O leitor entra na livraria, escolhe um título, paga, leva para casa e rasga a película transparente que o envolve. Em segundos, o plástico vai para o lixo. O gesto é banal, mas o impacto é monumental.
Essa fina camada de filme termoencolhível —usada para proteger o livro da poeira e da umidade— tornou-se um dos maiores símbolos de incoerência do mercado editorial brasileiro: um setor que vive de ideias, mas ainda insiste num hábito materialmente insustentável. É o chamado "plástico de uso único".
Segundo dados disponibilizados pela CBL (Câmara Brasileira do Livro) e pelo Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), o país imprimiu 366 milhões de exemplares no último ano. Supondo que cerca de 70% desses livros foram embalados individualmente, isso significa que 256 milhões de unidades receberam plástico antes de chegar às prateleiras. Cada invólucro pesa entre 1,4 g e 2,7 g, o que equivale a algo em torno de 360 a 700 toneladas de lixo plástico por ano —um resíduo de baixo valor comercial, que raramente é reciclado e quase sempre termina em aterros ou nos oceanos, fragmentando-se em microplásticos.
O argumento das editoras é pragmático: o plástico protege os exemplares durante o transporte e a armazenagem. O problema é que a proteção dura apenas até a compra —minutos— enquanto a poluição gerada pode atravessar gerações. É uma equação de tempo e dano que já não se sustenta.
Há, porém, uma causa mais profunda para a continuidade dessa prática. Plataformas de e-commerce como a Amazon, e possivelmente o Mercado Livre, exigem que os livros sejam entregues embalados individualmente em plástico. Caso contrário, não recebem as encomendas. Neste ponto, é necessário parar e considerar que o mercado editorial, atualmente, é totalmente dependente das vendas por e-commerce. Grandes editoras estimam que cerca de 70% da sua produção escoa pela Amazon.
Para atender à exigência, muitas editoras solicitam às gráficas que enviem parte ou toda a tiragem "shrinkada" —termo técnico para o filme termoencolhível, que adere ao livro sob calor.
Cria-se, assim, um círculo vicioso: gráficas embalam para atender editoras; editoras embalam para atender plataformas; e as plataformas embalam novamente para o envio ao consumidor. Se todos os livros passarem a sair de fábrica plastificados, o impacto ambiental dobrará — algo entre 520 e 1.000 toneladas de resíduo por ano, apenas para atender a uma norma comercial.
Em outros países, o cenário começa a mudar. Editoras europeias e livrarias independentes já substituem o filme plástico por faixas de papel reciclado, invólucros biodegradáveis ou simplesmente aboliram a embalagem. Confiam no leitor e reduzem a pegada ambiental.
O Brasil precisa seguir o exemplo. O debate sobre sustentabilidade no livro não pode se limitar à origem do papel: deve incluir também o material que o envolve. O livro é, por natureza, um instrumento de consciência. E não há consciência possível quando o conhecimento continua coberto por uma camada de poluição invisível.

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