segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Anac impõe em decisão unilateral inclusão de 189 terrenos em concessão de Viracopos, FSP

 A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) decidiu, de forma unilateral, transferir para a concessionária ABV (Aeroportos Brasil Viracopos) 189 terrenos localizados no entorno do aeroporto internacional de Viracopos, em Campinas (SP).

Na prática, a medida amplia o inventário de bens que devem ser administrados pela concessionária, mesmo sem sua concordância. A decisão foi imposta em meio a uma disputa bilionária, que se arrasta há anos, sobre a área total do aeroporto e o destino da concessão.

A imagem mostra o interior de um aeroporto moderno, com um grande espaço aberto e tetos altos. Há várias pessoas se movendo com malas, algumas paradas em balcões de check-in. O piso é de cerâmica clara e há colunas estruturais visíveis. Ao fundo, há um grande painel digital com cores vibrantes.
Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, vive impasse bilionário entre concessionária ABV e a Anac - Divulgação /Aeroportos Brasil Viracopos

Os espaços formam uma reserva física para futuras ampliações de pátios de aeronaves, faixas de segurança, áreas logísticas e vias internas. Segundo a Anac, a recusa da concessionária em receber os terrenos vinha travando o planejamento de expansão naquele que já é um dos principais centros de transporte aéreo de cargas do país.

Por trás da resistência da ABV está a fragmentação do espaço que a concessionária tinha de ter recebido da União assim que assumiu o contrato. Localizados em regiões distintas, os terrenos acabaram se transformando em uma colcha de retalhos para a empresa administrar, o que significa impossibilidade de exploração econômica imediata e aumento de custos operacionais. A manutenção, a segurança e a eventual desocupação das áreas são responsabilidade da concessionária.

À Folha a Anac declarou que, conforme determina o contrato, cabe à concessionária receber e proteger as áreas desapropriadas. "No entanto, a concessionária vem descumprindo essa regra, negando-se a aceitar o recebimento dessas áreas desde meados de 2019", afirmou.

A agência reguladora disse também que, ao longo desse período, para evitar prejuízos à União e a inviabilidade da expansão do aeroporto, vem repassando essas áreas por meio de termos aditivos unilaterais. "Nenhuma área dita pela ABV como ocupada de forma irregular foi repassada até o momento, e o próximo termo aditivo está em análise pela área técnica da Anac", comentou.

A ABV contesta as informações e afirma que menos de 25% dos 17 quilômetros quadrados previstos na concessão de Viracopos foram entregues até hoje à empresa, o que a impediu de construir, por exemplo, um grande empreendimento imobiliário que estava previsto no projeto original.

Nas estimativas da empresa, cerca de R$ 2 bilhões de receitas frustradas foram contabilizadas neste período devido à falta dos projetos imobiliários.

Em um mapa de satélite, enviado à reportagem pela concessionária, há uma grande área em amarelo logo abaixo dos terminais e pistas do aeroporto. De acordo com a ABV, trata-se de terrenos que deveriam fazer parte da concessão desde o início, mas que não foram entregues até hoje, passados 13 anos de contrato.

Os terrenos pintados de rosa são aqueles que já foram entregues de forma unilateral. As áreas em azul foram repassadas de forma bilateral, ainda segundo a concessionária.

Mapa de Viracopos mostra áreas em amarelo (não entregues até hoje para a concessionária); em rosa (áreas entregues de forma unilateral pela Anac) e em azul (áreas entregues de forma bilateral), segundo a ABV - ABV

A falta de acordo ao longo dos anos resultou em um contrato marcado por desequilíbrios financeiros. Viracopos é o quinto maior aeroporto do país em movimentação de passageiros e o maior em importação de carga.

O aeroporto foi concedido em 2012 para a ABV, uma sociedade formada pela estatal Infraero, que detém 49% de participação, e a empresa ABSA, dona dos demais 51% e composta por três grupos privados: as brasileiras Triunfo e UTC e a francesa Egis Airport Operation.

A concessão tinha prazo de 30 anos, mas passou a apresentar já nos primeiros anos de contrato dificuldades financeiras devido à arrecadação inferior ao esperado e ao alto custo do contrato, com suas parcelas anuais fixas.

Seis anos depois de iniciada sua operação, a ABV entrou com pedido de recuperação judicial, acumulando dívidas de R$ 5,05 bilhões. Naquele mesmo ano, a Anac abriu um processo de extinção do contrato, alegando descumprimento de obrigações, como o não pagamento da outorga anual.

Em 2020, a ABV formalizou o pedido de relicitação do aeroporto junto à Anac, suspendendo o processo de caducidade, com o objetivo de fazer um acerto de contas e transferir o aeroporto para outro dono. A pandemia de Covid-19, porém, atrasou novamente o processo, com o colapso do setor aeroportuário.

Em 2023, a ABV e a Anac chegaram a iniciar tratativas em busca de um possível acordo para manter a concessão e suspenderam a ideia de relicitação, com atuação da secretaria de consenso do TCU (Tribunal de Contas da União). Mas as negociações fracassaram.

O Ministério de Portos e Aeroportos apoia a ideia de renovar a concessão em novos termos. A ABV também demonstra interesse neste caminho, mas tudo depende da decisão de uma câmara arbitral independente que analisa o caso.

Por meio de nota, a ABV declarou que "tem a expectativa de iniciar em breve as negociações com a Anac, visando o reequilíbrio econômico e financeiro do contrato vigente" e que "reafirma seu compromisso com a continuidade da prestação de serviços, objeto da concessão".

Nos cálculos da Anac, a concessionária tem direito a receber uma indenização de ao menos R$ 2,7 bilhões relacionados a investimentos de bens ainda não amortizados, ou seja, bens que ainda não se pagaram integralmente ao longo do tempo de uso previsto em contrato.

Sobre o valor calculado, é preciso descontar todas as dívidas que, segundo a Anac, a empresa acumulou nos últimos anos, como multas contratuais e outorgas, valores que a concessionária paga ao governo para poder explorar o bem público.

A agência afirma que, só de outorgas vencidas, já são mais de R$ 2,4 bilhões até agora. Até dezembro deste ano, outros R$ 473 milhões vão vencer. Há, ainda, quase R$ 1 bilhão em multas a serem pagas, entre outras faturas em aberto. Fechando a conta, de acordo com a Anac, a ABV teria um passivo acumulado com a União de R$ 1,17 bilhão.

Nos cálculos da ABV, porém, o cenário é outro. A concessionária alega que suas indenizações não seriam de R$ 2,7 bilhões, mas sim de R$ 5,7 bilhões. A empresa diz ainda que o governo estaria ignorando cálculos com desapropriações e reequilíbrio do contrato, que colocam mais R$ 2,6 bilhões em jogo. Para a ABV, haveria hoje cerca de R$ 4,5 bilhões a receber da União.

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