Em "The Art of the Deal" ("A Arte da Negociação"), Donald Trump afirma que "a chave final para a maneira como eu consigo as coisas é a bravata. Eu jogo com as fantasias das pessoas. Elas nem sempre pensam grande, mas ainda podem se entusiasmar muito com aqueles que pensam. É por isso que um pouco de hipérbole nunca faz mal. As pessoas querem acreditar que algo é o maior, o melhor e o mais espetacular. Eu chamo isso de hipérbole verdadeira. É uma forma inocente de exagero — e uma forma muito eficaz de se conseguir o que quer".
Escrito há duas décadas, o livro nos dá a chave para propostas desvairadas como a aquisição da Groenlândia e retomada do canal do Panamá. São bravatas. Que elas tenham funcionado é o que merece nossa atenção. A eficácia do discurso populista funda-se em larga medida na política da autenticidade. Bravatas antissistema e "exageros inocentes" não são dissimulados; caracterizariam os autênticos.
Obviamente Trump não atua em um vazio institucional: pelo contrário, opera em um ambiente institucional com fortes restrições. Mas, por uma combinação de circunstâncias, tais restrições nunca foram tão débeis: Trump conta com maiorias nas duas casas do Congresso (embora por pequena margem no Senado). E também na Suprema Corte.
O Poder Executivo nos EUA é, em termos comparativos, inusitadamente fraco —algo que escapa ao público leigo que assiste ao strongman assinando ordens executivas. O presidente não pode apresentar projetos de leis (sim, não existem PLs do Poder Executivo), nem detém iniciativa exclusiva de matéria orçamentária, tributária ou administrativa; o Orçamento é globalmente impositivo e o presidente não pode contingenciar despesas sem autorização expressa do Poder Legislativo (ou seja, não pode deixar de executar gastos); o Poder Legislativo pode aumentar o gasto global da lei orçamentária; e se o Orçamento não for votado, há paralisação (shutdown) do governo (não prevalece a proposta do Executivo nem a execução mês a mês do Orçamento do ano anterior como na maioria dos países); etc.
Muitas das restrições acima dizem respeito a limitações impostas pelo Poder Legislativo. Entretanto, o sistema conta com outras defesas. Em dois anos haverá eleições legislativas onde poderão ocorrer reviravoltas e essas maiorias desaparecerem. As agências reguladoras são muito ativas e independentes. Mais importante: o federalismo robusto dos EUA representa uma separação vertical de poderes. Muitas das propostas de Trump já foram contestadas pelos estados e muito provavelmente serão derrubadas.
Mas as derrubadas não importam para o autor de "hipérboles verdadeiras" em série: ele ganha mesmo perdendo. As iniciativas vetadas, sobretudo as mais estapafúrdias, sinalizam sua autenticidade e a "reação nefasta do sistema".
"Você sabe, a coisa mais triste é que, por ser o presidente dos EUA, eu não devo me envolver com o Departamento de Justiça. Eu não devo me envolver com o F.B.I. Eu não devo fazer o tipo de coisa que adoraria estar fazendo. E isso me deixa muito frustrado."
Trump tem consciência dos limites, mas as bravatas e suas ações unilaterais são seu modus operandi e causam grande estresse na democracia americana. O tiro pode sair pela culatra.
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