terça-feira, 18 de novembro de 2025

A esquerda ainda não entendeu o apoio popular à operação militar no Rio, Wilson Gomes - FSP

 A megaoperação no Rio produziu um fenômeno desconcertante para a esquerda e os progressistas: apesar do número extraordinário de mortos, a maioria da população a aprovou. A Quaest mostra que 67% dos brasileiros consideram a operação correta e que 67% julgam que a polícia não exagerou na força.

No Rio, o Datafolha confirma: 57% concordam com o governador que a ação foi "um sucesso", e quase 70% dizem que ela foi bem ou suficientemente bem executada. Mais decisivo: 81% acreditam que "todos" ou "a maioria" dos mortos eram criminosos.

Para a maioria, portanto, a operação foi legítima, necessária e moralmente justificável, e os rótulos "chacina" e "genocídio" não pegaram.

O progressista reage a esses números com perplexidade moral. Ele os lê através da sua carta de valores: o morador de favela, mesmo cooptado, é antes de tudo vítima; direitos humanos são inegociáveis; respostas autoritárias do Estado são inadequadas; quem aprova tais ações é cúmplice ou presa da narrativa da direita.

A imagem mostra uma fusão entre elementos urbanos, violência armada e a presença humana. No fundo, aparece uma grande massa de construções de favela, em tons terrosos, formando um padrão denso e repetido de casas comprimidas. Em primeiro plano, à esquerda, há o desenho detalhado de um fuzil preto, mostrado de perfil e em grande escala. De cima dele e atrás dele surge um emaranhado de fios elétricos irregulares, cabos sobrepostos e desorganizados, como os “gatos” comuns nas áreas periféricas. Esses fios atravessam horizontalmente toda a imagem. À direita, esses mesmos fios penetram na cabeça de uma figura humana de perfil. A cabeça é representada como um contorno anatômico simples, mas seu interior é preenchido pelo mesmo padrão visual das casas da favela, como se o território ocupasse também o espaço mental. Há áreas internas destacadas em cinza, sugerindo cavidades ou regiões do cérebro, reforçando a metáfora da mente atravessada e ocupada. Um dos fios atravessa diretamente a altura da testa em direção ao fundo da cabeça, como uma linha que perfura pensamentos. A composição cria um contraste duro entre os cabos caóticos, a arma e a figura humana, transmitindo a sensação de uma vida mental e social atravessada pela violência armada, pelo controle territorial e pela desordem estrutural. A favela aparece simultaneamente como cenário, como estrutura e como parte do corpo — sugerindo que a experiência cotidiana de ameaça e colapso normativo molda a percepção, a mente e a sobrevivência das pessoas que vivem ali.
Ariel Severino/Folhapress

O apoio popular, nessa chave, só pode ser explicado por desinformação, conservadorismo moral ou captura pelo discurso punitivista. Sobram acusações até para o jornalismo, que estaria colaborando para justificar a matança.

Mas essa leitura, cujo foco está na luta ideológica de soma zero com a direita, não permite entender tudo o que está em jogo.

A sociologia política de Karen Stenner oferece um caminho mais convincente. Em "The Authoritarian Dynamic" (2005), Stenner demonstra que respostas autoritárias não derivam primariamente de ideologia, mas da percepção de ameaça normativa —isto é, do sentimento de que a ordem comum, as regras mínimas de convivência e o horizonte moral compartilhado se desfizeram. Quando as pessoas percebem que "ninguém manda", "ninguém obedece", que autoridades são impotentes e que as normas que definem o certo e o errado perderam validade, a predisposição autoritária se ativa. E, uma vez ativada, ela exige ordem, coerção, homogeneidade e restauração da autoridade.

O ponto decisivo é que a ameaça normativa não é ideológica; é existencial.

A vida cotidiana sob o domínio de facções e milícias —especialmente para os pobres— constitui exatamente esse tipo de ameaça. Não se trata apenas de medo do crime, mas da sensação de que a ordem normativa ruiu. O Estado perdeu o monopólio das regras e da violência. A moralidade cívica que orientava a vida comunitária —a perspectiva de que compensa ser honesto e respeitar as regras, o valor da vida, a educação moral dos filhos— entra em crise porque, na prática, torna-se inoperante. Vigora o arbítrio armado. A previsibilidade some. E a distinção entre certo e errado desaparece como critério eficaz de sobrevivência.

É difícil imaginar que a perspectiva de quem vive por anos em territórios ocupados por facções e milícias possa ter qualquer semelhança com a de quem julga a violência a partir do conforto de uma vida mais ou menos previsível, segura e sob regras. A população em áreas dominadas por traficantes não prioriza ideologia; o que a move é um impulso de sobrevivência normativa: precisamos de alguém que restabeleça regras, que contenha os que impõem pela força uma ordem ilegítima, brutal e imprevisível.

A repressão do Estado aparece então não como "violência policial", mas como recuperação da ordem moral perdida e —por que não?— como uma pequena vingança por tanta violência sofrida. Quando progressistas denunciam em coro, como gostam, "a polícia que mais mata", quem vive sob a bota das facções balança a cabeça e retruca: "mata ainda pouco, deveria era matar mais". É tão difícil assim entender isso?

É isso que as pesquisas mostram —e que não cabe no repertório explicativo da esquerda: a população aprova massivamente a operação no Rio (67%) e apoia medidas duras contra facções (73% querem enquadrá-las como terrorismo; 88% querem penas maiores).

A esquerda, presa à sua moldura moral, vê somente a esfera dos princípios: direitos, garantias, limites ao Estado. O erro está no "somente", pois não percebe, além disso, que, para boa parte da população, a disputa real não está entre direitos humanos e punitivismo, esquerda e direita, e sim entre uma ordem normativa em colapso e um Estado que, ainda que de modo brutal, promete restaurá-la.

Enquanto não compreender que o apoio popular a ações como essa deriva da experiência concreta de viver sob uma ameaça normativa total, e não de conservadorismo moral ou manipulação discursiva, a esquerda seguirá falando para si mesma —e desconectada do país.

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