Imagine o seguinte diálogo entre dois assaltantes que procuravam vítimas e um deles vê um homem sozinho no ponto de ônibus. "Vamos fazer o cara?", pergunta ao outro, esperando uma resposta simples, do tipo "vamos nessa". Só que recebe de volta uma nova e irritante pergunta: "Fazer o cara, no caso, quer dizer furtar ou roubar?".
"Você enlouqueceu? O trouxa está dando mole. Ó a mochila. Tá na cara que tem computador dentro. Tá vendo a mão que ele usa pra segurar o celular? Tem aliança. Quer mais o quê?", rebate o comparsa. "Quero entender antes de agir. Você está me convidando para subtrair bens móveis pertencentes à vítima da nossa ação sem o uso de violência ou grave ameaça, que é o furto? Ou pretende subtrair os bens móveis mediante uso de violência, grave ameaça ou emprego de meio que tire a possibilidade de resistência, que é o roubo?", questiona.
O primeiro assaltante não acredita no que está ouvindo. E deixa isso claro: "Mano, tá usando o quê? Que diferença faz se é furto ou roubo? É pegar essa máquina aqui, ó, e fazer o dia!, exalta-se, exibindo a coronha de uma arma na cintura.
Por incrível que pareça, a convocação não acalma o comparsa: "Compreendo seu desejo de cometer mais um ato criminoso, que compartilho, mas precisamos ter clareza sobre as consequências dele. E avaliar com cuidado. O furto, faço questão de deixar claro, prevê pena que varia de 1 a 4 anos de reclusão. Se formos condenados, não pegaremos regime fechado, no máximo tornozeleira. Já o roubo, veja bem, tem pena-base de até 10 anos de reclusão, com a circunstância qualificadora porque você quer empregar arma de fogo".
Os estudos mostram que os marginais fazem cálculos de risco antes de uma ação criminosa. Mas beira o ridículo imaginá-los consultando o Código Penal e o Código de Processo Penal para evitar crimes com penas mais pesadas. A conta que fazem se resume a uma pergunta que, no Brasil, tem resposta óbvia: "Tenho chance de ser pego?".
Tirando casos de comoção nacional ou crimes de autoria indiscutível, como o marido que mata a mulher e desaparece, a estatística nacional é vergonhosa. De cada 100 crimes praticados, só 1 passa por todas as etapas —polícia, Ministério Público e Justiça— e resulta em condenação com trânsito em julgado.
Ou seja, o marginal trabalha com a convicção de que não será pego pelo sistema de Justiça. Seu receio real é outro sistema: o "tribunal do crime", que aplica penas bem mais severas. Quem é pego por uma facção rival, pode ser torturado e morto, talvez queimado vivo. Será mesmo que esse criminoso vai ter medinho de projeto de lei com aumento de penas, que serão aplicadas nos raros casos de condenação final?
A lição vem do século 18, do italiano Cesare Beccaria. Um dos maiores freios ao crime não é a rigidez das penas, mas a sua infalibilidade. Punição certa e rápida na vida real vale mais do que sanções cada mais severas previstas em bolinhas de papel.
Em 2019, o Congresso aprovou a lei 13.954, elevando de 30 para 40 anos o tempo máximo para o cumprimento de penas privativas de liberdade, ampliação do número de crimes hediondos e limitação das hipóteses para progressão de regime. Você acha que os bandidos se intimidaram com o que ficou conhecido como "Pacote Anticrime? O tráfico de drogas sofreu abalos? O contrabando de fuzis diminuiu? O número de casos de roubo à mão armada é menor hoje? A corrupção baixou?
Nada disso aconteceu. Daí porque espanta ver o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que até hoje não disse a que veio, mandando para o Congresso Nacional mais um projetinho de lei aumentando penas, agora para envolvidos com facções criminosas, logo depois da operação policial do Rio de Janeiro, que eliminou dezenas e dezenas de integrantes do Comando Vermelho.
Modificar o Código Penal é fácil. Basta obter o voto da maioria dos deputados e senadores, o que não deve ser tão difícil depois do que aconteceu. Já modificar o cenário do crime organizado é bem mais complicado porque requer uma ação coordenada do Estado, que jamais foi tentada nem será alcançada com esse ato populista.
O pacote antifacção de Lewandowski tem tudo para terminar como os anteriores, sem qualquer contribuição efetiva no combate ao crime. Mais uma vez, a bandidagem agradece.
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