e jantar no outro prédio. Qualquer pessoa que estiver passando por ali pode fazer a mesma coisa.
Mas o problema é o preço da locação. Há mais espaços vazios do que ocupados nessas fachadas. Ferro conta que um prédio na rua Pedroso de Morais que seu escritório projetou está com lojas fechadas e valor pedido de aluguel é de R$ 60 mil. Uma amiga sua que tem um bar em frente paga R$ 15 mil.
Outra forma das incorporadoras serem gentis é diminuindo o impacto ambiental das novas obras com menos barulho e lixo e investindo em benefícios para a vizinhança, como cuidar de uma praça no entorno ou recuperar algum equipamento público de uso coletivo. Os moradores das proximidades, também encarados como clientes em potencial, ficam satisfeitos.
A acessibilidade é indicadora de gentileza urbana. Os prédios novos são obrigados por lei a ter equipamentos para as pessoas com deficiência e idosos. Mas os antigos estão pouco preparados, assim como a cidade em geral, que ainda tem um longo caminho a percorrer para se tornar acessível.
Segundo Forte, a avenida Luiz Carlos Berrini pode ser considerada um caso clássico de falta de gentileza. Com prédios sem jardins, bancos para sentar e fachadas ativas ele se torna um deserto nos fins de semana, vira uma espécie de cidade fantasma.
Pode-se dizer que a situação hoje é menos crítica do que já foi. Mas a maioria dos prédios ainda são verdadeiras fortalezas cercadas de muros e grades e sem conexão com o espaço público. O que não falta é grosseria urbana. A rua ainda é uma ameaça.


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