Era para ser a viagem mais solar do mundo. Fomos para uma praia em Alagoas, com previsão de céu aberto todos os dias. Estávamos de férias, com os boletos pagos, com as canelas ao vento e os celulares na pousada –ou seja, sem muita preocupação na cabeça.
Nem o mar, que passou a me assustar tanto depois da maternidade, levantava minhas pestanas. Naquela maré baixa e sem ondas, dava para andar sei lá quantos metros com a água batendo nos joelhos. Ou seja, a chance de alguém se afogar naquela Regan da natureza era zero. Tanto que minha filha e meus enteados até reclamaram: nessa rasura não conseguimos nem dar um tchibum.
Resolvemos pegar uma jangada para ir um pouco mais além, onde aquela água mansa e morna era mais funda, onde poderíamos nadar, mergulhar e ver alguns peixes. Ancoramos depois de um banco de areia. Pulamos na água, minha filha excitada para ver os cardumes, já colocando o snorkel no rosto. Também ajeitei o apetrecho sobre o meu.
Saímos nadando. Não sei se por amor ou insegurança, ela pegou na minha mão. Gostei tanto daquilo. Desde que cresceu um pouco, já não pegava assim nos meus dedos. De repente me senti em um daquele momentos que (quem sabe) passarão diante dos meus olhos antes de eu morrer.
Nossos corpos paralelos, boiando no exato limiar da superfície. O sol sendo filtrado pela água cristalina. Tudo tão transparente lá embaixo. Um olhar de cumplicidade de uma para a outra por trás daquelas lentes engraçadas, que nos faziam lembrar que vivíamos uma aventura. Os peixes nadando ao nosso redor. Ela sinalizando, como quem diz: veja essas listras.
E então os corais. O dedo indicador da minha filha apontando excitado para um rancho de corais. Deve ter aprendido na escola a respeito dos cnidários. Visto fotos. Será que reparava que, ao contrários de muitos, aqueles não tinham cores?
De repente, uma informação que eu tinha visto, meses atrás, antes de ter planejado aquela viagem, desalojou-se de uma gaveta secundária da minha memória: um estudo apontava perda de mais de 80% dos corais em Alagoas. E eu sabia a causa: o aumento de temperatura do oceano, que afasta as algas, responsáveis por darem aos corais cores e alimentos.
Não sou uma especialista em vida marinha, mas os cnidários esbranquiçados à nossa frente pareciam ser exemplares daquela maioria. Estão mortos, pensei. E minha filha certamente ignorava isso, pois seguia com um júbilo visível mesmo através da máscara, os pés batendo não só para se locomover, mas como se aplaudissem o que via.
Toda aquela sensação de estar vivendo um momento único se desfez. Eu até estava vivendo um momento único, mas, de súbito, soturnamente único. Era quase certeza que estávamos nadando sobre um cemitério, estranhamente conectado a uma outra necrópole que ardia em chamas naquele mesmo instante, nas Palisades de Los Angeles, a tantos quilômetros dali.
Costumo falar abertamente de todos os assuntos com minha filha mas, naquele momento, eu não tinha fôlego para isso. Nenhum tipo de fôlego. Respirei fundo por aquele tubo de silicone e segui avançando com ela, pensando que seu passeio pela Terra não será nada fácil mas, ao menos, para o que der e vier, estaremos juntas.
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