sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Pagamento instantâneo existe, mas a ajuda climática ainda demora, Deborah Bizarria, FSP

 Para uma família em Porto Alegre alagada, a diferença entre reformar a casa ou abandoná-la se mede em meses de espera. Até o dinheiro público chegar, se chegar, a água secou, o mofo tomou conta e a dívida cresceu. O debate climático fala em bilhões anunciados em conferências, mas pouco em quanto tempo esse recurso vira colchão, geladeira, telhado. É nessa brecha que entra o Pix do Clima, proposto pelos economistas Esther Duflo, Abhijit Banerjee e Michael Greenstone.

A imagem mostra uma área urbana inundada, com várias casas e edifícios parcialmente submersos em água. Um edifício com telhado vermelho e azul é visível no centro, cercado por água. Ao fundo, há outras construções e vegetação, também afetadas pela inundação. A cena sugere um impacto significativo de chuvas ou enchentes na região.
Escola Miguel Granato Velasquez, em Porto Alegre (RS), ficou submersa durante enchente de maio de 2024 - Giulian Serafim - 28.jul.25/PMPA

Quando uma enchente destrói uma casa ou uma seca quebra a lavoura, o pagamento é automático, baseado em dados meteorológicos e georreferenciados. Nada de projetos longos, relatórios em inglês e múltiplas aprovações. O sistema usa a infraestrutura de pagamentos instantâneos como o Pix e reduz custos de transação a quase zero. Hoje, parte relevante do dinheiro climático se perde em administração, consultoria e auditoria.

As perdas do aquecimento global recaem sobre os mais pobres, que gastam mais com energia e alimentos e têm menos capacidade de se proteger. Transferências diretas calibradas por dados climáticos funcionam como seguro público, reduzindo desigualdade e fortalecendo recuperação. Experiências em países de baixa renda mostram que pagamentos baseados em séries climáticas e satélite têm precisão suficiente para limitar fraudes.

Existem interesses organizados no modelo atual: governos que preferem controle discricionário, cadeias de consultoria que vivem de formular projetos, estruturas que ganham com a complexidade. A questão não é ignorá-los, mas entender como redirecionar essa expertise, hoje voltada à burocracia, para funções como monitoramento e apoio local.

Do outro lado, há uma coalizão possível, afinal, prefeituras demandam respostas rápidas para reduzir pressão política. Já empresas de tecnologia veem impacto reputacional com custo baixo e os afetados pelo clima querem ser atendidos rapidamente. Assim, onde as motivações diferem, objetivos podem convergir, garantindo que o dinheiro chegue a quem perdeu tudo em tempo útil.

Precisamos, claro, sempre tentar nos antecipar às objeções. A primeira é o risco moral, a ideia de que se a pessoa sabe que receberá ajuda, teria menos incentivo para se proteger. Mas a capacidade individual de prevenção diante de enchentes históricas ou secas severas é mínima. O Pix do Clima funcionaria como rede de segurança para choques sistêmicos que ultrapassam qualquer capacidade de autoproteção.

A segunda crítica envolve precisão dos dados e risco de fraude, especialmente considerando cadastros incompletos e desatualizados. Um sistema que cruza dados climáticos, localização e cadastros sociais produz rastro digital auditável e pode até induzir o aperfeiçoamento dos próprios cadastros ao criar incentivo para mantê-los atualizados.

O Pix do Clima não substitui fundos de longo prazo nem infraestrutura de adaptação, busca entregar compensação direta e rápida. A discussão precisa ir além do volume anunciado e considerar como, em quanto tempo e para quem o dinheiro chega. Afinal, a agenda climática exige portfólio que combine instrumentos de longo prazo com resposta ao dano imediato.

Colocar o recurso na mão de quem perdeu casa ou roça não cria vítimas permanentes, mas pode criar agentes da própria reconstrução. Enquanto o financiamento climático permanecer distante de quem já sente enchentes, secas e calor extremo, a conta política e social seguirá em aberto, independentemente dos bilhões anunciados em cada COP.

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