domingo, 23 de novembro de 2025

Marcus André Melo - A vitória da direita nas eleições chilenas, FSP

 "Por anos, a esquerda relativizou o crime, enfraqueceu a autoridade e perseguiu as polícias. Hoje, o Chile paga esse preço com sangue e medo." Esta afirmação é de José Antonio Kast, o favorito no segundo turno nas eleições presidenciais chilenas.

Kast é conhecido como o Bolsonaro chileno. Isto talvez explique porque um taxista, em Santiago, me surpreendeu por saber que Bolsonaro havia perdido a eleição presidencial "por muito pouco, algo como 2%, não?". O tema segurança pública dominou a campanha, mas o novo é a apatia. A duas semanas do pleito não havia sinais de eleições nas ruas. Aqui e acolá havia algum outdoor de candidatos individuais às eleições legislativas. Apatia também nos debates presidenciais nos quais os oito candidatos apinhavam-se.

A frustração com o governo Boric é acachapante e marcada pela fiasco da Constituinte e escalada da violência. O Chile pós-Pinochet foi marcado por um padrão de competição política, vertebrado por duas coalizões de centro-direita (Alianza) e centro-esquerda (Concertación), e que desmoronou, dando lugar, em 2021, a um confronto entre outsiders. Boric, líder estudantil sem experiência que surgiu como candidato independente, liderando coligação com o partido comunista e movimentos. E Kast candidato independente, que depois funda um partido.

vitória da direita —a esquerda teve o menor percentual de votos em 30 anos— sugere uma onda como ocorreu nos 2000, na esteira do boom de commodities, com a esquerda. Mas com o sinal trocado: privilegia a direita devido à crise avassaladora de segurança pública que afeta a região. A onda é assim mais que um novo sentimento anti-incumbente.

A quebra do padrão tem também raízes institucionais. O país adotava havia 30 anos o "voto obrigatório, registro voluntário"; não registrados sofriam sanções não triviais caso não votasse, o que criava incentivos para o não registro. A taxa de registro dos jovens despencou de 90,7% para 17,5% entre 1988 e 2011. A reação levou a uma mudança radical, em 2013, para "registro automático, voto facultativo". Resultado: queda brutal no comparecimento às urnas nas eleições presidenciais, legislativas, no plebiscito de 2020, e nas eleições para a Constituinte em 2021. Boric foi eleito com comparecimento de 47,3% do eleitorado. No primeiro turno da atual eleição, esta taxa foi de 85,3%. O voto agora é obrigatório. Se antes apenas os mais engajados tendiam a votar, agora a maioria silenciosa domina. Isso explica também o fracasso da nova Constituição.

Homem caminha perto de muro com imagens contra a nova Constituição chilena em Santiago
Homem caminha perto de muro com imagens contra a nova Constituição chilena em Santiago - Martin Bernetti - 9.abr.22/AFP

A segunda mudança de regras envolve o sistema binomial no qual os distritos têm dois representantes; se o candidato no topo da lista de uma coalizão tivesse mais que o dobro do da rival, a coalizão levaria as duas cadeiras em disputa. Caso contrário, a segunda cadeira vai para a lista rival. O sistema criou incentivos para que se formasse duas coalizões estáveis, que se alternaram no poder. No entanto, em 2015, o novo governo o eliminou. Até então as coalizões só poderiam apresentar dois candidatos. Os distritos passaram a ter de três a oito cadeiras na Câmara, e de duas a cinco no Senado. As candidaturas independentes foram permitidas. O sistema se fragmentou: em 2022, 22 partidos adquiriram representação, agora 18!


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