terça-feira, 11 de novembro de 2025

Estamos subestimando a saúde mental, Michael França, FSP

 Quando os recursos internos se tornam tão limitados quanto os externos, a chance de ir além se torna ainda menor para aqueles que perderam na loteria do nascimento. Para eles, o desafio perante a atual crise de saúde mental pode representar não apenas a estagnação de sua condição socioeconômica mas até levar a um retrocesso em relação à posição alcançada pelos seus próprios pais.

E o que fazer quando a energia se esvai? E quando levantar da cama se torna um peso? Sabemos que vivemos em um mundo que gera um turbilhão constante de emoções e incertezas. Um mundo marcado por rupturas profundas com as normas sociais do passado. A velocidade das transformações, a instabilidade econômica e a sobrecarga informacional criaram um terreno fértil para o esgotamento. E, nesse frenesi cotidiano, nem todos têm recursos suficientes para buscar ajuda. Para grande parte dos brasileiros, aquela simples conversa com um terapeuta é algo muito distante.

E o que fazer quando a energia se esvai? E quando levantar da cama se torna um peso? Enquanto muitos daqueles que possuem recursos estão se entorpecendo com remédios psiquiátricos e terapias para enfrentar os dilemas contemporâneos, sustentar um ritmo de produtividade incessante e participar da insana roda do materialismo, aqueles que nasceram com poucos recursos enfrentam a dificuldade crescente de preservar a saúde mental ou apenas buscam conviver com a dor. Em tal contexto adverso, tem-se que o sofrimento se distribui de uma forma desigual. Enquanto alguns possuem recursos para anestesiar a dor, os demais a enfrentam sem anestesia alguma.

Em um fundo totalmente branco vemos uma jovem sentada de perfil, ela está debruçada, apoiada com os cotovelos em seus joelhos. De olhos fechados, sua expressão (sem ser explícita) sugere dor. Ela na verdade é gigante para 4 minúsculos médicos que a estudam sem entendê-la.
Líbero/Folhapress

E o que fazer quando a energia se esvai? E quando levantar da cama se torna um peso? Há também outro tipo de desigualdade no adoecimento. Quem pertence às camadas mais favorecidas pode parar, buscar tratamento e se recolher. Já quem vive à margem precisa continuar, ainda que doente. E a dor, quando não encontra abrigo, se transforma em isolamento. E o isolamento se transforma em mais sofrimento.

E o que fazer quando a energia se esvai? E quando levantar da cama se torna um peso? Procurar entorpecer também a classe média e os mais pobres com remédios psiquiátricos é uma alternativa? Uma alternativa cara, mas, ainda assim, uma alternativa? Ou deveríamos começar a repensar nossos modos de vida coletiva?

Talvez essa seja uma das principais cegueiras do nosso tempo, pois, em diversos casos, tendemos a insistir em respostas químicas e em terapias para problemas que são, antes de tudo, sociais. E, dessa forma, empurramos para os ombros dos indivíduos o peso de um adoecimento coletivo. Contudo, não há saúde mental possível em uma sociedade que cultua o desempenho sem limites, a superficialidade do materialismo e, ao mesmo tempo, despreza o cuidado. O cuidado consigo. E o cuidado com os outros.

Então, resta, ao final, um convite... E se começássemos a tratar o mal-estar contemporâneo não como apenas um desvio provisório, mas como um sinal? Não como um desajuste momentâneo, mas como um alerta de que algo mais profundo está fora do lugar?

E se começássemos a redefinir o que de fato é riqueza? E o que realmente significa ser bem-sucedido?

O texto é uma homenagem à música "Crazy", de Gnarls Barkley.

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