terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Por que estão faltando bebês?, FSP

 O filme "Ainda Estou Aqui" retrata o sequestro e desaparecimento do deputado Rubens Paiva, em 1971, com um enfoque especial na trajetória de sua esposa, Eunice. Um aspecto interessante, especialmente em comparação com as famílias atuais, é o fato de o casal ter cinco filhos, algo que era bastante comum na época, mas raro nos dias de hoje.

Na década de 1960, a taxa de fecundidade por mulher no Brasil, segundo dados do Banco Mundial, era de 6,1. Esse número estava muito acima da taxa de reposição populacional, de 2,1, e da média mundial da época, de 4,7. Em 2022, essa taxa caiu para 1,6.

Para cuidar de uma família com muitos membros e otimizar seus benefícios, muitos casais adotavam o que os economistas chamam de especialização na produção. Isso significa que um dos cônjuges se especializava no trabalho remunerado, enquanto o outro, geralmente a mulher, se dedicava aos cuidados e aos afazeres domésticos (trabalho não remunerado). Hoje, as famílias brasileiras estão bem diferentes das dos anos 1960. Em 2022, a taxa de fecundidade era de aproximadamente 1,6, enquanto a média mundial estava em 2,27. O que aconteceu desde então para explicar tamanha queda?

A imagem mostra um grupo de cinco pessoas em frente a uma casa. Há uma mulher adulta no centro, com cabelo escuro e preso, vestindo uma blusa azul e colar. À sua esquerda, uma menina com cabelo longo e liso, vestindo uma blusa vermelha. À direita, outra menina com cabelo curto e encaracolado, usando uma camiseta azul com listras. Atrás delas, um menino com cabelo castanho e uma menina com cabelo liso e escuro. O fundo apresenta uma casa com janelas verdes e uma parede de pedra.
Cena do filme "Ainda Estou Aqui", que retrata a família de Eunice e Rubens Paiva - Divulgação

A divisão de trabalho entre cônjuges vem mudando ao longo do tempo. No país, houve um aumento significativo na escolaridade, especialmente entre as mulheres, acompanhado de um crescimento substancial na participação feminina no mercado de trabalho (que passou de 15,45% em 1960 para 53,7% em 2022). Dessa forma, observamos que, em muitos domicílios, ambos os cônjuges estão inseridos no mercado de trabalho. No entanto, a divisão do trabalho de cuidados ainda é desigual, particularmente no Brasil, o que sobrecarrega as mulheres, que enfrentam a chamada dupla jornada.

Claudia Goldin, vencedora do Nobel de Economia em 2023, discute no artigo "Babies and the Macroeconomy" a relação entre crescimento econômico, maior participação feminina no mercado de trabalho e queda na fecundidade.

Ela classifica os países em dois grupos: o primeiro, com taxas moderadas de fecundidade na década de 1950 (em torno de 2), que se mantiveram estáveis até 2010, incluindo Estados Unidos, França e Inglaterra; e o segundo, com altas taxas até 1970, mas que em 2020 caíram para níveis muito baixos (cerca de 1,3), como Coreia do Sul, Itália, Portugal e Japão. Este último grupo inclui países predominantemente católicos ou com normas sociais distintas das ocidentais. Embora não analisado no estudo, o Brasil, com crescimento acelerado até 1980, se aproximaria desse segundo grupo.

Ela destaca que países que experimentaram um crescimento econômico rápido e abrupto tendem a apresentar hoje as menores taxas de fecundidade. Isso pode estar ligado a um conflito geracional, causado pela defasagem entre a velocidade das mudanças no mercado de trabalho e a adaptação das dinâmicas domésticas. De um lado, as mulheres demandam maior participação dos companheiros nos cuidados; de outro, os cônjuges mais tradicionais podem não estar dispostos a ajustar o tempo dedicado a essas tarefas. Essa divergência pode resultar em quedas ainda mais acentuadas nas taxas de fecundidade.

Diversos governos têm demonstrado preocupação com a queda acentuada nas taxas de fecundidade, especialmente devido ao envelhecimento populacional, que impacta a economia com o aumento de gastos em saúde e previdência, além de, em média, reduzir a produtividade do trabalho.

Embora não devam interferir diretamente nas decisões familiares, os governos podem implementar políticas públicas para acelerar mudanças nas normas sociais. É fundamental valorizar a paternidade, criando condições para que os pais cuidem de seus filhos por meio do aumento da licença-paternidade e modelos de trabalho mais flexíveis.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis


Nenhum comentário: