Começou a contagem regressiva para o encarceramento definitivo de Jair Bolsonaro. É justo que ele receba algum tratamento especial?
O jornal O Estado de S.Paulo acaba de publicar um editorial em que crava um "sim" à pergunta. E a linha-fina da peça desenvolve o raciocínio: "Como ex-presidente, Bolsonaro não pode ser tratado como um preso qualquer". A Folha já defendera, em setembro, prisão domiciliar para o ex-mandatário.
Não me insurjo contra um eventual cumprimento de pena em casa, mas a forma como se chega a esse resultado faz diferença. Discordo inteiramente da ideia de que a condição de ex-presidente justifique regalias.
Um dos pontos altos da humanidade foi ter desenvolvido a noção de igualdade republicana, que rejeita ou ao menos limita fortemente distinções jurídicas entre cidadãos. Sociedades ocidentais começaram a dar certo depois que aboliram ou reduziram a meros simbolismos as diferenças entre nobres e plebeus.
Até Augusto, o primeiro imperador romano e um dos mais ambiciosos, tomava o cuidado de fazer-se chamar "primus inter pares" ("o primeiro entre iguais"), afetando não ser diferente de nenhum outro patrício.
Voltando ao indigesto ex-presidente, não penso que seja impossível conciliar o princípio igualitário com uma domiciliar. É só basear a decisão não numa dignidade especial inerente ao cargo mas no fato de que o Estado tem a obrigação de zelar pela saúde de todos os que estão sob sua custódia. E a saúde de Bolsonaro, gostemos ou não, é frágil.
É claro que, se for esse o caminho escolhido pelo STF, seria preciso estender o benefício a todos os presos em situação semelhante. O tribunal criaria para si a obrigação moral de organizar um megamutirão para mandar para casa dezenas de milhares de presidiários com saúde frágil.
Haveria justiça poética num desfecho desses. O presidente durão contra o crime seria causa indireta da soltura de uma legião de criminosos condenados. Ele também faria avançar a causa do humanismo penal, bandeira que até a esquerda covardemente renunciou.

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