domingo, 16 de novembro de 2025

Afonso Borges O livro, o plástico e as 700 toneladas no lixo, Afonso Borges,FSP

 

Afonso Borges

Escritor, jornalista e gestor cultural

O leitor entra na livraria, escolhe um título, paga, leva para casa e rasga a película transparente que o envolve. Em segundos, o plástico vai para o lixo. O gesto é banal, mas o impacto é monumental.

Essa fina camada de filme termoencolhível —usada para proteger o livro da poeira e da umidade— tornou-se um dos maiores símbolos de incoerência do mercado editorial brasileiro: um setor que vive de ideias, mas ainda insiste num hábito materialmente insustentável. É o chamado "plástico de uso único".

A imagem mostra o interior de uma livraria, com estantes repletas de livros organizados em várias prateleiras. No primeiro plano, há mesas ou estantes baixas com livros visíveis. As prateleiras ao fundo estão cheias de capas de livros de diferentes cores e tamanhos, criando um ambiente acolhedor e convidativo para os leitores.
Livraria no centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli 6.mar.2025/Folhapress

Segundo dados disponibilizados pela CBL (Câmara Brasileira do Livro) e pelo Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), o país imprimiu 366 milhões de exemplares no último ano. Supondo que cerca de 70% desses livros foram embalados individualmente, isso significa que 256 milhões de unidades receberam plástico antes de chegar às prateleiras. Cada invólucro pesa entre 1,4 g e 2,7 g, o que equivale a algo em torno de 360 a 700 toneladas de lixo plástico por ano —um resíduo de baixo valor comercial, que raramente é reciclado e quase sempre termina em aterros ou nos oceanos, fragmentando-se em microplásticos.

O argumento das editoras é pragmático: o plástico protege os exemplares durante o transporte e a armazenagem. O problema é que a proteção dura apenas até a compra —minutos— enquanto a poluição gerada pode atravessar gerações. É uma equação de tempo e dano que já não se sustenta.

Há, porém, uma causa mais profunda para a continuidade dessa prática. Plataformas de e-commerce como a Amazon, e possivelmente o Mercado Livre, exigem que os livros sejam entregues embalados individualmente em plástico. Caso contrário, não recebem as encomendas. Neste ponto, é necessário parar e considerar que o mercado editorial, atualmente, é totalmente dependente das vendas por e-commerce. Grandes editoras estimam que cerca de 70% da sua produção escoa pela Amazon.

Para atender à exigência, muitas editoras solicitam às gráficas que enviem parte ou toda a tiragem "shrinkada" —termo técnico para o filme termoencolhível, que adere ao livro sob calor.

Cria-se, assim, um círculo vicioso: gráficas embalam para atender editoras; editoras embalam para atender plataformas; e as plataformas embalam novamente para o envio ao consumidor. Se todos os livros passarem a sair de fábrica plastificados, o impacto ambiental dobrará — algo entre 520 e 1.000 toneladas de resíduo por ano, apenas para atender a uma norma comercial.

Em outros países, o cenário começa a mudar. Editoras europeias e livrarias independentes já substituem o filme plástico por faixas de papel reciclado, invólucros biodegradáveis ou simplesmente aboliram a embalagem. Confiam no leitor e reduzem a pegada ambiental.

Brasil precisa seguir o exemplo. O debate sobre sustentabilidade no livro não pode se limitar à origem do papel: deve incluir também o material que o envolve. O livro é, por natureza, um instrumento de consciência. E não há consciência possível quando o conhecimento continua coberto por uma camada de poluição invisível.

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