domingo, 16 de novembro de 2025

Um prefeito bossa-nova, Muniz Sodré, FSP

 Existe um fio mal percebido entre figuras como o príncipe William e Zohran Mamdani, recém-eleito prefeito de Nova York. William (43 anos), herdeiro do trono inglês, visitou o Brasil como co-fundador do Prêmio Earthshot, o Oscar da sustentabilidade. No Rio e em Belém, ele aplaudiu as oportunidades de inovação climática que discerniu entre nós. Já Mamdani (34 anos) vem galvanizando o seu eleitorado feminino, jovem, gentrificados do Brooklin e imigrantes. Um toque especial de juventude pode ser o elo inicial entre as duas personalidades. Mais profunda, porém, é a moção da diversidade.

Tem só 26 anos Morris Katz, o principal conselheiro político de Mamdani, em um século o líder mais jovem de NY, com um rol de "primeiros históricos": primeiro prefeito muçulmano, primeiro africano e o mais prestigiado democrata socialista do país. Mamdani disse a que veio em seu discurso de vitória, dirigindo-se a Trump: "Se existe alguma forma de aterrorizar um déspota é desmantelando as condições que permitiram que acumulasse poder". Mas não é só idade ou condição física: o que destaca o indivíduo é o que o impulsiona, aquilo que defende desde dentro.

Homem de barba e cabelo escuro veste terno preto, camisa branca e gravata preta, posando com leve sorriso à frente da bandeira dos Estados Unidos, que exibe estrelas brancas sobre fundo azul e listras vermelhas e brancas.
O prefeito eleito de Nova York, Zohran Mamdani, durante evento do Dia dos Veteranos de Guerra - Michael M.Santiago/Getty Images via AFP

Claro, uma coisa é ganhar a eleição, outra é governar. O então candidato fez promessas duvidosas como ônibus gratuitos, creches, aluguéis congelados, coisas em princípio impraticáveis numa das cidades mais caras do mundo. Esse aceno utópico o leva a ser classificado como populista de esquerda em contraposição ao populismo trumpista de direita.

Os fatos contradizem a classificação. Mamdani não foi eleito por pobres ou gente que tomasse ao pé-da-letra o seu discurso. Não é doutrinário, mas jovial e gregário. Não detém um capital de milhões de seguidores nas redes (como jovens direitistas nos EUA e no Brasil), nem se tornou a já viciosa figura do "influencer", mas dialoga com diferentes estratos sociais novaiorquinos, inclusive os "farialimers" de lá. Buscou diversidade étnica numa cidade já constituída por pluralidade, sem arguir identitarismo. Isso é bossa nova.

O fator "juventude" não deve ser avaliado por fetiches midiáticos, nem pela presunção etarista de superioridade dos novos sobre os velhos. Nada disso. É esclarecedora a noção estoica de "apatheia", referente à sensibilidade sem eloquência ou ao sentir não subjetivo, isto é, a substituição do discurso demonstrativo pela desenvoltura social que constitui o homem do mundo, um comum.

Jovial é tocar com os olhos, gestos e palavras simples, portanto, com virtude tátil, um campo de ação. Mamdani acertou na identidade entre sentir e pensar.

Sua eleição parece maior do que o escopo municipal. Sem academicismo, ele oferece uma perspectiva de enraizamento avessa à retrógrada conduzida pela extrema direita, que é a reapropriação material de uma mesma origem étnica como parte mais vital do passado.

Essa é a bandeira de Trump, leit-motiv de suas deportações. Mamdani sugere o enraizamento do diverso, logo, a presença da imigração, em que o humano se projeta no futuro como um ser de raízes múltiplas.


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