Durante a ditadura militar, o editor Ênio Silveira teve os direitos políticos cassados. Seus livros foram recolhidos, confiscados e queimados; sua livraria na rua Sete de Setembro, no Rio, e a editora Civilização Brasileira, alvos de incêndio criminoso, atentado a bomba e estrangulamento econômico. Um de seus principais autores, Carlos Heitor Cony, foi preso seis vezes pelo regime. Ênio conseguiu superar a marca: preso em oito oportunidades, acusado de "subversão cultural" e "propaganda comunista".
Na primeira delas, logo após o golpe de 1964, o interrogatório girou em torno da origem de seus bens. Os militares consideravam inconcebível que se pudesse obter lucro no Brasil com a publicação de livros sobre política e ciências sociais. Deviam desconfiar que Ênio estava garantido pelo que então se chamava "ouro de Moscou". Não faziam ideia de que a fortuna dele era de outro tipo —talento e tino comercial.
Seu centenário de nascimento transcorre na terça-feira (18), e sua trajetória de luta e livros está na biografia recém-lançada "Ênio Silveira: O Editor que Peitou a Ditadura", do também editor Sérgio França.
Descoberto por Monteiro Lobato, estudou nos Estados Unidos e estagiou com Alfred A. Knopf, com quem aprendeu a ser um publisher, assumindo as funções de diretor de aquisições e de logística, editor de textos preocupado com o design e o marketing. Ideologicamente formado pelo Partido Comunista americano, era um maluco, um suicida, na visão do seu amigo Jorge Zahar. Capaz de fazer, com tradução direta do alemão, a primeira edição completa de "O Capital" no país e, ao mesmo tempo, contratar uma agência de publicidade para promover o lançamento de "Lolita", de Nabokov.
Certa vez, ouviu de Luís Carlos Prestes: "Agora temos uma editora". Ênio rebateu na lata: "Não, a editora é minha". Isso explica por que "Pessach: A Travessia", de Cony, romance que acusa o PCB de traição, saiu trazendo uma orelha que se posicionava contra a obra. Um caso inédito no mundo.

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