domingo, 19 de janeiro de 2025

Catastrofismo, único antídoto contra o aceleracionismo, Marcelo Leite, FSP (definitivo)

 

É compreensível a preocupação de militantes com a prevalência de uma visão catastrófica sobre a crise do clima. Temem que se espalhe uma epidemia de conformismo e paralisia. Mas não é isso precisamente o que se vê hoje?

A fonte da apatia atual não está no catastrofismo, mas no maremoto do aceleracionismo. Não só não estamos fazendo o necessário para conter o acúmulo de carbono na atmosfera como estamos pisando fundo no acelerador do aquecimento global. Ninguém tem forças para resistir às águas de um tsunami.

Antes cabia alertar que se estreitava a janela de oportunidade para descarbonizar a economia e manter o aquecimento em 1,5ºC. Agora, com a sucessão de anos recordistas de calor, chegou a hora de berrar que não dá mais tempo.

Donald Trump e Elon Musk durante teste do Starship, em novembro de 2024, no Texas - Brandon Bell/via Reuters

Em lugar de diminuírem, seguem em alta as emissões de carbono pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento. O futuro chegou e pode ser visto todo dia nos noticiários da TV: incêndios, vendavais, enchentes, migração, guerras.

Pense na inteligência artificial (IA), mais novo bezerro de ouro idolatrado por fanáticos da tecnologia. De ora em diante só vai aumentar a demanda pantagruélica por energia dos centros de processamento por trás da IA.

Para nada dizer das criptomoedas, que já consomem mais energia elétrica que os 110 milhões de habitantes do Egito. Não esquecer que 60% da eletricidade do mundo provêm de termelétricas movidas a combustíveis fósseis (carvão mineral, gás natural e óleo) –como as que jabutis do Congresso propõem fomentar.

Não é outro o motivo para tecnoligarcas como Elon MuskMark Zuckerberg e Jeff Bezos pularem no colo de Donald Trump. O mais poderoso negacionista da mudança climática tem como lema "drill, baby, drill" (perfure, benzinho, perfure), prometendo furar poços de petróleo em qualquer parte –como o governo Lula.

É de se apavorar, mesmo. Mas isso não quer dizer que a humanidade vai desaparecer, como imagina o catastrofista ingênuo, por ignorar que o gênero humano já enfrentou coisa pior e seguiu em frente (com carradas de gente morta no caminho, verdade).

Um artigo no periódico Communications Earth and Environment (grupo Springer Nature) de quinta-feira (16) mostra que a capacidade humana de se adaptar a ambientes tornados inóspitos é mais antiga que o Homo sapiens. Tem pelo menos 1 milhão de anos.

Só havia então precursores como Homo erectus. Reunindo diversas fontes de informação paleontológica e ecológica em sítios da Tanzânia, o grupo liderado por Julio Mercader reconstituiu como populações de hominíneos conseguiram sobreviver ali à crescente aridez, desenvolvendo novas ferramentas e migrando repetidamente entre fontes de água potável.

Tecnologia e inovação podem, sim, prover a chave da sobrevivência. Mas seria no mínimo imprudente apostar com Musk e Bezos na hipótese de colonizar Marte e transformar o planeta desértico em algo parecido com a Terra. Mesmo que dê certo, quantos conseguirão embarcar em seus superfoguetes?

Como não dão ponto sem nó, alguns desses hiper-ricos estão construindo superbunkers para se proteger do que vem pela frente aqui na Terra. E das hordas de famintos na esteira das tecnologias monstruosas que o sono da razão terá produzido.

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