Todos nós lemos essa notícia no final de semana. Bolsonaro foi detido preventivamente pela Polícia Federal após tentar destruir a própria tornozeleira eletrônica.
Ele se tornou o quarto ex-presidente brasileiro preso na última década – ao lado de Collor, Temer e Lula – e o décimo na história da República.
O Brasil prende um presidente, atual ou ex, a cada 14 anos (embora 6 dos 10 membros dessa lista tenham encarado a prisão em contextos de golpe, estado de sítio ou ditadura).
Para você
Não dá para negar que nosso histórico democrático é ruim.

Só 6 presidentes brasileiros eleitos pelo voto nos últimos 100 anos completaram o mandato:
Eurico Gaspar Dutra
Juscelino Kubitschek
Fernando Henrique Cardoso
Lula
Dilma
Bolsonaro
Mas Dilma sofreu impeachment no segundo mandato, e Lula e Bolsonaro foram presos após a presidência. Eurico Gaspar Dutra foi ministro da Guerra de Getúlio Vargas e participou da operação que levou ao fechamento do Congresso e à implantação da ditadura do Estado Novo. E se não dá pra dizer que a emenda da reeleição foi um autogolpe, também não foi um gesto de grandeza republicana: FHC usou o prestígio do cargo para mudar a regra em benefício próprio, num processo marcado por escândalos.
E esse é o nosso dream team. Todos os demais presidentes brasileiros eleitos pelo voto foram derrubados, renunciaram sob pressão ou tiveram o mandato interrompido.

Na verdade, quando nós julgamos nossa história, quase a metade dos presidentes brasileiros sequer foram escolhidos pelo voto popular – alcançaram o poder de forma indireta, por imposição militar ou pelo Congresso.
Para piorar, até 1989, nenhuma eleição presidencial brasileira contou com a participação de mais de 20% da população. Pode não parecer, mas nós estamos no período mais longevo de normalidade democrática já experimentado no Brasil, com recordes de participação popular na escolha dos nossos representantes – e dos sete presidentes empossados desde a redemocratização, quatro foram presos e dois foram afastados do cargo por processos de impeachment.
É um péssimo registro, mas coerente com o lugar do mundo onde nós vivemos. A história da América Latina é a história da instabilidade política.
Entre 1907 e 1966, nossa região experimentou 20 golpes de Estado – uma média de um a cada três anos. Se nós considerarmos só o período entre a segunda metade do século 20 e hoje, pelo menos 34 golpes de Estado foram realizados na região.
Só a Bolívia viu 13 tentativas de golpes de Estado no século 20. Desde a independência, o Brasil sobreviveu a 9.

Em menos de um século, a Argentina foi marcada por seis golpes militares: em 1930, 1943, 1955, 1962, 1966 e 1976. Só em 1989, pela primeira vez em mais de seis décadas, um presidente civil argentino entregou o poder a um sucessor eleito.
E se as coisas melhoraram com o fim da Guerra Fria, a América Latina ainda viu 10 presidentes serem afastados pelo Congresso desde 1989.
Nesse contexto, a prisão de Bolsonaro é um sintoma de um problema muito maior. Nós temos o hábito de eleger péssimas elites políticas, e sofremos duras consequências por causa disso.
Quando os economistas medem quantas vezes um país troca abruptamente de governo, eles percebem que isso cobra um preço bem alto no crescimento: se um país derruba governantes com frequência, cada troca está associada a uma queda de 2,4% de crescimento no PIB per capita.
Isso acontece, em parte, porque quando um país está preso a um clima de tensão – com greves, protestos e ameaças de golpe e impeachment –, quem tem dinheiro fica com medo do futuro, e com isso adia os investimentos, cancela projetos e manda o dinheiro para fora do país. A bagunça política vira bagunça econômica.

Uma parte importante de por que a América Latina cresce pouco é porque você não constrói refinaria, ferrovia ou rede de telecomunicação apostando num país onde cada governo novo ameaça reescrever as regras do governo antigo – ou cair na primeira crise política.
Com a instabilidade, o país passa a funcionar pior. Não é só que se investe menos em máquinas ou escolas. É que os contratos deixam de valer, e as reformas param no meio do caminho. Com isso, as empresas produzem menos, inovam menos e arriscam menos.
E o impacto não fica preso ao presente. Alguns estudos mostram que, nos momentos de crise, muitas famílias tiram os filhos da escola para cortar gastos. Isso reduz as matrículas quando a crise começa, mas derruba a produtividade muito tempo depois que ela acaba.
Para piorar, como revelou o turco Dani Rodrik, professor de economia em Harvard, países politicamente polarizados e com instituições frágeis sofrem muito mais quando o resto do mundo piora. Não é inteligente viver em instabilidade.
Quando os partidos políticos são estáveis, o Judiciário funciona e as regras do jogo são respeitadas, um choque externo vira, no máximo, um período difícil: corta-se o gasto, ajusta-se o câmbio, o crescimento desacelera por alguns anos, mas com o tempo tudo volta ao normal.
Saiba mais
Na América Latina, onde o sistema político vive quase sempre à beira do fim, o mesmo choque vira uma tragédia. O que poderia ser um ajuste temporário se transforma em calote de dívida, hiperinflação e colapso bancário. Qualquer vento contrário vira uma tempestade.
A literatura mostra que, se a América Latina tivesse a mesma estabilidade dos países desenvolvidos, poderia ter crescido algo como um ponto percentual a mais por ano nas últimas décadas.
Pode parecer pouco, mas, em décadas, essa é a diferença entre um país de classe média baixa e um país de classe média.
Imagine que a renda média anual na América Latina fosse de US$ 10 mil por pessoa em 1980. Se essa renda cresce 2% ao ano, após 40 anos isso se transforma em US$ 22 mil. Com 3% ao ano, ela iria para perto de US$ 32 mil. Esse é o tamanho do estrago que a instabilidade política traz.
No fim, é isso que a prisão de Bolsonaro escancara. O nome mais popular da direita brasileira está atrás das grades. E este é só mais um capítulo de uma longa história de instabilidade institucional que atravessa fronteiras, séculos e regimes. Uma história que parece longe de acabar.

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