quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Microplásticos, os vilões da vez, FSP

 Rossana Soletti

Farmacêutica e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

A ameaça das partículas plásticas soa recente, mas esse evento começou a ser percebido nos oceanos e no sistema digestório de animais marinhos a partir de 1970. Contudo, só no início dos anos 2000 que o termo "microplástico" foi cunhado para descrever as frações microscópicas, menores de cinco milímetros, observadas em praias e mares.

Atualmente os microplásticos e nanoplásticos (partículas menores de um micrômetro) estão onipresentes no ambiente, sendo detectados até em lagos inóspitos e no ar. Nos últimos anos, dezenas de artigos científicos passaram a reportá-los também nos seres humanos: no sangue, nas fezes e em órgãos como pulmões, coração, cérebro e mesmo na placenta. Se a presença dos plásticos nos humanos já está bem estabelecida, seus reais efeitos à saúde ainda permanecem uma incógnita.

Julia Jabur/Instituto Serrapilheira

Estudos conduzidos em células e animais têm servido para avaliar os riscos que corremos ao respirar e nos alimentar em um mundo plastificado: as minúsculas partículas podem adentrar nosso organismo, penetrar nas células e se acumular nos tecidos. Causam, assim, danos por suas características físicas, pela toxicidade intrínseca de seus componentes, como os bisfenois e ftalatos, e pela capacidade de se ligarem e carregarem outros poluentes ambientais.

De modo geral, os danos observados nos experimentos com animais dependem da concentração das partículas e do tipo de polímero, como o PET (tereftalato de polietileno), o PVC (policloreto de vinila), o PP (polipropileno), o PE (polietileno) e o PS (poliestireno), e incluem alterações no metabolismo, no funcionamento dos órgãos e do sistema imunológico; diminuição da capacidade reprodutiva e de aprendizado; malformações embrionárias e redução na sobrevivência da prole.

Apesar de as pesquisas indicarem que os micro e nanoplásticos podem oferecer um grave risco à saúde, é muito difícil transpor os resultados obtidos em animais para os seres humanos. Além das diferenças intrínsecas entre os organismos, nossa exposição às partículas plásticas não ocorre de forma padronizada como num experimento laboratorial. Assim, sob o argumento de que não temos dados que atestem prejuízos em humanos, persiste a dificuldade em promover mudanças na produção, no consumo e na regulamentação dos plásticos.

Entretanto, estudos recentes têm revelado que o cenário de incertezas pende para uma série de malefícios. Uma pesquisa publicada na The New England Journal of Medicine acompanhou mais de 200 pacientes submetidos a cirurgias para retirada de placas de ateroma nas carótidas.

Cerca de 60% das placas apresentavam micro e nanoplásticos de PE e PVC, e esses pacientes tiveram maior probabilidade de sofrer um ataque cardíaco ou morrer nos anos seguintes à cirurgia. As partículas também foram observadas em tumores de próstata, e a análise de 22 pacientes na China mostrou que a presença de PET e PS era maior no tecido tumoral do que nas regiões vizinhas.

As evidências existentes já fornecem motivos de sobra para demonstrar os malefícios dos microplásticos em um contexto de saúde única –a interconexão entre a saúde humana, animal e ambiental. Regulamentações para minimizar a produção de plásticos e seus fragmentos estão sendo adotadas em alguns países e serão fundamentais para preservar a saúde brasileira.

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